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A guerra pelo vídeo na internet está só começando

Compra da Fox pela Disney mostra como a disputa entre as plataformas de vídeo vai se intensificar nos próximos anos

ROBERT IGER, PRESIDENTE DA DISNEY: compra da Fox é a maior aquisição da história da empresa / Gary Cameron/File Photo/ Reuters
ROBERT IGER, PRESIDENTE DA DISNEY: compra da Fox é a maior aquisição da história da empresa / Gary Cameron/File Photo/ Reuters
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Silvio Genesini

Publicado em 5 de janeiro de 2018 às, 10h29.

No dia 14 de dezembro, a Disney anunciou a compra de uma parte significativa da 21st Century Fox. A aquisição incluiu, principalmente, os estúdios de TV e filmes e várias outras propriedades como os canais FX, National Geographic, as redes regionais de esportes e a participação no serviço de streaming Hulu. Não entraram na compra as redes de TV, notícias e esportes da Fox americana.

No anúncio, Bob Iger, CEO da Disney, foi claro: o objetivo é criar uma relação direta com os consumidores. Em outras palavras, concorrer com a Netflix e Amazon. Alguns meses antes, Iger já havia comunicado que retiraria seus títulos da Netflix, assim que os atuais contratos acabassem e que lançaria dois serviços próprios nos próximos dois anos. O primeiro, uma plataforma de esportes, com os conteúdos da ESPN, sua propriedade líder no segmento. O segundo, com filmes e séries, incluindo os campeões de bilheteria da Marvel e da Star Wars.

Com a Fox, a franquia ganha o reforço de títulos como Avatar (a maior bilheteria de todos os tempos), Os Simpsons, X-Men, O Quarteto Fantástico e Deadpool, reunindo as populares propriedades da Marvel novamente em um só lugar. Lembrando que a Disney fez aquisições significativas nos últimos anos, como a Pixar em 2005 (7,4 bilhões de dólares), Marvel em 2009 (4,2 bilhões) e Lucas Films/Star Wars em 2012 (4,1 bilhões). Mas nada que se compare aos 61 bilhões de dólares (incluindo dívidas) da Fox. A Netflix que se cuide.

As explicações de Murdoch – um empresário que sempre comprou companhias e quase nunca as vendeu – é simbólica da transformação radical do mundo do vídeo em tempos de internet. “Nós estamos pivotando (usando uma expressão típica do mundo das startups) de volta para os nossos primeiros amores, que são as notícias e o esporte – coisas que se assiste em tempo real”. Complementou dizendo: “Somos conscientes que a maneira como as pessoas veem entretenimento roteirizado mudou. É difícil de monetizar. Isso acontece como resultado das mudanças tecnológicas e dos hábitos da audiência”

Traduzindo, o mundo das imagens em movimento tem dois modelos de negócios possíveis: a do broadcasting monetizado pela publicidade e a das histórias com script, bancadas por assinaturas.

No primeiro universo está a TV tradicional que compete diretamente com o Facebook, o YouTube e outras propriedades do Google pela audiência e pelo dinheiro das empresas. Como se sabe, esse jogo está sendo vencido, de maneira acelerada, pelas plataformas de tecnologia. Em vários lugares do mundo, inclusive o Brasil, o mercado de marketing digital já é maior que a TV. Há, obviamente, um risco crescente de concentração de dinheiro e poder nas mãos de um oligopólio tecnológico.

No segundo modelo, a referência é o Netflix. Por algum tempo pensamos que o serviço seria o agregador dominante de conteúdos da maioria dos estúdios. Vários acontecimentos recentes demonstram que não já não é mais o caso e que o mercado de streaming vai se fragmentar de maneira definitiva, pelo menos por algum tempo.

Além da compra da Fox pela Disney, temos a aquisição da Time Warner pela AT&T anunciada em outubro de 2016. O departamento de Justiça norte-americano deu mostras de que não vai aprovar fácil nem rápido o negócio. Uma primeira decisão deve sair apenas em março e uma briga judicial pode acontecer logo após, dependendo do veredito.

Se a fusão vertical entre uma empresa de telecom e uma de conteúdo está passando por dificuldades, a fusão horizontal entre Disney e Fox corre risco ampliado. O grande argumento pela aprovação é que há novos e poderosos concorrentes que são os gigantes de tecnologia. Suspeito que pode demorar, mas que a onda de associações é irreversível e irremediável.

Sintomaticamente, o presidente Trump, que favoreceu as empresas de telecomunicações flexibilizando, recentemente, a neutralidade da rede, é contra a fusão AT&T/Time Warner, mas já deu sinais favoráveis ao casamento da Disney com a Fox. É bem possível que possa ter pesado o fato de que de um lado está a CNN (que critica o presidente) que pertence à Time Warner e do outro está a Fox (que, em geral, o elogia).

No Brasil, o embate, guardadas as devidas proporções, é o mesmo. O Grupo Globo anunciou que vai lançar seu serviço de streaming no terceiro trimestre de 2018 juntando Rede Globo e canais da Globosat, como Multishow, Universal, SporTV e Playboy. Quando a Netflix veio para o Brasil, a Globo foi abordada e não quis fornecer seu conteúdo.

A Netflix tem seis anos de Brasil e, estima-se, cerca de 6 milhões de usuários. Seria o terceiro maior mercado mundial do serviço. Por razões inexplicáveis, todas as plataformas recusam-se a fornecer dados locais. Ted Sarandos, diretor mundial de conteúdo, esteve no Brasil, reuniu produtores locais e disse que quer financiar 20 séries brasileiras por ano. Atualmente, tem uma lançada (a série 3%) e três em produção. Sinal claro da vontade de concorrer forte em terras tropicais.

Uma pesquisa recente do site Mobile Time mostra que 1/3 dos usuários de aparelhos móveis já paga por serviços de streaming. Um crescimento de 24% para 32%, ou 8 pontos percentuais, em apenas 6 meses. Um sinal de que aqui, como no mundo, as pessoas estão, cada vez mais, dispostas a pagar por conteúdo na internet. Uma mudança clara de costumes quando comparado com alguns anos atrás.

A mesma pesquisa mostra que a Netflix tem 64% de mercado contra 19% do Spotify e, apenas, 4% do GloboPlay. É certo que a Globo tem uma audiência não paga muito maior. É o que ela chama de 100 milhões de Uns, em campanha publicitária recente. É claro, também, que com o anúncio do serviço de streaming – que teria o obvio codinome interno de Globoplix – o objetivo é tomar parte importante do mercado do líder. É obvio, finalmente, que a importância que a Netflix está pondo no Brasil significa que a disputa vai ser árdua.

Além disso, a disputa não vai se limitar aos dois. A HBO lançou o seu GO em novembro para assinantes que não têm TV por assinatura. Ainda é incipiente, mas seu conteúdo é poderoso. Inclui o popularíssimo Game of Thrones e outros como Família Soprano, Westworld e Big Little Lies.

Aqui como acolá, com a fragmentação, o jogo não é mais de agregação de material de terceiros, mas sim o desenvolvimento de produção própria, que é cara, complicada e difícil de atingir e manter a qualidade esperada pela audiência. A Netflix tem planos de gastar 8 bilhões de dólares este ano e atingir 50% de produção original no seu acervo.

A Amazon, que já está no Brasil há um ano sem ser relevante, ganhou dois Oscars com Manchester by the Sea e produziu Roda Gigante, o último filme de Woody Allen, em cartaz no Brasil. O Facebook está redesenhando o seu “Watch” e fez acordo com Vox Media, BuzzFeed e outros para começar a produzir conteúdos roteirizados e não roteirizados. O YouTube lançou o YouTube Red para assinantes e tem o poder do Google para fazer os investimentos necessários e brigar também pelo dinheiro dos assinantes.

Alguma dúvida de que é briga de cachorro grande? A boa notícia para os consumidores é que não vamos ter uma companhia dominante como acontece em buscas com o Google; em redes sociais com o Facebook ou mesmo um oligopólio, como acontece em música com Spotify, Apple Music e Deezer. É só comparar o tamanho da Netflix, com 110 milhões de usuários no mundo com os mais de 2 bilhões de usuários ativos do Facebook.

Por outro lado, não é razoável supor que vamos pagar por 4 ou 5 serviços de streaming, ao mesmo tempo, para termos todo o conteúdo que nos interessa. Os preços hoje variam de 15 a 40 reais por mês e é possível prever que vão subir mais à medida que cresça o custo das produções próprias. É bem provável que depois da fragmentação venha uma fase de associações e consolidações.

Quando esteve no Brasil, Ted Sarandos, da Netflix, disse que “o plano não é levar Hollywood ao mundo, mas sim produções locais para todos os países”.

Os nossos hábitos mudaram. Queremos ver filmes, séries e qualquer conteúdo roteirizado onde quisermos e como quisermos. Estamos também dispostos a pagar por isso, desde que o preço seja razoável. Quem vai ser o dono da nossa atenção, do nosso dinheiro e saber do que gostamos e como nos emocionamos está em aberto. Quem vencer verá e saberá.