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Um método científico para liderar pessoas

Com a evolução da neurociência, começaram a surgir vários estudos sobre o comportamento humano em sociedade. Um livro lançado, no início deste ano, analisa o efeito no nosso cérebro das experiências vividas em ambientes de trabalho. O livro, ainda não disponível em português, chama-se “Trust Factor – The Science of Creating High-Performance Companies”. O Autor […]

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Silvio Genesini

Publicado em 15 de setembro de 2017 às, 12h02.

Com a evolução da neurociência, começaram a surgir vários estudos sobre o comportamento humano em sociedade. Um livro lançado, no início deste ano, analisa o efeito no nosso cérebro das experiências vividas em ambientes de trabalho.

O livro, ainda não disponível em português, chama-se “Trust Factor – The Science of Creating High-Performance Companies”. O Autor é Paul J. Zak, diretor do centro para estudos neuroeconômicos da Universidade de Claremont na California.

Zak conduziu experimentos, desde 2000, que concluíram que o cérebro sintetiza um hormônio chamado ocitocina quando há um espirito de confiança em grupos de profissionais que trabalham juntos. Como resultado da descoberta o autor apelidou a ocitocina de “a molécula moral”.

Resumindo em poucas palavras, a tese é que se há confiança em um ambiente, os indivíduos produzem mais ocitocina que faz com eles confiem mais em seus colegas, criando assim um círculo virtuoso de credibilidade mutua. A conclusão é que organizações com alta performance têm culturas com confiança interpessoal elevada e empregados altamente motivados.

A seguir um resumo nas palavras do autor. “Pense na ocitocina como a base biológica para a seguinte regra de ouro: Se você me trata bem, meu cérebro produz ocitocina, sinalizando que você é uma pessoa que eu quero ter por perto, então eu te trato bem de volta”

A partir desta descoberta Zak propõe uma “neurociência da cultura organizacional” e defende que gerenciar pessoas, que sempre foi considerada uma arte, é, na verdade, uma ciência.

O curioso é que a ocitocina é um hormônio “feminino” associado à amamentação e usado para facilitar o parto. O seu grande inibidor é a testosterona que, como sabemos, é mais produzido pelos homens. Os estudos feitos pelo autor mostram que os homens com quantidades altas de testosterona tendem a ser egoístas, autoritários e autossuficientes. Zak diz que os indivíduos menos empáticos do planeta são os jovens do sexo masculino, devido à alta dose de testosterona.

A partir daí Zak propõe uma série de recomendações para se estabelecer uma cultura de confiança e alta performance. Usa as iniciais de OXYTOCIN (nome do químico em inglês) para seus mantras que são Ovation, eXpectation, Yeld, Transfer, Openness, Caring, Invest and Natural, todos quase óbvios mesmo na língua original. Se a impressão é de um livro de autoajuda empresarial, a emenda é melhor que o soneto e muitas das recomendações são decentes e até atualizadas, diria eu. Afinal, quem não gostaria de criar uma cultura de confiança em sua organização?

Uma das questões discutidas no livro e tema da reportagem “A Ciência da Produtividade” da revista EXAME de 30/8 é a mudança dos sistemas de avaliação de performance. O artigo cita o livro de Zak e David Rock, um outro neurocientista, para desconstruir os processos de feed-back anuais baseados em notas, rankings e curvas forçadas.

Efetivamente, empresas como Accenture, IBM e Microsoft estão mudando drasticamente seus sistemas, tornando-os muito mais flexíveis e menos quantitativos. A GE, em especial, inovou radicalmente, permitindo que todos avaliassem todos a qualquer tempo.

A argumentação dos neurocientistas é que os modelos de gestão de desempenho aumentam a sensação de ameaça e insegurança dos profissionais, prejudicando a manutenção de um ambiente de confiança.

O que a teoria desconhece é que o mundo mudou e com ele as pessoas que habitam este mundo. A avaliação periódica e quantitativa não funciona mais porque as novas gerações não têm mais como prioridade desenvolver carreiras de longo prazo. Elas não suportam esperar, não porque odeiam incertezas, mas, justo ao contrário: elas têm certezas, firmes e fortes, mas temporárias. Querem ter muito mais experiencias e vivencias em tempos acelerados.

Também não é missão das culturas empresariais proteger seus integrantes de ameaças e incertezas. O principal objetivo deve ser prepará-los para conviver com o risco e o imprevisível. Assim é o mundo atual: cheio de surpresas. Quanto menos frágil for a organização e seus integrantes mais ela estará preparada para brilhar em um mundo de disrupção vertiginosa.

O autor também embarca em uma tendência atual: trocar nomes. Diz que empregado, recursos humanos e mesmo talento são nomes inadequados. Sugere que chamemos todos os profissionais de colegas. Soa, obviamente, como um eufemismo. Mesmo nesta época de organizações menos hierárquicas e descentralizadas seria o mesmo que inferir que não há mais líderes e liderados. Os novos tempos estão em busca de um novo líder – sensível, ético, inspirador e destemido – não da sua eliminação.

Também me pergunto que nível de resiliência teria uma organização impregnada de ocitocina – por mais que a ideia de um ambiente assim possa parecer confortável – para competir com startups de jovens agressivos cheios de testosterona. Talvez fosse razoável pensar que a melhor cultura seria aquela que tivesse doses equivalentes de ambos os hormônios.

Mais recentemente, alguns outros neurocientistas passaram a criticar a tese de Zak. Argumentam que a Ocitocina pode acarretar reações contrarias à prevista, como o contentamento com o fracasso de outros. Seria uma espécie de “molécula amoral”.

A realidade é que estamos muito longe de conseguir enquadrar em fórmulas químicas a incompletude, a impermanência e a transitoriedade desta bela e rara espécime de ser vivo que somos nós.

Pode ser que um dia a ciência chegue lá e que, entre uma reunião e outra, analisemos nosso sangue para ver se o nível de ocitocina – ou qualquer outro hormônio – aumentou. Pode ser também que comecemos a tomar o produto como medicamento (já disponível nas farmácias) para melhorar a cultura de confiança e desempenho de nossas organizações.

Pode ser, ainda, que quando tenhamos eletrodos implantados em nosso cérebro possamos medir em tempo real o nível de ocitocina, testosterona e demais hormônios que assegurem nossa aderência à cultura organizacional desejada.

Desconfio, porém, que mesmo neste instante futuro nós – líderes e liderados – vamos continuar deliciosa e assustadoramente imprevisíveis e imperfeitos e que liderar vai continuar sendo muito mais uma arte que uma ciência. Assim é e assim seja.