O Facebook precisa não de menos, mas de mais jornalismo
As Fake News não se combatem com menos notícias, mas com mais informação de fontes diversas
Da Redação
Publicado em 19 de janeiro de 2018 às 09h17.
Como todos já sabemos, o Facebook anunciou uma mudança radical do que vamos ver no feed de notícias (News Feed) do serviço. A companhia vai priorizar conteúdos de amigos, famílias e grupos e reduzir as comunicações feitas por negócios, marcas e pela mídia. Com a mudança o próprio nome News Feed fica parecendo uma ironia ou um anacronismo.
Não foi uma surpresa. Já haviam declarações e rumores sobre o movimento. Houve também um teste prévio nos seguintes países: Bolívia, Eslovênia, Sri Lanka, Camboja, Guatemala e Sérvia. No teste foi experimentada uma nova seção chamada Explore que concentra todas as notícias. A ideia era a mesma: tirar o conteúdo das publicações do feed de notícias.
Os argumentos do comunicado são claros na redução da ênfase em notícias: “Algumas notícias ajudam a iniciar conversas sobre assuntos importantes, mas, frequentemente, assistir a vídeos e ler notícias são apenas experiências passivas”. Em uma tentativa de minimizar o impacto, Campbell Brown, responsável por parcerias com a mídia, afirmou: “Notícias continuam com prioridade alta para nós. Histórias e artigos compartilhados entre amigos não serão afetados”.
Embora não esteja nas justificativas, pouca gente tem dúvida qual é a razão real da decisão. Como é de conhecimento geral, a epidemia de Fake News e o seu possível impacto nos resultados da última eleição presidencial americana gerou uma onda incontrolável de indignação e responsabilização das principais plataformas tecnológicas, em especial Facebook, Google e Twitter.
Zuckerberg já havia reconhecido que tinha um problema para resolver e tomou para si a missão. Em um post na própria rede, no final de 2017, disse que sua prioridade para 2018 é consertar o Facebook. Admitiu que a plataforma “fez demasiados erros ao impedir o uso inadequado de suas ferramentas” e complementou: “O mundo está ansioso e dividido e o Facebook tem muito trabalho a fazer – seja para proteger nossa comunidade do abuso e do ódio ou garantindo que o tempo dedicado ao Facebook é bem aproveitado. Meu objetivo pessoal para 2018 é resolver estas questões importantes”. Avisou também que as mudanças deveriam afetar os resultados da empresa.
O comunicado da mudança vai por um outro caminho e diz que “pesquisas mostram que quando usamos as mídias sociais para nos relacionarmos com pessoas com as quais nos importamos é, em geral, bom para o nosso bem-estar. Nós nos sentimos mais conectados e menos solitários, o que tem influência em metas de longo prazo de felicidade e saúde”.
Concordemos que para uma companhia aberta em bolsa seria difícil fazer uma comunicação direta, atribuindo às notícias falsas a razão da mudança. Mas, como para bom entendedor, razões politicamente corretas bastam, a conclusão é evidente: há notícias boas e más, e como a rede amplifica mais as más do que as boas, vamos nos livrar de todas para tentar resolver o dilema.
Resta saber se o resultado será positivo. A empresa terá que demonstrar que não perderá significativamente sua audiência, nem seu faturamento com publicidade e, ao mesmo tempo, conseguir reduzir substancialmente o volume de desinformação proposital e manifestações de ódio em suas fronteiras.
Tenho dúvidas sobre a qualidade das premissas e a efetividade das mudanças. Em primeiro lugar, é discutível que os usuários queiram um ambiente que seja higienizado e asséptico. As populações da rede refletem o que somos na sociedade. A polarização e o ativismo que vemos nas ruas estão devidamente refletidos na plataforma. Não são todos, claro, mas é uma boa parte dos 2 bilhões de usuários ativos.
Muitos têm opiniões políticas, causas, propósitos e querem usar a militância digital para transformar o mundo. Não acho que alguém recusaria uma proposta que lhe prometesse felicidade, bem-estar e saúde, mas creio que uma boa maioria acha insuficiente ou improvável que o sentimento se estabelecesse sem que o mundo mudasse, de acordo com os sonhos de cada um.
O Twitter vive de suas polêmicas e os seus trending topics estão recheados de postagens controversas e das discussões que se seguem. O presidente Trump e suas postagens são um exemplo palpável do fenômeno. O Netflix cresceu sua audiência com produções próprias recheadas de dramas, tragédias e histórias tristes. A Amazon ganhou os seus primeiros Oscar com Manchester à Beira-Mar. Quem viu pode confirmar que a sensação do filme é tudo menos de bem-estar.
Também sou cético sobre se o efeito na criação e disseminação das Fake News vai ser relevante. A multiplicação dos “fatos alternativos” se dá por robôs – que estranhamente não receberam nenhuma citação na comunicação – e por grupos organizados de interesses que não vão desaparecer da rede da noite para o dia. Uma vez viralizado, o efeito é incontrolável e a adesão de usuários “normais” é inevitável. A onda se auto alimenta e cresce indefinidamente por um tempo, para depois cair repentinamente. É o que conhecemos por “efeito-rede”. Combustão espontânea ou provocada que se reproduz descontroladamente.
Não acho que o Facebook consiga mais desmontar esse prodígio sob pena de afetar significativamente sua receita de publicidade. Seu algoritmo foi otimizado para produzir o círculo virtuoso (ou vicioso) de crescimento constante de audiência com publicidade precisamente segmentada, suportada por dados de preferência e comportamento do público. Só quem tem 2 bilhões de usuários ativos pode se dar ao luxo de tal façanha.
Minha tese é que as Fake News se combatem não com menos notícias, mas com muito mais informação de fontes diversas: de direita, esquerda, liberais, conservadoras, progressistas, reacionárias, religiosas, laicas, sérias, humorísticas, etc.
Se tomarmos a mídia que conhecemos – jornais, revistas, TV aberta, cabo, sites de internet, blogs, tabloides – temos uma justa representação do que somos e do que queremos ser, e na média – ou talvez na maioria – uma quantidade imensa de boas e confiáveis informações. Se há algo ou alguém que pode ajudar a contrapor uma notícia falsa com fatos e análises é a própria mídia.
Não acredito que a grande maioria das Fake News possam ser classificadas simplesmente como falsas ou verdadeiras. O que pode reduzir o seu efeito deletério são análises e pontos de vista diversos e bem fundamentados. Não há pessoa ou instituição que faça isso com mais autoridade e mérito do que o bom – e mesmo o médio e o medíocre – jornalismo. Portanto, a solução para o problema das Fake News e do Facebook não é menos, mas mais jornalismo.
Para os veículos tradicionais, especialmente nossos melhores jornais e revistas, que sempre tiveram uma relação de amor e ódio com o Facebook, a notícia é mais um “wake-up call”. Não há futuro viável, nem modelo de negócios sustentável, que não seja financiado diretamente por aqueles que têm o maior interesse na sobrevivência de um jornalismo de qualidade, livre e independente: nós os leitores.
Como todos já sabemos, o Facebook anunciou uma mudança radical do que vamos ver no feed de notícias (News Feed) do serviço. A companhia vai priorizar conteúdos de amigos, famílias e grupos e reduzir as comunicações feitas por negócios, marcas e pela mídia. Com a mudança o próprio nome News Feed fica parecendo uma ironia ou um anacronismo.
Não foi uma surpresa. Já haviam declarações e rumores sobre o movimento. Houve também um teste prévio nos seguintes países: Bolívia, Eslovênia, Sri Lanka, Camboja, Guatemala e Sérvia. No teste foi experimentada uma nova seção chamada Explore que concentra todas as notícias. A ideia era a mesma: tirar o conteúdo das publicações do feed de notícias.
Os argumentos do comunicado são claros na redução da ênfase em notícias: “Algumas notícias ajudam a iniciar conversas sobre assuntos importantes, mas, frequentemente, assistir a vídeos e ler notícias são apenas experiências passivas”. Em uma tentativa de minimizar o impacto, Campbell Brown, responsável por parcerias com a mídia, afirmou: “Notícias continuam com prioridade alta para nós. Histórias e artigos compartilhados entre amigos não serão afetados”.
Embora não esteja nas justificativas, pouca gente tem dúvida qual é a razão real da decisão. Como é de conhecimento geral, a epidemia de Fake News e o seu possível impacto nos resultados da última eleição presidencial americana gerou uma onda incontrolável de indignação e responsabilização das principais plataformas tecnológicas, em especial Facebook, Google e Twitter.
Zuckerberg já havia reconhecido que tinha um problema para resolver e tomou para si a missão. Em um post na própria rede, no final de 2017, disse que sua prioridade para 2018 é consertar o Facebook. Admitiu que a plataforma “fez demasiados erros ao impedir o uso inadequado de suas ferramentas” e complementou: “O mundo está ansioso e dividido e o Facebook tem muito trabalho a fazer – seja para proteger nossa comunidade do abuso e do ódio ou garantindo que o tempo dedicado ao Facebook é bem aproveitado. Meu objetivo pessoal para 2018 é resolver estas questões importantes”. Avisou também que as mudanças deveriam afetar os resultados da empresa.
O comunicado da mudança vai por um outro caminho e diz que “pesquisas mostram que quando usamos as mídias sociais para nos relacionarmos com pessoas com as quais nos importamos é, em geral, bom para o nosso bem-estar. Nós nos sentimos mais conectados e menos solitários, o que tem influência em metas de longo prazo de felicidade e saúde”.
Concordemos que para uma companhia aberta em bolsa seria difícil fazer uma comunicação direta, atribuindo às notícias falsas a razão da mudança. Mas, como para bom entendedor, razões politicamente corretas bastam, a conclusão é evidente: há notícias boas e más, e como a rede amplifica mais as más do que as boas, vamos nos livrar de todas para tentar resolver o dilema.
Resta saber se o resultado será positivo. A empresa terá que demonstrar que não perderá significativamente sua audiência, nem seu faturamento com publicidade e, ao mesmo tempo, conseguir reduzir substancialmente o volume de desinformação proposital e manifestações de ódio em suas fronteiras.
Tenho dúvidas sobre a qualidade das premissas e a efetividade das mudanças. Em primeiro lugar, é discutível que os usuários queiram um ambiente que seja higienizado e asséptico. As populações da rede refletem o que somos na sociedade. A polarização e o ativismo que vemos nas ruas estão devidamente refletidos na plataforma. Não são todos, claro, mas é uma boa parte dos 2 bilhões de usuários ativos.
Muitos têm opiniões políticas, causas, propósitos e querem usar a militância digital para transformar o mundo. Não acho que alguém recusaria uma proposta que lhe prometesse felicidade, bem-estar e saúde, mas creio que uma boa maioria acha insuficiente ou improvável que o sentimento se estabelecesse sem que o mundo mudasse, de acordo com os sonhos de cada um.
O Twitter vive de suas polêmicas e os seus trending topics estão recheados de postagens controversas e das discussões que se seguem. O presidente Trump e suas postagens são um exemplo palpável do fenômeno. O Netflix cresceu sua audiência com produções próprias recheadas de dramas, tragédias e histórias tristes. A Amazon ganhou os seus primeiros Oscar com Manchester à Beira-Mar. Quem viu pode confirmar que a sensação do filme é tudo menos de bem-estar.
Também sou cético sobre se o efeito na criação e disseminação das Fake News vai ser relevante. A multiplicação dos “fatos alternativos” se dá por robôs – que estranhamente não receberam nenhuma citação na comunicação – e por grupos organizados de interesses que não vão desaparecer da rede da noite para o dia. Uma vez viralizado, o efeito é incontrolável e a adesão de usuários “normais” é inevitável. A onda se auto alimenta e cresce indefinidamente por um tempo, para depois cair repentinamente. É o que conhecemos por “efeito-rede”. Combustão espontânea ou provocada que se reproduz descontroladamente.
Não acho que o Facebook consiga mais desmontar esse prodígio sob pena de afetar significativamente sua receita de publicidade. Seu algoritmo foi otimizado para produzir o círculo virtuoso (ou vicioso) de crescimento constante de audiência com publicidade precisamente segmentada, suportada por dados de preferência e comportamento do público. Só quem tem 2 bilhões de usuários ativos pode se dar ao luxo de tal façanha.
Minha tese é que as Fake News se combatem não com menos notícias, mas com muito mais informação de fontes diversas: de direita, esquerda, liberais, conservadoras, progressistas, reacionárias, religiosas, laicas, sérias, humorísticas, etc.
Se tomarmos a mídia que conhecemos – jornais, revistas, TV aberta, cabo, sites de internet, blogs, tabloides – temos uma justa representação do que somos e do que queremos ser, e na média – ou talvez na maioria – uma quantidade imensa de boas e confiáveis informações. Se há algo ou alguém que pode ajudar a contrapor uma notícia falsa com fatos e análises é a própria mídia.
Não acredito que a grande maioria das Fake News possam ser classificadas simplesmente como falsas ou verdadeiras. O que pode reduzir o seu efeito deletério são análises e pontos de vista diversos e bem fundamentados. Não há pessoa ou instituição que faça isso com mais autoridade e mérito do que o bom – e mesmo o médio e o medíocre – jornalismo. Portanto, a solução para o problema das Fake News e do Facebook não é menos, mas mais jornalismo.
Para os veículos tradicionais, especialmente nossos melhores jornais e revistas, que sempre tiveram uma relação de amor e ódio com o Facebook, a notícia é mais um “wake-up call”. Não há futuro viável, nem modelo de negócios sustentável, que não seja financiado diretamente por aqueles que têm o maior interesse na sobrevivência de um jornalismo de qualidade, livre e independente: nós os leitores.