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Orlando, Brexit e o mundo de Ali

Este mês de junho de 2016, que mais parece um agosto, foi marcado por três acontecimentos que ficarão para a história. No dia 3 morreu Muhammad Ali, no dia 12 um atirador matou 49 pessoas em uma boate gay em Orlando, e no dia 16 um jardineiro matou a facadas e tiros a deputada do […]

MUHAMMAD ALI: os recentes casos de intolerância vão contra a luta de Ali pela igualdade / Kent Gavin / Getty Images
DR

Da Redação

Publicado em 22 de junho de 2016 às 10h57.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h23.

Este mês de junho de 2016, que mais parece um agosto, foi marcado por três acontecimentos que ficarão para a história. No dia 3 morreu Muhammad Ali, no dia 12 um atirador matou 49 pessoas em uma boate gay em Orlando, e no dia 16 um jardineiro matou a facadas e tiros a deputada do parlamento inglês Jo Cox.

Os dois atentados têm similaridades. Omar Mateen era um homofóbico, apesar de ter frequentado o lugar anteriormente e da desconfiança de que ele próprio era gay. No meio da ação, ligou para a poícia e disse que atuava em nome do Estado Islâmico.

Thomas Mair é suspeito de insanidade mental, mas teria gritado “Britain first” (Reino Unido em primeiro), lema do partido homônimo e uma das organizações de extrema direita favoráveis ao Brexit — ou seja, a favor da saída do Reino Unido da União Europeia.

No caso de Orlando, Donaldo Trump apressou-se em reforçar sua tese de que imigrantes islâmicos deveriam ser impedidos de entrar nos Estados Unidos, e de que o país deveria ser muito mais duro com os suspeitos de terrorismo.

Na Inglaterra, o assassino e os defensores do Brexit querem também fechar as fronteiras e controlar a imigração com o mesmo argumento de Trump de proteção de empregos. Jo defendia os imigrantes e a diversidade.

Como se pode ver, a mesma face da mesma moeda. Caro leitor, que chegou até aqui, está se perguntando o que teria Muhammad Ali a ver com isso, além de ter morrido no mesmo mês. Tem tudo a ver. Foi um dos principais artífices do mundo de tolerância e diversidade que conhecemos hoje.

Ali ganhou o título mundial em 1964. Um dia depois, anunciou sua adesão ao islamismo e que não se chamaria mais Cassius Clay. Em 1966, recusou o alistamento militar para a guerra do Vietnam (“não tenho nada contra os vietcongues”). Foi condenado a cinco anos de prisão, e perdeu o cinturão. No período em que ficou afastado, transformou-se em líder na defesa das liberdades civis e do fim da segregação. Influenciou Martin Luther King, que o citou publicamente um ano depois como mostra o belo artigo de Fábio Altman na revista VEJA de 15 de junho: “Como Muhammad Ali diz, somos todos — negros e pardos e pobres — vitimas do mesmo sistema de repressão”.

A década de 60 do século XX foi um período de transformação aguda. Não produziu a revolução política que muitos esperavam, mas foi responsável por uma ruptura definitiva no comportamento, no sexo, na emancipação das mulheres, negros e homossexuais, na aceitação da diversidade e nas liberdades individuais. O mundo nunca mais seria o mesmo, e Ali foi um protagonista dessa ruptura.

Embora estejamos longe de uma situação perfeita, a tolerância e a diversidade passaram a fazer parte de nosso mundo político, corporativo, e de nossas relações interpessoais. O capitalismo moderno incorporou essas novas atitudes aos seus produtos e serviços, e boa parte do planeta ficou mais aberta e inclusiva.

O mundo que Ali sonhou, e pelo qual lutou, se tornou realidade. Esse é o mundo que estamos correndo o risco de perder.

Pode-se questionar se o atirador de Orlando era um gay enrustido e recalcado, ou um terrorista a serviço do islamismo radical. Pode-se também indagar se o assassino da Inglaterra era louco ou extremista neonazista.

Mas, quando os Estados Unidos ameaçam construir muros físicos ou virtuais, quando enxergamos todos os muçulmanos como inimigos, quando a Europa começa a fechar suas fronteiras, quando partidos xenófobos e racistas chegam cada vez mais perto do poder, quando a diversidade diminui e a intolerância cresce, o mundo de Ali fica mais distante.

silvio-genesini

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Este mês de junho de 2016, que mais parece um agosto, foi marcado por três acontecimentos que ficarão para a história. No dia 3 morreu Muhammad Ali, no dia 12 um atirador matou 49 pessoas em uma boate gay em Orlando, e no dia 16 um jardineiro matou a facadas e tiros a deputada do parlamento inglês Jo Cox.

Os dois atentados têm similaridades. Omar Mateen era um homofóbico, apesar de ter frequentado o lugar anteriormente e da desconfiança de que ele próprio era gay. No meio da ação, ligou para a poícia e disse que atuava em nome do Estado Islâmico.

Thomas Mair é suspeito de insanidade mental, mas teria gritado “Britain first” (Reino Unido em primeiro), lema do partido homônimo e uma das organizações de extrema direita favoráveis ao Brexit — ou seja, a favor da saída do Reino Unido da União Europeia.

No caso de Orlando, Donaldo Trump apressou-se em reforçar sua tese de que imigrantes islâmicos deveriam ser impedidos de entrar nos Estados Unidos, e de que o país deveria ser muito mais duro com os suspeitos de terrorismo.

Na Inglaterra, o assassino e os defensores do Brexit querem também fechar as fronteiras e controlar a imigração com o mesmo argumento de Trump de proteção de empregos. Jo defendia os imigrantes e a diversidade.

Como se pode ver, a mesma face da mesma moeda. Caro leitor, que chegou até aqui, está se perguntando o que teria Muhammad Ali a ver com isso, além de ter morrido no mesmo mês. Tem tudo a ver. Foi um dos principais artífices do mundo de tolerância e diversidade que conhecemos hoje.

Ali ganhou o título mundial em 1964. Um dia depois, anunciou sua adesão ao islamismo e que não se chamaria mais Cassius Clay. Em 1966, recusou o alistamento militar para a guerra do Vietnam (“não tenho nada contra os vietcongues”). Foi condenado a cinco anos de prisão, e perdeu o cinturão. No período em que ficou afastado, transformou-se em líder na defesa das liberdades civis e do fim da segregação. Influenciou Martin Luther King, que o citou publicamente um ano depois como mostra o belo artigo de Fábio Altman na revista VEJA de 15 de junho: “Como Muhammad Ali diz, somos todos — negros e pardos e pobres — vitimas do mesmo sistema de repressão”.

A década de 60 do século XX foi um período de transformação aguda. Não produziu a revolução política que muitos esperavam, mas foi responsável por uma ruptura definitiva no comportamento, no sexo, na emancipação das mulheres, negros e homossexuais, na aceitação da diversidade e nas liberdades individuais. O mundo nunca mais seria o mesmo, e Ali foi um protagonista dessa ruptura.

Embora estejamos longe de uma situação perfeita, a tolerância e a diversidade passaram a fazer parte de nosso mundo político, corporativo, e de nossas relações interpessoais. O capitalismo moderno incorporou essas novas atitudes aos seus produtos e serviços, e boa parte do planeta ficou mais aberta e inclusiva.

O mundo que Ali sonhou, e pelo qual lutou, se tornou realidade. Esse é o mundo que estamos correndo o risco de perder.

Pode-se questionar se o atirador de Orlando era um gay enrustido e recalcado, ou um terrorista a serviço do islamismo radical. Pode-se também indagar se o assassino da Inglaterra era louco ou extremista neonazista.

Mas, quando os Estados Unidos ameaçam construir muros físicos ou virtuais, quando enxergamos todos os muçulmanos como inimigos, quando a Europa começa a fechar suas fronteiras, quando partidos xenófobos e racistas chegam cada vez mais perto do poder, quando a diversidade diminui e a intolerância cresce, o mundo de Ali fica mais distante.

silvio-genesini

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