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O Uber não precisa de defesa, e sim de concorrência

Sempre que estou com meus amigos de tecnologia ou em eventos do setor e aparece o assunto “Uber versus taxis”, todos invariavelmente se posicionam a favor do aplicativo. Fazem isso, muitas vezes, de maneira eloquente e agressiva, defendendo o Uber como uma inovação revolucionária e atacando todos aqueles — o poder público em especial — […]

UBER: projeto de lei pode inviabilizar os aplicativos de transporte de passageiros no Brasil  / Quique Garcia / Getty Images
UBER: projeto de lei pode inviabilizar os aplicativos de transporte de passageiros no Brasil / Quique Garcia / Getty Images
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Silvio Genesini

Publicado em 25 de maio de 2016 às, 13h09.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h59.

Sempre que estou com meus amigos de tecnologia ou em eventos do setor e aparece o assunto “Uber versus taxis”, todos invariavelmente se posicionam a favor do aplicativo. Fazem isso, muitas vezes, de maneira eloquente e agressiva, defendendo o Uber como uma inovação revolucionária e atacando todos aqueles — o poder público em especial — que querem proibi-lo ou controlá-lo. Também atacam os taxistas como uma gente atrasada que quer parar o progresso.

Quando isso acontece, eu evito participar e fico prestando atenção nos argumentos que se repetem como se fossem verdades absolutas. Não demora muito e pedem minha opinião. Quando digo que o Uber não precisa de defesa, ficam irados e me acusam de trair a causa de um mundo melhor transformado pela tecnologia.

Explico aqui o que digo a eles — sem sucesso, diga-se a verdade.

O Uber é hoje a expressão máxima do que chamamos de inovação disruptiva — péssimo nome para o que foi conceituado pela primeira vez pelo economista Joseph Schumpeter antes da II Guerra Mundial. Ele cunhou a expressão “destruição criativa” como a essência do sistema capitalista. É justamente conhecido, até hoje, como o profeta da inovação.

Schumpeter não tinha a menor noção da radicalidade da sua ideia e do que ela se transformaria neste começo de século, com a aceleração das transformações tecnológicas e a possibilidade do crescimento exponencial de novos modelos de negócios, tornando os antigos rapidamente obsoletos.

O Uber se encaixa perfeitamente nesse conceito. É uma das estrelas da nova Economia Compartilhada, em que a combinação do uso de capacidade excedente (os carros) transforma pessoas (motoristas) em pequenos empreendedores mediados por uma plataforma tecnológica que não precisa de ativos (comprar carros) para operar.

Argumento que o Uber é uma inevitabilidade, superior em seu modelo de negócios e na preferência do público. Prova disso são os 10 bilhões de dólares de aportes já conseguidos, sem nenhuma receita significativa que justifique o seu valor obsceno de mais de 60 bilhões de dólares. É o mais reluzente unicórnio (empresa de capital fechado com valor superior a um bilhão de dólares) do planeta.

Até aí todos concordam. Acrescento, porém, que é preciso prestar atenção também para o lado “destruidor” da iniciativa. Junto com a inovação vem a desconstrução e a desestruturação das estruturas existentes que, embora imperfeitas, mantêm laços sociais e econômicos que têm méritos e são um modo de vida para milhares de pessoas.

Embora totalmente injustificado no modo, a reação dos taxistas é válida e esperada. O poder público tem também o dever e a responsabilidade de agir como mediador. Afinal foi ele o criador e mantenedor do cartório de alvarás que tornou o sistema atual retrógrado e ineficiente.

Essa intervenção é, na maioria das vezes, atabalhoada, e vai na direção errada — como está acontecendo agora em São Paulo. Inventou-se um táxi preto que usa aplicativos, como se os atuais táxis já não fizessem uso dessa tecnologia via 99 Taxis, Easy Taxi e outros. Agora, para resolver o impasse da Câmara, foi editado um decreto que cobra um imposto de R$0,10, em média, por quilometro rodado de quem usa o sistema. O argumento é que essa é a forma de igualar os encargos dos taxistas com o Uber.

Ora, o poder público deveria sair progressivamente dessa intermediação onerosa e pensar em como facilitar a concorrência e o fortalecimento dos sistemas que usam os táxis, e realizar incentivos para que eles transformem aceleradamente seu modelo de negócios, sem os encargos e as proteções do sistema atual.

Cobrar por quilômetro rodado é uma maneira regressiva de intervenção que torna o serviço mais caro quando, na realidade, o seu objetivo é ser mais barato e eficiente. É o mesmo valor para o serviço simples como para o de luxo, e ninguém garante que os 10 centavos de hoje não se transformação em um valor muito maior no futuro quando a prefeitura precisar de dinheiro. Pode virar uma CPMF municipal.

O Uber começa a apresentar também vários problemas estruturais e de funcionamento que vão se aprofundar. Muitos motoristas reclamam que a frota cresceu demais, e que o preço, decidido unilateralmente, já não é suficiente para garantir uma renda mínima. Vários usuários reclamam da queda na qualidade do serviço. Eu mesmo tive uma experiência recente em Londres, onde o motorista descaradamente estava dando voltas para aumentar o valor recebido. Isso para não falar da relação complexa com os motoristas que, em muitos lugares do mundo, querem ser empregados com as proteções sociais garantidas.

Meus amigos não gostam muito dessas reflexões. Acham que é uma disrupção (também um palavrão), e que a própria tecnologia vai consertar o que não funciona.

Eu continuo achando que o Uber não precisa de defesa. Precisa de concorrência para não pensar e agir como monopolista e como a única alternativa no uso compartilhado de veículos nas nossas cidades.

silvio-genesini