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O estupro e a força da internet

O Brasil está em uma cruzada contra o estupro. O estopim do movimento não foi o crime, hoje nacionalmente conhecido, cometido contra uma jovem adolescente do Rio de Janeiro em 21 de maio. Foi a publicação nas redes sociais, pelos próprios bandidos, de um vídeo de 39 segundos três dias após o acontecimento. “Antes de […]

INTERNET: uma nova lei de Trump abre caminho para que empresas de telecomunicações disputem o bilionário mercado de publicidade digital / Andreas Rentz / Getty Images
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Da Redação

Publicado em 10 de junho de 2016 às 11h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h35.

O Brasil está em uma cruzada contra o estupro. O estopim do movimento não foi o crime, hoje nacionalmente conhecido, cometido contra uma jovem adolescente do Rio de Janeiro em 21 de maio. Foi a publicação nas redes sociais, pelos próprios bandidos, de um vídeo de 39 segundos três dias após o acontecimento.

“Antes de serem removidas, as imagens receberam 550 curtidas e inúmeras carinhas risonhas e sinais de positivo”, segundo reportagem da revista VEJA.

O que se seguiu é típico da capacidade do nosso mundo conectado em rede de produzir engajamento de um número exponencial de pessoas, em curto período de tempo. Não se sabe quem foram os primeiros ou, mais provavelmente, as primeiras a reagir. Fala-se de um grupo de mulheres, de ativistas do movimento feminino, mas, até hoje, as que iniciaram a reação continuam no anonimato. É bem possível que tenham sido muitas ao mesmo tempo e que, por isso, não seja possível nominá-las.

O fato é que o crescimento da comoção foi explosivo. Escorreu para as ruas, pautou a mídia tradicional e voltou ainda mais forte para a internet em uma avalanche que não poupou nenhum de nós. Deu também coragem para que a menor fosse finalmente à delegacia fazer a denúncia. A sorte estava lançada e nada, nem ninguém, conseguiria controlar o que se seguiria.

Ficamos sabendo que os casos de violência sexual no país podem passar de 500 mil, segundo uma pesquisa feita pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada). Feitas as contas são mais de 1300 por dia ou um a cada minuto, aproximadamente. Apenas 10%, menos de 50 mil, são efetivamente reportados.

É como se esses fatos não existissem antes, e um novo real, incomodante e asfixiante, se impusesse nas nossas vidas e não fosse mais possível seguir sem falar e se posicionar sobre essa nova realidade.

Com pressões de todos os lados, até da ONU, o Senado aprovou projeto de lei que amplia as penas para estupro coletivo e criminaliza a publicação de vídeos ou fotos que mostrem cenas de estupro, que, ironicamente, foi o fato que disparou toda essa onda de indignação coletiva.

O presidente interino da República, Michel Temer, anunciou a criação de um Núcleo da Proteção da Mulher ligado diretamente ao ministro da Justiça, e afirmou: “estamos assistindo a uma onda crescente de violência contra a mulher”.

Nada disso seria possível sem o efeito multiplicador das redes sociais. Como um rastilho de pólvora, a onda se espalhou com velocidade e força irresistíveis. Em tempos pré-internet é bem possível que o efeito fosse bem mais limitado.

Com todo esse efeito positivo e a esperança de resultados concretos em um tema tão relevante, é tentador pensar em usar a internet para outras causas igualmente nobres. Poderíamos, por exemplo, tentar convencer nossos legisladores a fazer a reforma política, que acabaria com o nosso presidencialismo corrupto de coalização.

Acontece que a internet não funciona como queremos. Ela é descentralizada, descoordenada e incontrolável. Nisso reside a sua beleza. Não há como controlar o seu processo de viralização. Quem já tentou se deu mal. Suas explosões são espontâneas e ilógicas.

Não é possível repetir o efeito do gesto narcisista pervertido do criminoso que publicou o vídeo, ainda que seja para gerar uma corrente do bem. Nem mesmo garantir que o atual engajamento permanecerá pelo tempo necessário para que uma mudança efetiva comece a acontecer. A internet é imprevisível e imponderável como os tempos atuais.

silvio-genesini

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O Brasil está em uma cruzada contra o estupro. O estopim do movimento não foi o crime, hoje nacionalmente conhecido, cometido contra uma jovem adolescente do Rio de Janeiro em 21 de maio. Foi a publicação nas redes sociais, pelos próprios bandidos, de um vídeo de 39 segundos três dias após o acontecimento.

“Antes de serem removidas, as imagens receberam 550 curtidas e inúmeras carinhas risonhas e sinais de positivo”, segundo reportagem da revista VEJA.

O que se seguiu é típico da capacidade do nosso mundo conectado em rede de produzir engajamento de um número exponencial de pessoas, em curto período de tempo. Não se sabe quem foram os primeiros ou, mais provavelmente, as primeiras a reagir. Fala-se de um grupo de mulheres, de ativistas do movimento feminino, mas, até hoje, as que iniciaram a reação continuam no anonimato. É bem possível que tenham sido muitas ao mesmo tempo e que, por isso, não seja possível nominá-las.

O fato é que o crescimento da comoção foi explosivo. Escorreu para as ruas, pautou a mídia tradicional e voltou ainda mais forte para a internet em uma avalanche que não poupou nenhum de nós. Deu também coragem para que a menor fosse finalmente à delegacia fazer a denúncia. A sorte estava lançada e nada, nem ninguém, conseguiria controlar o que se seguiria.

Ficamos sabendo que os casos de violência sexual no país podem passar de 500 mil, segundo uma pesquisa feita pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada). Feitas as contas são mais de 1300 por dia ou um a cada minuto, aproximadamente. Apenas 10%, menos de 50 mil, são efetivamente reportados.

É como se esses fatos não existissem antes, e um novo real, incomodante e asfixiante, se impusesse nas nossas vidas e não fosse mais possível seguir sem falar e se posicionar sobre essa nova realidade.

Com pressões de todos os lados, até da ONU, o Senado aprovou projeto de lei que amplia as penas para estupro coletivo e criminaliza a publicação de vídeos ou fotos que mostrem cenas de estupro, que, ironicamente, foi o fato que disparou toda essa onda de indignação coletiva.

O presidente interino da República, Michel Temer, anunciou a criação de um Núcleo da Proteção da Mulher ligado diretamente ao ministro da Justiça, e afirmou: “estamos assistindo a uma onda crescente de violência contra a mulher”.

Nada disso seria possível sem o efeito multiplicador das redes sociais. Como um rastilho de pólvora, a onda se espalhou com velocidade e força irresistíveis. Em tempos pré-internet é bem possível que o efeito fosse bem mais limitado.

Com todo esse efeito positivo e a esperança de resultados concretos em um tema tão relevante, é tentador pensar em usar a internet para outras causas igualmente nobres. Poderíamos, por exemplo, tentar convencer nossos legisladores a fazer a reforma política, que acabaria com o nosso presidencialismo corrupto de coalização.

Acontece que a internet não funciona como queremos. Ela é descentralizada, descoordenada e incontrolável. Nisso reside a sua beleza. Não há como controlar o seu processo de viralização. Quem já tentou se deu mal. Suas explosões são espontâneas e ilógicas.

Não é possível repetir o efeito do gesto narcisista pervertido do criminoso que publicou o vídeo, ainda que seja para gerar uma corrente do bem. Nem mesmo garantir que o atual engajamento permanecerá pelo tempo necessário para que uma mudança efetiva comece a acontecer. A internet é imprevisível e imponderável como os tempos atuais.

silvio-genesini

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