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Bel Pesce: a Menina do Vale virou Geni

Tudo aconteceu em menos de uma semana. Como é típico dessas explosões virais na Internet o estopim foi um episódio inesperado. Uma gota d´agua desfechou a avalanche que soterrou a menina e demonstrou como é tênue a linha entre realidade e ficção. Bel foi descoberta pelo empresário Flávio Augusto da Silva, da Wise Up e […]

BEL PESCE: seu último livro se chama A sua melhor versão te leva além. Soa como uma premonição ou autocrítica antecipada do que ela está vivendo hoje / Reprodução/Facebook/Bel Pesce
DR

Da Redação

Publicado em 15 de setembro de 2016 às 12h08.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h45.

Tudo aconteceu em menos de uma semana. Como é típico dessas explosões virais na Internet o estopim foi um episódio inesperado. Uma gota d´agua desfechou a avalanche que soterrou a menina e demonstrou como é tênue a linha entre realidade e ficção.

Bel foi descoberta pelo empresário Flávio Augusto da Silva, da Wise Up e Orlando City, que patrocinou o seu primeiro livro com o título de Menina do Vale. Nos últimos dias foi tratada como a Geni, personagem da canção homônima de Chico Buarque.

Para quem ainda não foi atingido por essa tempestade vou resumir o caso. Bel resolveu fazer uma “hamburgueria gourmet” chamada Zebeleo, iniciais dela e dos amigos sócios Zé Soares e Leonardo Young, este vencedor do último Master Chef. Decidiram viabilizar a empreitada usando o mecanismo de crowdfunding, com o objetivo de arrecadar 200.000 reais. Bel já tinha experiência anterior com a ferramenta e, consta, já havia levantado 1,6 milhão de reais para fazer palestras sobre empreendedorismo.

O tiro saiu pela culatra e a iniciativa foi por água abaixo. Iniciou-se uma revolta nas redes sociais. As reclamações iam desde que eles não precisavam do dinheiro, passava pela superficialidade do vídeo gravado para vender a ideia e terminava zoando as recompensas oferecidas em troca do dinheiro. Minha filha, que entende desse modelo, postou em forma de trocadilho: “O que era para ser empático virou antipático.” O financiamento coletivo foi cancelado rapidamente.

Mas, como um dique que se rompe, a militância internética continuou atrás da moça. Em especial, um blogueiro e youtuber, divertido e politicamente incorreto, chamado Izzy Nobre resolveu investigar a vida pregressa da Bel. Descobriu que ela exagerou, ou mentiu, sobre os seus diplomas, os trabalhos que fez e as empresas que investiu quando morou nos Estados Unidos. Se você ainda não leu e o seu interesse foi despertado há muitos mais capítulos dessa novela mexicana. Basta clicar em Exame.com ou dar um google em Bel Pesce.

O que se seguiu foi um julgamento sumário com exigência de retratação e pedido de desculpas. Se eu fosse seu amigo teria dito a ela para não pedir desculpas nem se explicar. Ela o fez pela metade e como previsível não adiantou nada.

Refletindo sobre esse episódio concluo que nós e a mídia estamos ávidos por esse tipo de histórias. A menina que com 17 anos foi estudar e se formou no MIT, trabalhou na Microsoft e no Google, fundou sua própria empresa que foi vendida por muitos milhões de dólares. Voltou para o Brasil e com apenas 24 anos virou uma celebridade e uma referencia no aquecido mundo das startups brasileiras.

Teria sido muito simples saber que ela não tinha cinco, mas apenas dois diplomas do MIT, que não liderou grandes equipes, mas apenas estagiou na Microsoft e Google e que ela apenas trabalhou na empresa que disse ter fundado e vendido. O blogueiro fez isso num piscar de olhos e sem levantar-se da cadeira. Acontece que nem nós, nem a mídia, tínhamos interesse em investigar uma história tão boa e que só podia ser inteiramente verdadeira.

Alguns veículos tradicionais se enrolaram na cobertura quando perceberam que foram pegos de calça curta. Alteraram histórias antigas sem alertar para o que estavam fazendo. Não há nenhum mal em revisar e atualizar reportagens passadas, nem em reconhecer que fomos seduzidos por uma menina com uma narrativa tão cativante.

Também é intrigante que ela precisasse exagerar. Sua história já é muito boa nua e crua. Vendo seus vídeos e entrevistas, acho que faz parte da sua personalidade essa habilidade de misturar fatos e sonhos criando uma narrativa encantadora. Quem a escuta percebe que a mesma história é contada de maneira diferente dependendo da ocasião.

O que gerou revolta nas redes sociais, ávidos pela verdade factual e pela busca de coerência, também gerou reação de quem não estava se sentindo bem com o linchamento. Uma amiga, que admiro muito, postou: “Preguiça de todas as matérias e posts criticando a Bel Pesce, eu não a conheço, mas não gosto de massacre, não gosto de exageros e nem dessa falta de assunto”.

Alicerçada na sua história, Bel criou uma marca pessoal impressionante. Quem entra no seu site vê que ela tem um pequeno conglomerado de empresas e iniciativas que incluem livros, cursos, palestras, vídeos, participação em programas de rádio e muitos outros. Os conteúdos são, em geral, uma mistura de autoajuda empresarial com a repetição de mantras sobre inovação e tecnologia que estão na moda. Seus detratores a acusam de fazer um “empreendedorismo de palco”, mas ela não tem culpa de ocupar com eficiência e charme um espaço onde há uma demanda clara pela mercadoria que entrega.

O seu último livro se chama A sua melhor versão te leva alé m. Soa como uma premonição ou autocrítica antecipada do que ela está vivendo hoje. Melhor seria o verso original de Paulo Leminski: “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”. Leminski bebeu na fonte de Friedrich Nietzsche que, na sua autobiografia, disse a mesma coisa em uma síntese insuperável: “Como se tornar o que se é.”

Eu que torço por Bel e desejo que ela seja cada vez mais o que ela é, termino com o incentivo da frase mais conhecida e repetida de Nietzsche: “o que não me mata, me fortalece”.

silvio-genesini

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Tudo aconteceu em menos de uma semana. Como é típico dessas explosões virais na Internet o estopim foi um episódio inesperado. Uma gota d´agua desfechou a avalanche que soterrou a menina e demonstrou como é tênue a linha entre realidade e ficção.

Bel foi descoberta pelo empresário Flávio Augusto da Silva, da Wise Up e Orlando City, que patrocinou o seu primeiro livro com o título de Menina do Vale. Nos últimos dias foi tratada como a Geni, personagem da canção homônima de Chico Buarque.

Para quem ainda não foi atingido por essa tempestade vou resumir o caso. Bel resolveu fazer uma “hamburgueria gourmet” chamada Zebeleo, iniciais dela e dos amigos sócios Zé Soares e Leonardo Young, este vencedor do último Master Chef. Decidiram viabilizar a empreitada usando o mecanismo de crowdfunding, com o objetivo de arrecadar 200.000 reais. Bel já tinha experiência anterior com a ferramenta e, consta, já havia levantado 1,6 milhão de reais para fazer palestras sobre empreendedorismo.

O tiro saiu pela culatra e a iniciativa foi por água abaixo. Iniciou-se uma revolta nas redes sociais. As reclamações iam desde que eles não precisavam do dinheiro, passava pela superficialidade do vídeo gravado para vender a ideia e terminava zoando as recompensas oferecidas em troca do dinheiro. Minha filha, que entende desse modelo, postou em forma de trocadilho: “O que era para ser empático virou antipático.” O financiamento coletivo foi cancelado rapidamente.

Mas, como um dique que se rompe, a militância internética continuou atrás da moça. Em especial, um blogueiro e youtuber, divertido e politicamente incorreto, chamado Izzy Nobre resolveu investigar a vida pregressa da Bel. Descobriu que ela exagerou, ou mentiu, sobre os seus diplomas, os trabalhos que fez e as empresas que investiu quando morou nos Estados Unidos. Se você ainda não leu e o seu interesse foi despertado há muitos mais capítulos dessa novela mexicana. Basta clicar em Exame.com ou dar um google em Bel Pesce.

O que se seguiu foi um julgamento sumário com exigência de retratação e pedido de desculpas. Se eu fosse seu amigo teria dito a ela para não pedir desculpas nem se explicar. Ela o fez pela metade e como previsível não adiantou nada.

Refletindo sobre esse episódio concluo que nós e a mídia estamos ávidos por esse tipo de histórias. A menina que com 17 anos foi estudar e se formou no MIT, trabalhou na Microsoft e no Google, fundou sua própria empresa que foi vendida por muitos milhões de dólares. Voltou para o Brasil e com apenas 24 anos virou uma celebridade e uma referencia no aquecido mundo das startups brasileiras.

Teria sido muito simples saber que ela não tinha cinco, mas apenas dois diplomas do MIT, que não liderou grandes equipes, mas apenas estagiou na Microsoft e Google e que ela apenas trabalhou na empresa que disse ter fundado e vendido. O blogueiro fez isso num piscar de olhos e sem levantar-se da cadeira. Acontece que nem nós, nem a mídia, tínhamos interesse em investigar uma história tão boa e que só podia ser inteiramente verdadeira.

Alguns veículos tradicionais se enrolaram na cobertura quando perceberam que foram pegos de calça curta. Alteraram histórias antigas sem alertar para o que estavam fazendo. Não há nenhum mal em revisar e atualizar reportagens passadas, nem em reconhecer que fomos seduzidos por uma menina com uma narrativa tão cativante.

Também é intrigante que ela precisasse exagerar. Sua história já é muito boa nua e crua. Vendo seus vídeos e entrevistas, acho que faz parte da sua personalidade essa habilidade de misturar fatos e sonhos criando uma narrativa encantadora. Quem a escuta percebe que a mesma história é contada de maneira diferente dependendo da ocasião.

O que gerou revolta nas redes sociais, ávidos pela verdade factual e pela busca de coerência, também gerou reação de quem não estava se sentindo bem com o linchamento. Uma amiga, que admiro muito, postou: “Preguiça de todas as matérias e posts criticando a Bel Pesce, eu não a conheço, mas não gosto de massacre, não gosto de exageros e nem dessa falta de assunto”.

Alicerçada na sua história, Bel criou uma marca pessoal impressionante. Quem entra no seu site vê que ela tem um pequeno conglomerado de empresas e iniciativas que incluem livros, cursos, palestras, vídeos, participação em programas de rádio e muitos outros. Os conteúdos são, em geral, uma mistura de autoajuda empresarial com a repetição de mantras sobre inovação e tecnologia que estão na moda. Seus detratores a acusam de fazer um “empreendedorismo de palco”, mas ela não tem culpa de ocupar com eficiência e charme um espaço onde há uma demanda clara pela mercadoria que entrega.

O seu último livro se chama A sua melhor versão te leva alé m. Soa como uma premonição ou autocrítica antecipada do que ela está vivendo hoje. Melhor seria o verso original de Paulo Leminski: “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”. Leminski bebeu na fonte de Friedrich Nietzsche que, na sua autobiografia, disse a mesma coisa em uma síntese insuperável: “Como se tornar o que se é.”

Eu que torço por Bel e desejo que ela seja cada vez mais o que ela é, termino com o incentivo da frase mais conhecida e repetida de Nietzsche: “o que não me mata, me fortalece”.

silvio-genesini

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