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As notícias falsas são falsos inimigos

As medidas apavorantes de empresas e governos para combater o fake news

FAKE NEWS: Facebook contrata 10.000 para limpar rede social / Jonathan Ernst | Reuters
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Da Redação

Publicado em 10 de novembro de 2017 às 13h42.

Última atualização em 10 de novembro de 2017 às 15h28.

A indignação com a onda das fake news atingiu níveis de comoção pública nas últimas semanas. O ponto alto foi a audiência de congressistas americanos, com advogados do Facebook, Google e Twitter, sobre a interferência dos russos na última eleição presidencial. Uma espécie de CPI deles.

O questionamento concentrou-se nos anúncios pagos pelos russos, via uma tal de Internet Research Agency (IRA), com o objetivo de desestabilizar a campanha de Hilary Clinton. Os valores totais divulgados pelo Facebook não são significativos. O total dos desembolsos ficou por volta de US$ 100 mil. Um troco perto dos mais de US$ 80 milhões que as campanhas de Trump e Hilary gastaram com publicidade.

O que realmente impressionou foi a divulgação de que, somando os posts gratuitos, foram impactadas pela campanha um total de 146 milhões de pessoas. Quase metade da população americana. O que já era um forte movimento para disciplinar as empresas transformou-se em uma necessidade premente de enquadrá-las.

Quase no mesmo dia, o Facebook anunciava seu resultado para o terceiro trimestre. Um crescimento de 50% da receita sobre mesmo período do ano anterior e lucro recorde de US$ 4.7 bilhões. Para demonstrar que o recado foi recebido, Mark Zuckerberg disse que iria contratar mais 10 mil profissionais (totalizando 20 mil) dedicados unicamente a retirar as notícias falsas e as mensagens de ódio da plataforma.

Mesmo considerando os números superlativos do serviço – 2.07 bilhões de usuários ativos por mês – a necessidade de um exército de profissionais para policiar o conteúdo explica muito sobre a complexidade do problema.

No centro da discussão está a constatação que identificar fake news ou mensagens de ódio não é simples. Se fosse fácil e programável um robô resolveria o problema, ou pelo menos boa parte dele. Nem mesmo com todo o avanço da Inteligência Artificial, Mark parece confiante que o serviço possa ser feito sem a ajuda humana.

Olhando a natureza de alguns dos posts pagos pelos russos seríamos compelidos a acreditar no contrário. Um deles, com o título de Exército de Jesus, mostra Hilary Clinton fantasiada de diabo, em uma queda de braço com Jesus e a sugestão: “Curta se você quer que Jesus vença”. Bastaria cruzar com quem pagou pela mensagem para concluir a má intenção.

Há certamente outros conteúdos que representam fatos verificáveis, ou verdades factuais na linguagem jornalística. Como a antiga notícia que o papa estaria apoiando Trump para presidente. Bastaria “empoderar” os próprios usuários da rede e a afirmação seria prontamente desmentida.

Acontece, porém, que muitas publicações – talvez a grande maioria – ficam dentro do limite do que seria uma opinião radical, uma ironia agressiva, ou mesmo uma difamação grosseira. Expressões de opinião protegidas pela constituição americana e de muitos países do mundo. Até no Brasil, a presidente do STJ proibiu o Enem de dar nota zero a redações que desrespeitassem os direitos humanos.

A sofisticação da campanha impressionou muita gente. “Não são mentiras transparentes. Têm a intenção de despertar nossos instintos. Não é uma questão de mera ficção que podemos descartar checando fatos. São dirigidas a criar um ambiente de nós contra eles”, disse Jay Van Bavel, psicólogo da NYU, entrevistado pela revista Wired.

Quando alguns tentaram argumentar que era uma questão relacionada à liberdade de opinar, o senador republicano James Lankford sentenciou: “Esta é uma batalha para proteger a liberdade de expressão. Se dois americanos têm um desentendimento, tudo bem. Se um estrangeiro entra no meio, então temos um problema”. Só podemos concluir que se a odiosa campanha fosse feita por cidadãos americanos estaria devidamente protegida pela lei.

O que os legisladores, os formadores de opinião e a própria mídia estão pedindo é que as plataformas virem os censores da internet decidindo o que pode ou não ser publicado. Mesmo que a intenção seja das melhores, entregar esta responsabilidade para empresas privadas, praticamente monopolistas, é um risco enorme para a liberdade de expressão.

Zuckerberg, que sempre afirmou que o Facebook não é mídia, pois não produz conteúdo, está aceitando a responsabilidade pelo que é publicado em seus domínios. É o mal menor para evitar que os legisladores imponham restrições muito maiores ou até que resolvam por limites à sua atuação.

O extremo radical seria fazer o que China faz. Os censores da internet chinesa acabaram de publicar novos regulamentos com o objetivo de prevenir a disseminação de “informação ilegal” na rede. Funcionários e jornalistas de sites de noticia serão obrigados a fazer um treinamento sobre a “visão marxista do jornalismo”.

Pode parecer uma caricatura e um exagero comparar, mas o risco de uma censura descontrolada é real. O que seria uma cartilha que explicasse a “visão capitalista, politicamente e socialmente correta, do jornalismo”? Se pedíssemos aos vários grupos antagônicos que povoam a internet para construí-la, o resultado seria um show de horrores.

No Brasil, o TSE anunciou a criação de uma força-tarefa, que contará com a ajuda do Ministério da Defesa e da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), para combater a propagação de notícias falsas nas próximas eleições. Arrepia-me a militarização do tema.

Paula Cesarino Costa, ombudsman da Folha, publicou, em sua coluna do último final de semana, uma pesquisa produzida pelo Instituto Reuters com a Universidade de Oxford. Os números mostram que os entrevistados associam fake news com textos satíricos, publicidade disfarçada e reportagens superficiais ou sensacionalistas. Apenas 40% acham que a mídia tradicional faz um bom trabalho na separação entre fato e ficção.

Se não acreditamos que jornalistas tarimbados podem fazer bem esta tarefa, o que dizer de profissionais inexperientes contratados aos milhares. Para completar a nossa perplexidade com a questão, Paula cita uma frase de Margaret Sullivan, ex-ombudsman do New York Times: “Temos de chamar uma mentira de mentira. Chamar um engano de engano. Se há uma conspiração, que assim seja definida. Designar tudo isso como notícia falsa é por demais impreciso”

O que fazer? Não creio que os gigantes da internet vão escapar de ser regulados de alguma forma. A Alemanha aprovou uma lei que exige que os serviços retirem “conteúdo ilegais” em 24 horas, sob pena de multa de até 50 milhões de euros. Propostas mais radicais já falam em dividir as companhias. Também que serviços como buscas, redes sociais e similares deveriam ser gerenciados por companhias públicas, sem objetivo de lucro. São propostas claramente anticapitalistas e na contramão da benéfica onda de inovação que varre o mundo.

O que, sim, pode ser feito é exigir mais transparência dos serviços na maneira com que usam nossos dados, distribuem as mensagens e vendem os anúncios. As plataformas usam informações e processam algoritmos que são segredos industriais guardados a sete chaves. Com o avanço da inteligência artificial, o impacto destas interfaces nas nossas vidas é cada vez maior. Os algoritmos são feitos para atingir aqueles com mais chances de curtirem e compartilharem determinados conteúdos. Maximizam a audiência para poder vender mais publicidade. Em um ambiente naturalmente polarizado, como foram as eleições americanas, o efeito separatista é contagiante e exponencial.

Parafraseando Martin Luther King: I have a dream. Um sonho em que as redes sociais, os sistemas de buscas e de distribuição de notícias usem seu poder e conhecimento para chegar a todos: os que são a favor e os que são contra. Que ajudem, transparentemente, a criar um ambiente de colaboração e aproximação de opostos. Assim os exageros, as infâmias e as maldades serão denunciados e neutralizados. Restarão apenas opiniões divergentes, como convém em um mundo democrático e civilizado.

Os sonhos têm essa qualidade. Não são verdadeiros nem falsos. São apenas sonhos.

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A indignação com a onda das fake news atingiu níveis de comoção pública nas últimas semanas. O ponto alto foi a audiência de congressistas americanos, com advogados do Facebook, Google e Twitter, sobre a interferência dos russos na última eleição presidencial. Uma espécie de CPI deles.

O questionamento concentrou-se nos anúncios pagos pelos russos, via uma tal de Internet Research Agency (IRA), com o objetivo de desestabilizar a campanha de Hilary Clinton. Os valores totais divulgados pelo Facebook não são significativos. O total dos desembolsos ficou por volta de US$ 100 mil. Um troco perto dos mais de US$ 80 milhões que as campanhas de Trump e Hilary gastaram com publicidade.

O que realmente impressionou foi a divulgação de que, somando os posts gratuitos, foram impactadas pela campanha um total de 146 milhões de pessoas. Quase metade da população americana. O que já era um forte movimento para disciplinar as empresas transformou-se em uma necessidade premente de enquadrá-las.

Quase no mesmo dia, o Facebook anunciava seu resultado para o terceiro trimestre. Um crescimento de 50% da receita sobre mesmo período do ano anterior e lucro recorde de US$ 4.7 bilhões. Para demonstrar que o recado foi recebido, Mark Zuckerberg disse que iria contratar mais 10 mil profissionais (totalizando 20 mil) dedicados unicamente a retirar as notícias falsas e as mensagens de ódio da plataforma.

Mesmo considerando os números superlativos do serviço – 2.07 bilhões de usuários ativos por mês – a necessidade de um exército de profissionais para policiar o conteúdo explica muito sobre a complexidade do problema.

No centro da discussão está a constatação que identificar fake news ou mensagens de ódio não é simples. Se fosse fácil e programável um robô resolveria o problema, ou pelo menos boa parte dele. Nem mesmo com todo o avanço da Inteligência Artificial, Mark parece confiante que o serviço possa ser feito sem a ajuda humana.

Olhando a natureza de alguns dos posts pagos pelos russos seríamos compelidos a acreditar no contrário. Um deles, com o título de Exército de Jesus, mostra Hilary Clinton fantasiada de diabo, em uma queda de braço com Jesus e a sugestão: “Curta se você quer que Jesus vença”. Bastaria cruzar com quem pagou pela mensagem para concluir a má intenção.

Há certamente outros conteúdos que representam fatos verificáveis, ou verdades factuais na linguagem jornalística. Como a antiga notícia que o papa estaria apoiando Trump para presidente. Bastaria “empoderar” os próprios usuários da rede e a afirmação seria prontamente desmentida.

Acontece, porém, que muitas publicações – talvez a grande maioria – ficam dentro do limite do que seria uma opinião radical, uma ironia agressiva, ou mesmo uma difamação grosseira. Expressões de opinião protegidas pela constituição americana e de muitos países do mundo. Até no Brasil, a presidente do STJ proibiu o Enem de dar nota zero a redações que desrespeitassem os direitos humanos.

A sofisticação da campanha impressionou muita gente. “Não são mentiras transparentes. Têm a intenção de despertar nossos instintos. Não é uma questão de mera ficção que podemos descartar checando fatos. São dirigidas a criar um ambiente de nós contra eles”, disse Jay Van Bavel, psicólogo da NYU, entrevistado pela revista Wired.

Quando alguns tentaram argumentar que era uma questão relacionada à liberdade de opinar, o senador republicano James Lankford sentenciou: “Esta é uma batalha para proteger a liberdade de expressão. Se dois americanos têm um desentendimento, tudo bem. Se um estrangeiro entra no meio, então temos um problema”. Só podemos concluir que se a odiosa campanha fosse feita por cidadãos americanos estaria devidamente protegida pela lei.

O que os legisladores, os formadores de opinião e a própria mídia estão pedindo é que as plataformas virem os censores da internet decidindo o que pode ou não ser publicado. Mesmo que a intenção seja das melhores, entregar esta responsabilidade para empresas privadas, praticamente monopolistas, é um risco enorme para a liberdade de expressão.

Zuckerberg, que sempre afirmou que o Facebook não é mídia, pois não produz conteúdo, está aceitando a responsabilidade pelo que é publicado em seus domínios. É o mal menor para evitar que os legisladores imponham restrições muito maiores ou até que resolvam por limites à sua atuação.

O extremo radical seria fazer o que China faz. Os censores da internet chinesa acabaram de publicar novos regulamentos com o objetivo de prevenir a disseminação de “informação ilegal” na rede. Funcionários e jornalistas de sites de noticia serão obrigados a fazer um treinamento sobre a “visão marxista do jornalismo”.

Pode parecer uma caricatura e um exagero comparar, mas o risco de uma censura descontrolada é real. O que seria uma cartilha que explicasse a “visão capitalista, politicamente e socialmente correta, do jornalismo”? Se pedíssemos aos vários grupos antagônicos que povoam a internet para construí-la, o resultado seria um show de horrores.

No Brasil, o TSE anunciou a criação de uma força-tarefa, que contará com a ajuda do Ministério da Defesa e da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), para combater a propagação de notícias falsas nas próximas eleições. Arrepia-me a militarização do tema.

Paula Cesarino Costa, ombudsman da Folha, publicou, em sua coluna do último final de semana, uma pesquisa produzida pelo Instituto Reuters com a Universidade de Oxford. Os números mostram que os entrevistados associam fake news com textos satíricos, publicidade disfarçada e reportagens superficiais ou sensacionalistas. Apenas 40% acham que a mídia tradicional faz um bom trabalho na separação entre fato e ficção.

Se não acreditamos que jornalistas tarimbados podem fazer bem esta tarefa, o que dizer de profissionais inexperientes contratados aos milhares. Para completar a nossa perplexidade com a questão, Paula cita uma frase de Margaret Sullivan, ex-ombudsman do New York Times: “Temos de chamar uma mentira de mentira. Chamar um engano de engano. Se há uma conspiração, que assim seja definida. Designar tudo isso como notícia falsa é por demais impreciso”

O que fazer? Não creio que os gigantes da internet vão escapar de ser regulados de alguma forma. A Alemanha aprovou uma lei que exige que os serviços retirem “conteúdo ilegais” em 24 horas, sob pena de multa de até 50 milhões de euros. Propostas mais radicais já falam em dividir as companhias. Também que serviços como buscas, redes sociais e similares deveriam ser gerenciados por companhias públicas, sem objetivo de lucro. São propostas claramente anticapitalistas e na contramão da benéfica onda de inovação que varre o mundo.

O que, sim, pode ser feito é exigir mais transparência dos serviços na maneira com que usam nossos dados, distribuem as mensagens e vendem os anúncios. As plataformas usam informações e processam algoritmos que são segredos industriais guardados a sete chaves. Com o avanço da inteligência artificial, o impacto destas interfaces nas nossas vidas é cada vez maior. Os algoritmos são feitos para atingir aqueles com mais chances de curtirem e compartilharem determinados conteúdos. Maximizam a audiência para poder vender mais publicidade. Em um ambiente naturalmente polarizado, como foram as eleições americanas, o efeito separatista é contagiante e exponencial.

Parafraseando Martin Luther King: I have a dream. Um sonho em que as redes sociais, os sistemas de buscas e de distribuição de notícias usem seu poder e conhecimento para chegar a todos: os que são a favor e os que são contra. Que ajudem, transparentemente, a criar um ambiente de colaboração e aproximação de opostos. Assim os exageros, as infâmias e as maldades serão denunciados e neutralizados. Restarão apenas opiniões divergentes, como convém em um mundo democrático e civilizado.

Os sonhos têm essa qualidade. Não são verdadeiros nem falsos. São apenas sonhos.

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