A publicidade foi consumida pelo consumidor
No dia 24 de julho o publicitário Washington Olivetto deu uma entrevista ao site da BBC Brasil. Ao reclamar da ditadura do politicamente correto e do excesso de lugares comuns incluiu o empoderamento feminino na lista de “clichês constrangedores”. A discussão, como era de se esperar, foi para as redes sociais. Um levantamento, feito a […]
Publicado em 4 de agosto de 2017 às, 12h06.
No dia 24 de julho o publicitário Washington Olivetto deu uma entrevista ao site da BBC Brasil. Ao reclamar da ditadura do politicamente correto e do excesso de lugares comuns incluiu o empoderamento feminino na lista de “clichês constrangedores”.
A discussão, como era de se esperar, foi para as redes sociais. Um levantamento, feito a meu pedido, pela plataforma de monitoramento digital Torabit, mostrou que, em uma análise de 3.700 posts, o sentimento sobre o assunto foi 56% negativo, 23% neutro e 21% positivo para o publicitário. No final da semana o assunto já tinha minguado e, praticamente, desaparecido das redes.
Uma análise dos termos usados nos comentários demonstra que a discussão ficou concentrada na questão feminina. A entrevista traz, porém, um outro assunto polêmico que foi pouco – ou quase nada – comentado. Disse Olivetto: “O consumidor pode e deve dar palpite, mas a principal função dele é consumir. Quero saber a opinião dele? Claro! Mas, se a opinião dele for estapafúrdia e mais cinco estapafúrdios quiserem (o mesmo) não vou abrir mão das convicções de uma boa persuasão”.
Olivetto estava falando da importância das grandes ideias na propaganda. É uma verdade histórica. A grande publicidade foi muito eficiente na manipulação benigna de desejos e na construção de marcas vencedores.
O feitiço, porém, parece que está perdendo o seu encanto e a afirmação ignora a transformação em curso na relação entre quem compra e vende na sociedade atual. Para usar um termo caro ao movimento feminista, o comprador é atualmente um ser empoderado pela mudança do mundo e pela transformação tecnológica.
O ato de adquirir ganhou novos significados. Como diz o psicanalista Jorge Forbes, as pessoas não nascem, não estudam, não trabalham, não amam e não morrem mais como antigamente.
Se as pessoas mudaram, por que continuariam comprando como antes? Formas singularmente diferentes de viver estão criando maneiras radicalmente distintas de consumir. A própria palavra consumidor passou a carregar uma carga negativa, associada a um pecado mortal moderno conhecido como consumismo.
A conexão permanente em rede engajou o cidadão que passou a exigir que as empresas se comportassem e criassem produtos compatíveis com as novas formas do viver. Como consequência, ele começou a desconfiar da publicidade tradicional que, como diz Olivetto, se baseia na persuasão. O indivíduo comprador, transmutado em ente coletivo comprometido, quer participar e influenciar na criação do que compra.
O professor de Harvard Clayton Christensen, autor do best-seller O Dilema da Inovação e o primeiro a usar o termo “inovação disruptiva”, publicou no ano passado um novo livro chamado Competing Against Luck: The Story of Innovation and Customer Choice, ainda sem tradução para o português.
O livro sustenta que clientes não compram produtos e serviços. Eles os incorporam em suas vidas para progredir. Christensen chama esse progresso de Jobs to Be Done (tarefas ou trabalhos que devem ser feitos) para resolver um problema ou alcançar um objetivo. Os clientes contratam os produtos e serviços que melhor lhes servem para esse fim, baseados não apenas em aspectos funcionais, mas também em incentivos sociais e emocionais.
Segunda a teoria, amplamente apresentada com exemplos práticos, a única maneira de conhecer as necessidades do comprador e criar produtos efetivamente inovadores é viver intensamente a experiência e o uso que os clientes fazem dos produtos e serviços em suas vidas. Análises, pesquisas e dados são úteis, mas insuficientes para prover este conhecimento, como já prognosticava Steve Jobs.
Jeff Bezos, na sua admirável carta aos acionistas deste ano, sustenta opinião semelhante: “Bons inventores e designers entendem profundamente seus clientes. Eles dedicam uma energia descomunal para desenvolver esta intuição. Eles estudam e entendem muitas circunstâncias especificas (envolvendo clientes) ao invés de olhar apenas para as médias encontradas em pesquisas”
Em outras palavras, ser efetivamente inovador não é tentar convencer os clientes a consumir mais do mesmo já existente, mas entender visceralmente os usos, desejos e necessidades das pessoas para criar produtos e experiências que dificilmente serão replicados pelos concorrentes.
Para complicar, muitos compradores estão se recusando a ver anúncios. Fazem isso fugindo das mídias tradicionais e, também, instalando ad blockers nos seus smartphones. Estima-se que mais de 300 milhões de usuários já façam uso desse recurso no mundo.
Pesquisas têm revelado que, ao contrário do que se pensava, a mudança de comportamento não está concentrada apenas nos millennials ou nas novas gerações. O vírus atitudinal está se espalhando por todas as idades.
Agências e anunciantes já perceberam a inevitabilidade da mudança. A nova campanha da Coca-Cola no Brasil é uma prova disso. Depois de vários anos vendendo sedutoramente o seu produto principal, a ênfase agora é na variedade de alternativas, muitas delas de baixa caloria e com menos açúcar. O novo slogan é: “sua sede move a nossa”. Quando comparado com anteriores, como “sinta o sabor”, está claro o reconhecimento dos novos hábitos de consumo e a precedência da preferência do cliente em relação à mensagem da empresa.
O título da campanha é “Escolhas” e a explicação é direta: “a empresa reforça o compromisso de contribuir para escolhas conscientes”. Isso, obviamente, não quer dizer que a empresa desistiu de persuadir e seduzir os consumidores a comprar seus produtos. Significa que o pêndulo mudou de direção. Vai do sujeito para o objeto, do utilizador para o produtor, do cidadão para as organizações.
Washington Olivetto sabe que as grandes ideias continuam fazendo toda a diferença. Que o primeiro sutiã continua inesquecível. Que as histórias bem contadas continuam sedutoramente atraentes. A única diferença é que os autores dos roteiros são gente de uma nova era.