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Churchill, Musk e a força das narrativas

Empresas devem usar boas narrativas para reforçar papel em mundo melhor no futuro

"O Churchill dos tempos pós-modernos chama-se Elon Musk" (Danny Moloshok/Reuters)
"O Churchill dos tempos pós-modernos chama-se Elon Musk" (Danny Moloshok/Reuters)
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Silvio Genesini

Publicado em 2 de março de 2018 às, 11h28.

Última atualização em 2 de março de 2018 às, 13h55.

No filme O Destino de uma Nação, em cartaz nos cinemas e candidato ao Oscar de melhor filme, Winston Churchill, recém empossado primeiro ministro britânico, tem o desafio de convencer o parlamento a não negociar um tratado de paz com Hitler.

Segue um fragmento do seu discurso, na sua parte final: “Nós temos diante de nós muitos longos meses de luta e sofrimento. Veremos nações antigas e amigas sendo dominadas pelos nazistas. Nós defenderemos nossa ilha a qualquer custo. Nós lutaremos nas praias. Nós lutaremos em terra. Nós lutaremos nos campos e nas ruas. Nunca nos renderemos. Porque sem vitória não haverá sobrevivência possível”.

Terminada a fala veio a aprovação e uma entusiasmada e ruidosa aclamação. Lord Halifax, ministro do exterior e defensor da paz com os nazistas, sentenciou: “Ele mobilizou a língua inglesa e a mandou para a guerra”.

Décadas se passaram, o mundo mudou substancialmente para melhor, mas o uso da linguagem – para contar histórias que empolguem, seduzam e engajem – empobreceu.  Raros são os políticos e homens públicos que possam se comparar, mesmo limitadamente, a Churchill. A polarização ideológica, os surtos de populismo e a epidemia de desinformação criaram uma cacofonia de enredos desencontrados nunca dantes vistos na história universal.

O mundo corporativo não é exceção, muito embora comecem a aparecer exemplos louváveis e inspiradores de narrativas poderosas. Um mestre na arte é Jeff Bezos, da Amazon. Sua carta anual para os acionistas da empresa é um exemplo magnifico de como comunicar estratégia e cultura, ao mesmo tempo, para fora e para dentro da organização.

Sua edição de 2017 é especialmente primorosa. É nela que Bezos reafirma a aspiração que a corporação continue tão inovadora e disruptiva como se fosse uma startup. “Sempre me perguntam como seria o Dia 2. Respondo que Dia 2 é estagnação. Seguido por irrelevância. Seguido por morte”. Dia 1 para sempre.

Jeff definiu, há algum tempo, que todas as propostas de novos produtos e serviços da Amazon fossem precedidas por um documento escrito de 6 páginas (no máximo), acompanhadas por um comunicado de imprensa vendendo o produto externamente, como se ele já estivesse pronto para ser lançado. Com isso aboliu-se apresentações enfadonhas e fez-se com que as discussões se concentrassem no mérito das propostas, com todos já familiarizados previamente com o assunto.

Mais importante, com o press release estimula-se que o proponente crie uma narrativa do ponto de vista do cliente e do mercado sobre o valor percebido da inovação. Conta-se a história de um futuro desejado para que todos o imaginem realizado.

Outro exemplo mais antigo é um documento intitulado “A Cultura Netflix: Liberdade e Reponsabilidade”. A versão original já tem vários anos e, por mais anacrônico que pareça, é uma apresentação tradicional em Power Point. Os autores são Patty MaCord, Chief Talent Officer, e o CEO da Netflix, Reed Hasting .

O tradicional acaba aí. É um deck de 127 slides composto quase todo de textos, sem música nem animação, mas com conceitos claramente revolucionários para a época. Advogava que, em ambientes inovadores e de alta complexidade, processos padronizados e regras inflexíveis e imutáveis eram um estorvo. Defendia o fim da tirania dos procedimentos, promovia a ênfase no recrutamento de talentos excepcionais e que eles deveriam se auto gerenciar, em um ambiente de máxima flexibilidade.

Sheryl Sandberg, ex-Goggle e atual COO do Facebook referiu-se à peça como um dos mais importantes documentos já produzidos no Vale do Silício. Até hoje, em tempos de Organizações Exponenciais e Inovação Aberta as ideias são “fora da caixa”. Os profissionais podiam tirar férias pelo tempo que julgassem apropriado. A política de despesas da empresa tinha 6 palavras: “Agir no melhor interesse da Netflix”.

Em tempos em que as lideranças estão penando para poder comunicar, interna e externamente, qual futuro desejam inventar e que cultura querem construir, as formas convencionais envelheceram. Os habituais missão, visão e valores são padronizados e sintéticos demais para contar uma história envolvente.

Mesmo o cultuado, repetido e banalizado “Propósito” parece estanque e obvio demais para encantar e mobilizar audiências. Larry Fink, diretor executivo da BlackRock, escreveu recentemente uma carta para todos os CEO´s das empresas investidas pela gigante de private equity.

O título do texto é: “Um senso de propósito”. Reconhece que o mundo atual criou muitas desigualdades e que a sociedade está exigindo que as companhias tenham um propósito social. Embora seja muito louvável o posicionamento explícito e a carta muito bem escrita, o conteúdo soa óbvio e redundante. Virou lugar comum, ainda que necessário, dizer que as empresas têm um papel relevante em tornar o mundo melhor.

As boas narrativas contemporâneas deixaram de ser apenas textos. São usados, cada vez mais, vídeos, animações e até gestos simbólicos para expressarem a estratégia, a cultura e os sonhos das organizações. Novos jeitos de contar novas histórias.

O Churchill dos tempos pós-modernos chama-se Elon Musk. Sua empresa SpaceX lançou ao espaço o foguete Falcon Heavy, levando como carga um veículo Tesla Roadster elétrico, pilotado por um boneco astronauta, em direção a Marte ao som de Space Oddity de David Bowie.

Musk mobilizou em uma única narrativa vários símbolos da transformação tecnológica e cultural acelerada dos tempos atuais e os mandou para Marte. Se algum extraterrestre algum dia verá, não sabemos, mas que a mensagem já alcançou e impregnou os habitantes do planeta Terra, não resta nenhuma dúvida.