Vão fechar o WhatsApp no Brasil
Instaurou-se uma queda de braços entre o WhatsApp e a comunidade jurídica brasileira. Não são apenas os pedidos de bloqueio do serviço feitos por juízes de primeira instância, que já somam quatro nos últimos doze meses. A rejeição da última tentativa feita diretamente pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, com o argumento de violação do […]
Da Redação
Publicado em 4 de agosto de 2016 às 11h28.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.
Instaurou-se uma queda de braços entre o WhatsApp e a comunidade jurídica brasileira. Não são apenas os pedidos de bloqueio do serviço feitos por juízes de primeira instância, que já somam quatro nos últimos doze meses.
A rejeição da última tentativa feita diretamente pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, com o argumento de violação do direito de liberdade de expressão, deve arrefecer um pouco as próximas investidas. Mas está claro que essa guerra não acabou.
O Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Procuradores divulgaram nota técnica no último dia 28 de julho alegando que a falta de cooperação de empresas estrangeiras, como o Facebook, em investigações criminais torna o serviço inadequado para o país. Baseiam-se no novo Marco Civil da Internet para chegar a essa conclusão.
Ressaltam que o bloqueio judicial temporário é legal, embora deva ser considerado em último caso após tentativas de advertências e multas. Sinal de que novos pedidos de suspender o serviço poderão acontecer.
Além disso, a Justiça Federal do Amazonas requereu o bloqueio de 38 milhões de reais da conta do Facebook alegando que a empresa não liberou informações do WhatsApp e do próprio Facebook para uma investigação da Polícia Federal que corre em sigilo.
Não é só o Judiciário que está explicitando o descontentamento com o serviço e o seu dono. Em um artigo intitulado “O que é isso, WhatsApp?” publicado na revista VEJA de 27 de julho, dois iminentes professores de Direito Digital reclamaram: “É de se lamentar que o WhatsApp se mantenha firme em sua postura rígida e inflexível de não colaborar com a justiça brasileira”. Embora aplaudam o propósito do aplicativo de garantir a todos os seus usuários segurança e privacidade, concluem que “a empresa não está acima da soberania do Estado” e que “em casos excepcionais, ela pode ceder espaço a outros direitos importantes e protegidos, como o combate à criminalidade”.
Afirmações impossíveis de rebater ou discordar se consideradas genericamente. Mas como se diz popularmente, o diabo está nos detalhes que tornam incompatíveis os dois lados dessa equação.
O WhatsApp é estruturado em uma arquitetura técnica com duas características principais. Primeira: não guarda nenhum conteúdo das mensagens. Quem pode decidir arquivar é o próprio usuário, se quiser. Segunda: decidiu recentemente criptografar toda a comunicação de ponta a ponta. Isso significa que nem os engenheiros da companhia podem acessar o que foi transmitido entre dois ou mais usuários. Em suma, não dá para grampear o WhatsApp.
O que querem as autoridades brasileiras, e pelo jeito também os juristas, é que a empresa concorde em suspender a criptografia quando houver uma decisão judicial. A companhia se recusa, como a Apple se recusou, a mudar o seu sistema operacional para que o FBI desbloqueasse o celular de um terrorista de San Bernardino. Similarmente, os iPhones são criptografados e parte da chave é formada pelo código que usamos para abrir o aparelho. Sem esse código, nem a Apple consegue ter acesso ao conteúdo.
Explicando melhor, se as autoridades brasileiras quiserem conhecer o conteúdo de mensagens de WhatsApp que estejam em um iPhone e não tenham a senha, não conseguirão mesmo com o iPhone em mãos.
A conclusão do caso FBI versus Apple é conhecido. Um hacker conseguiu quebrar a criptografia uma vez que a Apple não concordava em fazê-lo, e seguia defendendo sua posição na justiça. Dizem que as versões seguintes do sistema operacional vieram com proteção reforçada — o que tornaria a missão do FBI mais difícil em situações futuras.
Seu principal argumento na voz de seu CEO, Tim Cook: “Se a Apple for forçada a reformular a engenharia de seus produtos (para permitir o acesso), vai abrir uma caixa de Pandora que poderia dar ao governo um poder exagerado sobre como o Vale do Silício faz os seus produtos”.
E estamos falando do governo americano, uma democracia consolidada. Imaginemos outros países onde o poder seja exercido de maneira mais discricionária. Imaginemos também o poder de juízes ou autoridades de primeira instância decidindo sobre casos em que culpabilidade não é clara ou que envolvam interesses privados duvidosos.
Muita gente considera empresas como Facebook, Google e Apple arrogantes e que muitas vezes tendem a desconsiderar as regras e leis dos países em que atuam. Certamente há exemplos que justifiquem essa imagem.
Mas, este é um caso em que a arrogância ou a teimosia tem sentido. Estão em jogo princípios de proteção e privacidade do individuo que são essenciais em regimes democráticos. É, porém, um tema polêmico que está longe de um consenso. No caso de San Bernardino, pesquisas populares ficaram divididas com pequena vantagem para o lado da FBI. Imagino que no caso do Brasil aconteceria a mesma coisa.
Se fôssemos a China, onde soluções nascidas no Vale do Silício perdem feio para as tecnologias locais, a situação seria mais fácil de resolver, uma vez que o governo controla rigidamente seus empreendedores. Como no Brasil, assim como em boa parte do mundo ocidental, plataformas como o WhatsApp são dominantes, teremos que conviver com essa disputa.
Nossas investigações sempre fizeram uso intensivo do grampo telefônico. Como as mensagens do WhatsApp estão substituindo progressivamente as conversas telefônicas e não podem ser grampeadas sem que a criptografia seja retirada, a queda de braço vai continuar. Não percam as cenas dos próximos capítulos. O final pode não ser feliz.
Instaurou-se uma queda de braços entre o WhatsApp e a comunidade jurídica brasileira. Não são apenas os pedidos de bloqueio do serviço feitos por juízes de primeira instância, que já somam quatro nos últimos doze meses.
A rejeição da última tentativa feita diretamente pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, com o argumento de violação do direito de liberdade de expressão, deve arrefecer um pouco as próximas investidas. Mas está claro que essa guerra não acabou.
O Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Procuradores divulgaram nota técnica no último dia 28 de julho alegando que a falta de cooperação de empresas estrangeiras, como o Facebook, em investigações criminais torna o serviço inadequado para o país. Baseiam-se no novo Marco Civil da Internet para chegar a essa conclusão.
Ressaltam que o bloqueio judicial temporário é legal, embora deva ser considerado em último caso após tentativas de advertências e multas. Sinal de que novos pedidos de suspender o serviço poderão acontecer.
Além disso, a Justiça Federal do Amazonas requereu o bloqueio de 38 milhões de reais da conta do Facebook alegando que a empresa não liberou informações do WhatsApp e do próprio Facebook para uma investigação da Polícia Federal que corre em sigilo.
Não é só o Judiciário que está explicitando o descontentamento com o serviço e o seu dono. Em um artigo intitulado “O que é isso, WhatsApp?” publicado na revista VEJA de 27 de julho, dois iminentes professores de Direito Digital reclamaram: “É de se lamentar que o WhatsApp se mantenha firme em sua postura rígida e inflexível de não colaborar com a justiça brasileira”. Embora aplaudam o propósito do aplicativo de garantir a todos os seus usuários segurança e privacidade, concluem que “a empresa não está acima da soberania do Estado” e que “em casos excepcionais, ela pode ceder espaço a outros direitos importantes e protegidos, como o combate à criminalidade”.
Afirmações impossíveis de rebater ou discordar se consideradas genericamente. Mas como se diz popularmente, o diabo está nos detalhes que tornam incompatíveis os dois lados dessa equação.
O WhatsApp é estruturado em uma arquitetura técnica com duas características principais. Primeira: não guarda nenhum conteúdo das mensagens. Quem pode decidir arquivar é o próprio usuário, se quiser. Segunda: decidiu recentemente criptografar toda a comunicação de ponta a ponta. Isso significa que nem os engenheiros da companhia podem acessar o que foi transmitido entre dois ou mais usuários. Em suma, não dá para grampear o WhatsApp.
O que querem as autoridades brasileiras, e pelo jeito também os juristas, é que a empresa concorde em suspender a criptografia quando houver uma decisão judicial. A companhia se recusa, como a Apple se recusou, a mudar o seu sistema operacional para que o FBI desbloqueasse o celular de um terrorista de San Bernardino. Similarmente, os iPhones são criptografados e parte da chave é formada pelo código que usamos para abrir o aparelho. Sem esse código, nem a Apple consegue ter acesso ao conteúdo.
Explicando melhor, se as autoridades brasileiras quiserem conhecer o conteúdo de mensagens de WhatsApp que estejam em um iPhone e não tenham a senha, não conseguirão mesmo com o iPhone em mãos.
A conclusão do caso FBI versus Apple é conhecido. Um hacker conseguiu quebrar a criptografia uma vez que a Apple não concordava em fazê-lo, e seguia defendendo sua posição na justiça. Dizem que as versões seguintes do sistema operacional vieram com proteção reforçada — o que tornaria a missão do FBI mais difícil em situações futuras.
Seu principal argumento na voz de seu CEO, Tim Cook: “Se a Apple for forçada a reformular a engenharia de seus produtos (para permitir o acesso), vai abrir uma caixa de Pandora que poderia dar ao governo um poder exagerado sobre como o Vale do Silício faz os seus produtos”.
E estamos falando do governo americano, uma democracia consolidada. Imaginemos outros países onde o poder seja exercido de maneira mais discricionária. Imaginemos também o poder de juízes ou autoridades de primeira instância decidindo sobre casos em que culpabilidade não é clara ou que envolvam interesses privados duvidosos.
Muita gente considera empresas como Facebook, Google e Apple arrogantes e que muitas vezes tendem a desconsiderar as regras e leis dos países em que atuam. Certamente há exemplos que justifiquem essa imagem.
Mas, este é um caso em que a arrogância ou a teimosia tem sentido. Estão em jogo princípios de proteção e privacidade do individuo que são essenciais em regimes democráticos. É, porém, um tema polêmico que está longe de um consenso. No caso de San Bernardino, pesquisas populares ficaram divididas com pequena vantagem para o lado da FBI. Imagino que no caso do Brasil aconteceria a mesma coisa.
Se fôssemos a China, onde soluções nascidas no Vale do Silício perdem feio para as tecnologias locais, a situação seria mais fácil de resolver, uma vez que o governo controla rigidamente seus empreendedores. Como no Brasil, assim como em boa parte do mundo ocidental, plataformas como o WhatsApp são dominantes, teremos que conviver com essa disputa.
Nossas investigações sempre fizeram uso intensivo do grampo telefônico. Como as mensagens do WhatsApp estão substituindo progressivamente as conversas telefônicas e não podem ser grampeadas sem que a criptografia seja retirada, a queda de braço vai continuar. Não percam as cenas dos próximos capítulos. O final pode não ser feliz.