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O custo de uma demissão malfeita

Sofia Esteves reflete sobre as consequências de demissões desumanizadas tanto para quem sai quanto para quem fica nas empresas

Demissões em alta: Brasil registrou a marca de 6,1 milhões de pedidos de demissão em 12 meses – um aumento de 50% em relação ao ano anterior (Anchalee Phanmaha/Getty Images)
Demissões em alta: Brasil registrou a marca de 6,1 milhões de pedidos de demissão em 12 meses – um aumento de 50% em relação ao ano anterior (Anchalee Phanmaha/Getty Images)
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Sofia Esteves

Publicado em 24 de novembro de 2022 às, 10h39.

Uma pessoa é contratada para uma posição de RH em uma empresa, recebendo o feedback de que o seu perfil era compatível com os valores e com o momento da organização. Mais do que isso, ela recebe a promessa de desenvolvimento e crescimento rápido no lugar.

Pouco tempo depois, a empresa pede que ela participe de uma reunião presencial com todo o time em outra cidade.

Ela acorda bem cedo, passa muito tempo na estrada e chega no horário para os compromissos de trabalho. Isso aconteceu recentemente, bem no período de paralisação de algumas estradas pelo Brasil, por isso o deslocamento foi desafiador.

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Qual não foi a surpresa dessa pessoa quando, de tarde, depois de ter passado a manhã trabalhando com o seu time, ela é chamada para uma reunião e recebe a notícia de que a empresa chegou à conclusão de ter se precipitado na sua contratação.

Resultado: a profissional foi desligada com menos de um mês de trabalho, em outra cidade e em um dia de caos por conta do bloqueio de diversas vias. E o pior é que este não é um caso isolado de demissão descuidada.

A história que contei acima viralizou no LinkedIn na última semana e, como ela, muitas outras têm ganhado espaço nas mídias.

São casos de demissões em massa feitas por videoconferência em que os microfones de todo mundo ficam no mudo enquanto a liderança informa sobre o desligamento; de cortes feitos pelo WhatsApp com uma mensagem curta e fria; de profissionais que percebem que está acontecendo uma onda de demissão porque pessoas “desaparecem” misteriosamente do Slack da empresa…

Em comum, esses episódios compartilham algumas características, como o fator surpresa — no pior sentido da palavra.

Sem nem desconfiar, tanto os novos talentos quanto aqueles com mais tempo de casa recebem a notícia da demissão como uma bomba. Uma hora a organização está bem, na outra, tudo mudou!

Outro ponto em comum é a comunicação falha em todos os sentidos. Falha por não ser transparente e antecipar a fase difícil pela qual o negócio passava. Falha por não promover o diálogo, deixando apenas a liderança anunciar a demissão, sem oferecer escuta. Falha por bloquear canais de comunicação internos com medo da interação entre as pessoas.

Nessa lista de características em comum, entra também a falta de respeito e de cuidado com aqueles que vão e aqueles que ficam.

Há ainda um quarto item a ser considerado. Algo que todas essas histórias que lemos na internet ou escutamos de conhecidos compartilham e que parece ser uma das questões mais fortes.

Estou me referindo às marcas profundas deixadas por esses episódios dramáticos. E não se engane: essas cicatrizes surgem não só naqueles que foram desligados, mas nos que permaneceram no trabalho e na imagem da própria empresa.

Aqueles que passaram por um processo demissional desrespeitoso, ficam não só marcados pela insegurança de viver isso novamente em outro lugar, mas pela desconfiança.

Imagine o efeito de uma experiência assim em um talento no início de carreira, por exemplo? Pense em como isso vai moldar a visão dessa pessoa sobre o mercado de trabalho, sobre a vivência corporativa.

Mais do que isso, reflita sobre o quanto esses indivíduos podem ingressar desmotivados em um novo lugar, pensando que não é bom se envolver muito porque, afinal, eles não passam de um número. Acham que são só mais uma mão de obra que pode ser descartada a qualquer momento.

Esse medo, desconfiança e falta de engajamento, aliás, são marcas que costumam aparecer também naqueles que se livraram da onda de cortes. Quando uma organização faz uma demissão desastrosa, ela causa uma má impressão naqueles que vão embora, mas também naqueles que ficam.

Aqueles que permaneceram começam a desacreditar da empresa, têm dificuldade em se concentrar por acharem que podem ser o próximo da fila, começam a dedicar energia para garantir uma nova posição no mercado antes que o pior aconteça…

O ambiente de trabalho fica prejudicado e, por consequência, a qualidade das entregas e o potencial de inovação caem. No lugar do bom clima organizacional, entra em cena o sentimento de “salve-se quem puder” — e essa é uma ferida difícil de uma empresa tratar.

É uma cicatriz profunda que surge na imagem de marca empregadora e na de marca de consumo. Abala as estruturas internas e a visão do mercado sobre aquele negócio.

A minha intenção aqui não é ser dramática nem romântica sobre o assunto, como quem diz que o problema são os cortes em si. Processos demissionais fazem parte da realidade de qualquer negócio, seja por conta de uma contratação que não foi bem-sucedida, seja em razão de crises econômicas.

Isso, contudo, não é justificativa para uma condução leviana. Assim como a empresa deve investir tempo e energia em um recrutamento bem-feito, ela precisa fazer o mesmo na hora de encerrar a jornada de alguém — ou de um grupo.

Do contrário, ela deixará marcas profundas nos talentos que foram embora, naqueles que ficaram, nos futuros empregadores que irão contratar profissionais desacreditados do mundo corporativo, na sua imagem como empresa e no seu próprio negócio. São marcas não de uma demissão, mas de uma falta de humanização.

Pense sobre isso e faça diferente. É possível!

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