Julgamento: do BBB para o ambiente de trabalho
O que o popular reality show pode ensinar sobre o comportamento profissional? Confira na coluna de Sofia Esteves
Publicado em 15 de março de 2022 às, 11h46.
“Se você pudesse me dizer. Se você soubesse o que fazer. O que você faria. Aonde iria chegar?” Ao ler a abertura da música “Vida Real”, de Paulo Ricardo, o que vem à sua mente? Muito provavelmente, sua resposta deve ter sido o Big Brother Brasil, certo? Afinal, esta é a “canção-tema” do reality show aqui no nosso país.
Para quem não sabe, a famosa atração se popularizou não só no Brasil, mas em vários países ao redor do mundo, sendo um fenômeno televisivo. Porém, o “verdadeiro Big Brother” teve origem na literatura, mais precisamente no livro “1984”, escrito pelo jornalista britânico George Orwell. É dele a frase “O Grande Irmão está de olho em você”.
No romance de ficção científica, o Grande Irmão é o líder supremo da fictícia Oceania, que controla toda a população, tanto em lugares públicos quanto nos privados, por meio de câmeras capazes de monitorar, gravar e espionar a intimidade da sociedade, o que leva a diversos julgamentos. Existe um “interesse” pela vida alheia — ou, melhor dizendo, um interesse por controlar a vida alheia.
Seja na ficção, seja no reality show, ou até na vida profissional, parece que cultivamos certa curiosidade pelo outro. Mas por que será que isso acontece?
No programa do momento, uma resposta possível é que gostamos de acreditar que todos podem chegar lá, ganhar o prêmio. O BBB passa essa ideia de que qualquer um pode vencer, que o sucesso e a superação estão ao alcance de meros mortais que resolvem expor suas vidas, basta saber jogar o jogo.
Essa premissa faz com que as pessoas acompanhem a trajetória dos participantes na casa, acompanhem seus erros, acertos, conflitos, polêmicas… Mais do que isso, faz com que elas pensem no que fariam se estivessem lá. E essa, talvez, seja outra resposta para a curiosidade humana sobre a vida alheia: gostamos de fazer simulações.
Sabe aquela situação em que você se pega pensando “se fosse eu…”? Então, é a isso que me refiro. A essa brincadeira que é uma simulação, mas é também um julgamento.
Uma “brincadeira” que acontece no entretenimento, mas também na “vida real” — inclusive, no trabalho.
Sei que simular situações e se colocar no lugar do outro têm, sim, seu valor. É assim que aprendemos com a experiência das pessoas à nossa volta, que construímos empatia, que nos preparamos para situações futuras.
Só que, às vezes, esse “jogo” pode nos colocar na posição de juízes impiedosos — como o conhecido e tão falado “cancelamento”, no qual qualquer deslize ou erro podem levar à destruição de reputações ou carreiras construídas ao longo de anos.
E esse julgamento duro, sem reflexão e voraz pode levar ao controle e ao medo. Como no livro de Orwell, existe um clima de tensão e de vigilância, onde “O Grande Irmão está de olho em você”.
No caso do trabalho, ainda que os colaboradores não estejam expostos como na "casa mais vigiada do Brasil" ou como na Oceania de “1984”, o medo do julgamento também é real. Medo da entrega ser duramente julgada, da competência como profissional ou como líder ser invalidada, do conhecimento ou domínio de um assunto ser colocado em xeque.
Não quero dizer que comportamentos inadequados ou performances abaixo do esperado não devam ser avaliados e receber feedbacks. Não estou fazendo um discurso em defesa do “passar pano”, como se fala nas redes sociais.
A questão aqui é quando o julgamento ganha uma proporção tamanha que, em vez de gerar diálogo, apenas causa conflito, desavença e insegurança. Quando perdemos a capacidade de trocar pontos de vista e criar pontes, perdemos também a oportunidade de aprendizado e de ressignificação.
Um bom ambiente de trabalho, veja bem, deve ser o oposto disso.
Se você está vivendo isso na sua empresa hoje ou se você está em uma posição de liderança e tem o poder de mudar uma situação dessas, quero dar algumas dicas. Uma delas é saber que, para lidar com o medo do julgamento no trabalho, é importante não se deixar levar pelo que os outros podem pensar.
Isso não significa que as pessoas devem deixar de exercer a escuta, e sim que elas precisam aprender a separar aquilo que é feedback daquilo que não passa de um julgamento cruel.
Analise quais são as suas competências, entenda quais áreas domina e no que precisa se desenvolver. No caso da liderança, deixe claro para o seu time o que é esperado dele e como ele será avaliado, criando, assim, um ambiente seguro com profissionais mais confiantes.
Outro ponto importante: reconheça ou ensine as pessoas à sua volta que não se pode controlar os pensamentos alheios. Quando nós simplesmente aceitamos que o pensamento do outro diz respeito a ele, nos sentimos mais tranquilos e prontos para enfrentar os seus desafios. Devemos, sim, nos preocupar em como as nossas ações impactam as pessoas e em sermos profissionais melhores, mas não é saudável viver uma vida na angústia eterna daquela dúvida “o que será que estão pensando de mim?”.
Por fim, aquela dica que todos nós conhecemos, mas às vezes nos esquecemos: aceite que, eventualmente, você vai errar — e o outro também. Mais que julgamentos, os erros devem gerar desenvolvimento e crescimento tanto pessoal, quanto profissional. Ao se aceitar, tudo fica mais leve!