Exame.com
Continua após a publicidade

A inovação passa longe do posto Ipiranga dos presidenciáveis

Lendo o programa liberal do candidato, não parece que o mundo está em uma transformação tecnológica alucinada e exponencial

 (Divulgação/Agência Brasil)
(Divulgação/Agência Brasil)
S
Silvio Genesini

Publicado em 17 de setembro de 2018 às, 08h25.

Última atualização em 17 de setembro de 2018 às, 16h14.

O que começou como uma brincadeira dos adversários foi incorporado pelo candidato Jair Bolsonaro como um bordão. Sempre que não sabia ou não queria responder alguma pergunta sobre economia, dizia que que ia perguntar no Posto Ipiranga, o seu assessor econômico, Paulo Guedes.

Guedes, como se sabe, deu um verniz liberal a Bolsonaro, um candidato anteriormente defensor de um Estado forte e interventor, como foi a ditadura militar. O economista defende intransigentemente a redução do tamanho do Estado, o corte de gastos, a manutenção do câmbio flutuante e a abertura do país ao comércio internacional. Diz que vai privatizar tudo o que puder para reduzir significativamente a dívida pública.

Está lá no programa de governo sob o título Liberalismo Econômico: “O liberalismo reduz a inflação, baixa os juros, eleva a confiança e os investimentos, gera crescimento, emprego e oportunidades. Nossa estratégia será adotar as mesmas ações que funcionam nos países com crescimento, emprego, baixa inflação, renda para os trabalhadores e oportunidades para todos”.

Lendo tal programa – 81 páginas em formato de apresentação – não parece que o mundo está em uma transformação tecnológica alucinada e exponencial. Nem que estamos em plena Quarta Revolução Industrial, que está mudando radicalmente a maneira como as nações se posicionam competitivamente e, que está também, destruindo aceleradamente empregos tradicionais e criando outras ocupações especializadas.

Convenhamos que para um programa de governo que se chama “Caminho da Prosperidade” é claramente insuficiente. Não vai haver prosperidade possível em um mundo globalizado se o país não se digitalizar – como utilizador e produtor das novas tecnologias – urgentemente.

Principalmente, não se resolverá a questão dramática do emprego. Em números redondos, temos hoje 13 milhões de desempregados, 5 milhões que desistiram de procurar emprego e outros 10 milhões de subempregados. São cerca de 30 de milhões de pessoas sem ocupação digna em uma população economicamente ativa de 90 milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, estima-se que 250 mil posições de programação estão em aberto sem que haja pessoas qualificadas para ocupá-las. Não seria exagero estimar que teremos, em curto espaço de tempo, 1 milhão de posições não preenchidas ligadas à tecnologia. Um claro e perverso descompasso entre demanda e oferta.

É certo também que todos os outros candidatos – uns mais, outros menos – têm os seus respectivos Postos Ipiranga. Para ficarmos no mesmo lado do espectro político, tomemos o programa de Geraldo Alckmin. Curiosamente, o título é similar: “Um caminho de prosperidade está aberto para todos os brasileiros”. Pode-se dizer que é também um programa de cunho liberal para a economia.

No seu resumo há as seguintes menções ao tema: “Promoveremos o desenvolvimento da Industria 4.0, da indústria criativa e da economia do conhecimento, fomentando o empreendedorismo em áreas de inovação, da cultura, do turismo e, especialmente, em áreas onde já somos líderes como a agroindústria”. Como se vê, sem a devida ênfase e misturando as questões da digitalização e inovação com cultura e turismo.

Indo para a esquerda do espectro, como esperado, os candidatos e seus assessores deixam de ser liberais na economia e concentram-se na capacidade do Estado em ser o indutor do crescimento. No programa Ciro Gomes encontramos um Plano Emergencial para criação de 2 milhões de empregos, no primeiro ano, através de Escolas Profissionalizantes em tempo integral.

Uma perspectiva correta, uma vez que a educação precisa de soluções práticas de curto prazo e em escala exponencial. Não há, porém, nenhuma citação à preparação para as ocupações do futuro trazidas pela digitalização do mundo. O candidato também disse, recentemente, que vai gastar 2% do PIB com ciência e tecnologia, mas sem dizer que resultados pretende com esse necessário e justo aumento de gastos.

Haddad não tem (ainda) um plano de governo. Mas, há um plano de Lula para 2018 e nele há apenas um capítulo com o título: “Estratégia de Expansão Produtiva: Reindustrialização, Infraestrutura e Inovação com Sustentabilidade Ambiental, Social e Regional”. No seu texto não há nada que possa inferir que o Brasil precisa mudar urgentemente para se tornar competitivo e gerar empregos em um mundo transformado digitalmente.

Uma rara exceção é o programa do presidenciável Alvaro Dias, herdado do seu vice Paulo Rabello que em seu Plano de Metas 19+ (Rabello quando era candidato tinha o número 19 e Álvaro é o 20) inclui propostas como: Industria 4.i, Educação do Futuro e Infraestrutura para o Século XXI.

Recentemente, um grupo de 30 empresas, dos mais variados setores, criou o Movimento Brasil Digital, do qual tenho orgulho de participar. O seu lema é: “Por um país Inovador e Inclusivo”. O seu propósito é colocar a inovação tecnológica e a digitalização no centro da estratégia do país, de maneira inclusiva e humanizada, apoiando a formação da sociedade nas habilidades da Indústria 4.0, formando aceleradamente e massivamente profissionais para as ocupações do futuro e, ao mesmo tempo, protegendo e requalificando aqueles afetados pelos empregos que vão desaparecer.

O Movimento também defende que nas grandes transições tecnológicas é possível dar o “salto de qualidade”, usando a própria tecnologia como viabilizadora, em pouco espaço de tempo. Muito pode ser feito na duração de apenas um mandato presidencial.

Como parte da preparação para o lançamento do Movimento Brasil Digital foi feita uma pesquisa sobre as iniciativas digitais e o nível de prontidão dos seguintes oito países: México, Índia, Canadá, Reino Unido, Espanha, Austrália, Alemanha e Suécia. Todos, em graus variados de iniciação, têm ambiciosas agendas digitais, governamentais e privadas. Sinal inequívoco de que não há estratégia de país viável que não passe por encarar de frente os benefícios e os malefícios da digitalização do mundo.

Poderia aqui, para finalizar, citar nossa posição em todos os rankings internacionais – do Fórum Econômico Mundial ao PISA – para demonstrar que não há futuro decente possível a não ser que o Brasil se dedique urgentemente a melhorar a sua posição competitiva no mundo.

Cito apenas – com a devida tristeza e um pouco de masoquismo – o último ranking publicado no dia 15 deste mês, que mostra o Brasil estagnado na 79ª posição do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) entre 189 países. Ajustando-se o índice pelo indicador de desigualdade o país perde mais 17 posições na classificação.

Dados do mesmo estudo mostram que o desemprego no Brasil entre a população jovem é o maior da América Latina: 30,5%. Dos jovens entre 15 e 24 anos, 25% não trabalham nem estudam. Mudar este cenário é tarefa coletiva de homens públicos e líderes empresariais. Criar a maior quantidade de ocupações qualificadas e preparar todas as gerações para ocupá-las deve ser nossa principal missão.

Há um futuro novo a ser inventado. A tecnologia que destrói é a mesma que pode ajudar a construir. Os planos de governo precisam ser para uma geração e, não apenas, para uma eleição. Os Postos Ipiranga dos presidenciáveis necessitam de um novo tipo de combustível: digital, inovador e inclusivo.