"O Mago das Mentiras”: um retrato brutal de Bernie Madoff
Em atuação impecável, Robert De Niro vive um dos maiores picaretas da história de Wall Street em um filme eletrizante, apesar de tratar de um tema árido
Publicado em 19 de maio de 2017 às, 06h00.
Última atualização em 19 de maio de 2017 às, 06h00.
2008 ficará marcado como um dos anos mais cruéis da história do mercado financeiro. Além de representar o início da pior crise econômica das últimas décadas, foi, ainda, o ano em que uma das maiores e mais longas fraudes financeiras já vistas foi desmascarada.
E ela veio da onde menos se esperava: Bernie Madoff, um dos investidores mais admirados de uma Wall Street ainda pouco impactada por escândalos.
Essa história que traumatizou os Estados Unidos virou livro pela jornalista Diana B. Henriques, do The New York Times, e é agora adaptada em filme pela HBO. Estrelado por Robert De Niro como Madoff e Michelle Pfeiffer no papel de sua esposa Ruth, “O Mago das Mentiras” estreia sábado (20), às 22 horas.
Madoff comandava a Bernard L. Madoff Investiments Securities LLC, que fundou na década de 60, e esteve envolvido na criação da Nasdaq, uma das bolsas de valores dos Estados Unidos. Graças ao acesso a autoridades do mercado financeiro, circulava na nata da sociedade nova-iorquina e usava o carisma para atrair investidores, simulando uma aura irresistível de exclusividade.
Quem conseguia investir com Madoff tornava-se parte de um seleto grupo a quem eram prometidos retornos milagrosos. Rendimentos tão maravilhosos que, na verdade, não passavam do velho esquema de pirâmide financeira. O dinheiro dos novos investidores era usado para bancar o resgate dos mais antigos.
Com a pressão da crise financeira, era uma questão de tempo até que esse frágil castelo de cartas ruísse. E ruiu em dezembro daquele fatídico ano: Madoff foi preso, sentenciado a 150 anos em uma cadeia de segurança máxima, sua família foi perseguida (e destruída) e seus clientes terminaram arruinados. Uma mentira de 60 bilhões de dólares e cerca de duas décadas.
Embora o esquema que possibilitou a fraude não seja abordado em profundidade, o filme dirigido por Barry Levinson consegue mostrar o quão surpreendente e cruel esse episódio foi para todos os envolvidos, entre autoridades, funcionários, familiares e vítimas.
Em momento algum “O Mago das Mentiras” se propõe a humanizar ou fazer com que o espectador tenha empatia quanto ao protagonista e suas razões, o que considero um mérito importante. Isso só deixa ainda mais instigante o retrato da personalidade de Madoff que Levinson consegue compor com De Niro.
O ator, que é um democrata convicto, está impecável e parece ter absorvido plenamente a essência desse magnata de Wall Street: alguém obcecado pelo controle, que ignorava o caos que traria para sua família e que parecia não dar a mínima para o tamanho do rombo que causaria na vida de milhares de pessoas.
Como a leal Ruth, Michelle Pfeiffer retorna às telonas em grande estilo. Vale destacar ainda Alessandro Nivola, que conduz com sensibilidade a sua atuação como Mark, o filho mais velho de Madoff e aquele que parece ter sido o mais profundamente afetado pelas fraudes do pai.
Transformar um filme sobre mercado financeiro, assunto espinhoso, em um thriller eletrizante é algo complexo, mas, em “O Mago das Mentiras”, as sensações de inquietude e constrangimento são frequentes, especialmente por conta dos questionamentos inevitáveis que o filme traz. O mais importante deles: como é que ninguém viu esse tsunami chegar?