Quando a confiança sai de cena e o trabalho vira o BBB
Não são só os participantes do reality show da Globo que podem ser observados, os funcionários das empresas também
Luísa Granato
Publicado em 5 de abril de 2021 às 11h21.
Já são mais de 70 dias de confinamento em uma casa, aquela conhecida por ser a “mais vigiada do Brasil”. Sim, estou falando do Big Brother , mas não só disso. Na verdade, o foco aqui é essa vontade de dar uma espiada, vontade esta que não se restringe ao entretenimento de televisão, mas que parece se estender à rotina de trabalho .
Engraçado pensar como, gostando ou não de reality show, o ser humano parece ter uma curiosidade natural pelo outro. Chamar de "curiosidade", talvez, seja um belo de um eufemismo. Muitas vezes, parece que a vontade mesmo é de ser uma mosquinha e saber o que se passa fora das nossas quatro paredes. E meu palpite é que essa vontade ficou mais aguçada no isolamento.
Nem sempre a espiada esconde uma intenção ruim por trás. Às vezes, é só aquela curiosidade de ver um cantinho da casa do colega nas conversas pelo Zoom ou mesmo aquela vontade de se sentir mais próximo ao ver um pouco da realidade do outro — quem aqui não presenciou a aparição surpresa de um filho pequeno no meio de uma reunião e se divertiu com as interações da criança na conversa? Conhecer um pouco da realidade daqueles que trabalham conosco cria essa sensação de intimidade e de maior conexão. Gera empatia, gera compreensão e, por consequência, melhora esse ambiente de trabalho digital.
Porém, assim como no BBB, as espiadas também podem ser “tóxicas”. Quem, por exemplo, ainda liderava na base do comando e do controle, deve ter sofrido muito na mudança para a modalidade home office ou híbrida. O gestor que precisa ver o colaborador ali, de perto, para ter certeza de que ele está trabalhando, deve estar frustrado. Ou não. Às vezes, ele deu um jeito para contornar a barreira física e garantir “espiadas” à distância.
Isso porque não são só os participantes do reality da Globo que podem ser observados, os funcionários das empresas também. Não foram raros os relatos de profissionais que se sentiram pressionadas a deixar a câmera do computador ligada durante o expediente, que receberam uma enxurrada de mensagens por Teams, WhatsApp e outros meios para garantir que os funcionários estavam ali, produzindo. Tem também recursos mais modernos de monitoramento e controle, mas o foco não é esse.
O foco é o que está por trás dessa “necessidade” quase incontrolável de ficar de olho. No caso dos programas de TV, pode ser pura curiosidade pela vida alheia e até um desejo escapista. Fugir da nossa realidade para se refugiar em outra. Mas e no caso do “reality” no home office? Meu palpite é a confiança — na verdade, a falta dela.
A pesquisa Barômetro da Confiança 2021, da agência global de comunicação Edelman, revelou que as empresas inspiram mais confiança nas pessoas. Porém, atenção à base de comparação. Isso porque o estudo levou em consideração quatro instituições para medir esse nível de confiança. Então, no caso do Brasil, as organizações corporativas foram apontadas por 61% dos respondentes como as mais confiáveis, só que em comparação com as ONGs (56%), a Mídia (48%) e o Governo (39%).
Quando olhamos apenas para dentro das empresas, esse resultado é um pouco diferente. De acordo com a edição de 2019 da pesquisa Carreira dos Sonhos, da Cia de Talentos, apenas 37% dos jovens brasileiros acreditam que trabalham em empresas transparentes e só 35% acham que podem ser eles mesmos no trabalho, expressando sua identidade e opiniões sem receio. Especificamente sobre a relação de confiança com os gestores, a consultoria Gallup apontou que 7 em cada 10 profissionais não confiam em seus chefes.
Apesar desses dados todos serem de 2019, fica a suspeita de que, talvez, o cenário atual não revele números muito diferentes. Se velhos hábitos, como o da liderança pelo comando e controle, permanecem (só que com uma roupagem mais moderna), é difícil imaginar que os resultados serão diferentes.
Aquela vontade de dar uma espiada, assim, de vez em quando, pode ser até algo natural no ser humano e pode encontrar explicação em várias teorias e campos do conhecimento. Contudo, é importante refletir até onde isso está indo e o quanto não estamos confundindo "curiosidade" com vigilância, o quanto não chamamos de interesse o que, no fundo, é só uma manifestação do controle.
Esse controle numa versão 5.0 definitivamente não é o que vai fazer o seu time trabalhar melhor, nem garantir a superação da meta no fim do bimestre. Melhor que atualizar a versão do comando e controle é investir em algo que, à primeira vista, pode até parecer um pouco “analógico”, mas que, na verdade, gera grandes evoluções e revoluções: a confiança.
Já são mais de 70 dias de confinamento em uma casa, aquela conhecida por ser a “mais vigiada do Brasil”. Sim, estou falando do Big Brother , mas não só disso. Na verdade, o foco aqui é essa vontade de dar uma espiada, vontade esta que não se restringe ao entretenimento de televisão, mas que parece se estender à rotina de trabalho .
Engraçado pensar como, gostando ou não de reality show, o ser humano parece ter uma curiosidade natural pelo outro. Chamar de "curiosidade", talvez, seja um belo de um eufemismo. Muitas vezes, parece que a vontade mesmo é de ser uma mosquinha e saber o que se passa fora das nossas quatro paredes. E meu palpite é que essa vontade ficou mais aguçada no isolamento.
Nem sempre a espiada esconde uma intenção ruim por trás. Às vezes, é só aquela curiosidade de ver um cantinho da casa do colega nas conversas pelo Zoom ou mesmo aquela vontade de se sentir mais próximo ao ver um pouco da realidade do outro — quem aqui não presenciou a aparição surpresa de um filho pequeno no meio de uma reunião e se divertiu com as interações da criança na conversa? Conhecer um pouco da realidade daqueles que trabalham conosco cria essa sensação de intimidade e de maior conexão. Gera empatia, gera compreensão e, por consequência, melhora esse ambiente de trabalho digital.
Porém, assim como no BBB, as espiadas também podem ser “tóxicas”. Quem, por exemplo, ainda liderava na base do comando e do controle, deve ter sofrido muito na mudança para a modalidade home office ou híbrida. O gestor que precisa ver o colaborador ali, de perto, para ter certeza de que ele está trabalhando, deve estar frustrado. Ou não. Às vezes, ele deu um jeito para contornar a barreira física e garantir “espiadas” à distância.
Isso porque não são só os participantes do reality da Globo que podem ser observados, os funcionários das empresas também. Não foram raros os relatos de profissionais que se sentiram pressionadas a deixar a câmera do computador ligada durante o expediente, que receberam uma enxurrada de mensagens por Teams, WhatsApp e outros meios para garantir que os funcionários estavam ali, produzindo. Tem também recursos mais modernos de monitoramento e controle, mas o foco não é esse.
O foco é o que está por trás dessa “necessidade” quase incontrolável de ficar de olho. No caso dos programas de TV, pode ser pura curiosidade pela vida alheia e até um desejo escapista. Fugir da nossa realidade para se refugiar em outra. Mas e no caso do “reality” no home office? Meu palpite é a confiança — na verdade, a falta dela.
A pesquisa Barômetro da Confiança 2021, da agência global de comunicação Edelman, revelou que as empresas inspiram mais confiança nas pessoas. Porém, atenção à base de comparação. Isso porque o estudo levou em consideração quatro instituições para medir esse nível de confiança. Então, no caso do Brasil, as organizações corporativas foram apontadas por 61% dos respondentes como as mais confiáveis, só que em comparação com as ONGs (56%), a Mídia (48%) e o Governo (39%).
Quando olhamos apenas para dentro das empresas, esse resultado é um pouco diferente. De acordo com a edição de 2019 da pesquisa Carreira dos Sonhos, da Cia de Talentos, apenas 37% dos jovens brasileiros acreditam que trabalham em empresas transparentes e só 35% acham que podem ser eles mesmos no trabalho, expressando sua identidade e opiniões sem receio. Especificamente sobre a relação de confiança com os gestores, a consultoria Gallup apontou que 7 em cada 10 profissionais não confiam em seus chefes.
Apesar desses dados todos serem de 2019, fica a suspeita de que, talvez, o cenário atual não revele números muito diferentes. Se velhos hábitos, como o da liderança pelo comando e controle, permanecem (só que com uma roupagem mais moderna), é difícil imaginar que os resultados serão diferentes.
Aquela vontade de dar uma espiada, assim, de vez em quando, pode ser até algo natural no ser humano e pode encontrar explicação em várias teorias e campos do conhecimento. Contudo, é importante refletir até onde isso está indo e o quanto não estamos confundindo "curiosidade" com vigilância, o quanto não chamamos de interesse o que, no fundo, é só uma manifestação do controle.
Esse controle numa versão 5.0 definitivamente não é o que vai fazer o seu time trabalhar melhor, nem garantir a superação da meta no fim do bimestre. Melhor que atualizar a versão do comando e controle é investir em algo que, à primeira vista, pode até parecer um pouco “analógico”, mas que, na verdade, gera grandes evoluções e revoluções: a confiança.