A extraordinária carta de Jeff Bezos
Em 12 de abril, Jeff Bezos publicou a sua Carta de 2016 para os acionistas da companhia. A carta é uma tradição desde 1997, ano da abertura do capital da Amazon. A edição deste ano foi especialmente feliz. Engana-se quem pensa que o texto, datado do ano que se encerrou, explica os resultados do passado. […]
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2017 às 11h57.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Em 12 de abril, Jeff Bezos publicou a sua Carta de 2016 para os acionistas da companhia. A carta é uma tradição desde 1997, ano da abertura do capital da Amazon. A edição deste ano foi especialmente feliz.
Engana-se quem pensa que o texto, datado do ano que se encerrou, explica os resultados do passado. É uma lição exemplar de como se faz estratégia e reforça a cultura organizacional nos tempos atuais. Vale a leitura integral, que pode ser encontrada no site corporativo da empresa.
Jeff começa dizendo que sempre lhe perguntam como seria o Dia 2. A expressão Dia 1 atravessa toda a história da empresa. Está na primeira carta, que sempre é enviada novamente com a publicação do ano, onde afirma que aquele era o Dia 1 da Internet. A rede mundial estava na sua infância. Mais tarde, virou o nome dos dois primeiros edifícios corporativos ocupados pela companhia em Seattle. Quando foi construída uma nova e moderna sede, um dos conjuntos, onde Bezos trabalha, conservou o nome de Dia 1.
Para não deixar dúvidas da importância simbólica da expressão, ele diz: “Dia 2 é estagnação. Seguido por irrelevância. Seguido por um declínio angustiante e doloroso. Seguido por morte”. A hipérbole é, obviamente, proposital. Bezos quer que os acionistas continuem financiando a companhia como se ela estivesse apenas começando. Com um valor de mercado de mais de 400 bilhões de dólares é a quinta corporação mais valiosa do mundo. Nenhuma outra companhia vale tanto tendo tão pouco lucro: mais de 90% do seu valor é devido a resultados esperados para depois de 2020. Dia 1 significa que crescer continua sendo mais importante do que ganhar dinheiro, como era no início.
A seguir a carta lista quatro recomendações para que o Dia 1 nunca morra: a obsessão por clientes; uma visão cética de “proxies”; a adoção insaciável de tendências externas; e a velocidade na tomada de decisões.
Escrevo a seguir sobre as duas primeiras, já que as duas últimas são mais obvias.
A Amazon foi a primeira, e uma das poucas, companhias inovadoras a usar a palavra obsessão associada a clientes. Já está na primeira carta. Em geral, usa-se termos menos fortes como “client centricity” e outros similares. Obsessão não deixa nenhuma dúvida sobre o quão preocupado, obstinado e obcecado ele é com esta questão. Em suas próprias palavras: “ A obsessão por clientes é de longe a melhor e mais vital forma de proteção do Dia 1. Os clientes são sempre lindamente, maravilhosamente, insatisfeitos. Mesmo quando se dizem satisfeitos e os negócios estão indo bem eles querem algo significativamente melhor”.
A mensagem é clara e implica em uma cultura de colocar o cliente indiscutivelmente e ostensivamente acima de tudo, com todos os efeitos colaterais que isso posso acarretar. A Amazon foi acusada, algumas vezes de manter condições de trabalho inadequadas em seus centros de distribuição e também de negociar impiedosamente com fornecedores e parceiros. Tudo é valido para que o cliente pague o menor preço e seja atendido no menor prazo possível. A companhia levou para a internet a mesma cultura que a Walmart tinha nas suas lojas físicas. Uma cópia proposital e competente.
Em seguida Jeff explica seu ódio por proxies, com o significado de representantes ou intermediários inadequados da real criação de valor na execução de tarefas e na relação com clientes. Exemplifica com as pesquisas de mercado e os “focus group”: “Bons inventores e designers entendem profundamente seus clientes. Eles dedicam uma enorme quantidade de energia para desenvolver este instinto. Uma experiência singular começa com coração, intuição, curiosidade, diversão e coragem. Não se encontra nada disso em uma pesquisa”. Steve Jobs foi o primeiro a defender a conexão direta com os consumidores. Afirmava que as pessoas não sabem o que querem até serem apresentados ao produto e serviço inovador.
Outra proxy rejeitada por Bezos é o famigerado processo. Argumenta que é comum encontrar executivos justificando soluções erradas só pelo fato de que o processo foi seguido como concebido. “Bons processos servem você para que você possa servir bem os clientes”.
É uma manifestação que ganha um sabor especial na semana em que a United Airlines retirou, à força, de um de seus voos um passageiro que já tinha embarcado, para que tripulantes pudessem viajar. A primeira reação do CEO, Oscar Muñoz, foi culpar o passageiro e dizer que os funcionários “seguiram os procedimentos previstos para lidar com situações como estas”. Em outras palavras: a obsessão pelo processo. Depois que as ações caíram, as redes sociais explodiram, e a ameaça de boicote dos passageiros chineses cresceu, o presidente finalmente se declarou envergonhado e afirmou que ia “mudar o processo”.
A carta, como se vê, tem muitos méritos. O maior deles é encontrar uma forma criativa de contar para os acionistas, para os colaboradores e para o mundo qual é a estratégia e a cultura da organização. Há algum tempo as corporações penam para encontrar uma maneira de exprimir estes aspectos de maneira aderente com os mutantes tempos atuais.
Os antigos “missão, visão e valores” ficaram como palavras emboloradas e emolduradas que significam meras expressões obvias em relação a um ambiente externo que muda a toda hora. Mais recentemente virou moda a criação de propósitos simples ou até aqueles transformadores massivos das organizações exponenciais. Eles também têm a limitação de serem estáticos em um tempo de mudanças permanentes.
Querer que a Amazon seja vista como se estivesse apenas começando é uma grande sacada narrativa. É também um desafio quase absurdamente difícil. Com 360.000 empregados e 140 bilhões de dólares anuais de faturamento é uma gigante em todas suas dimensões. Analistas preveem que ela pode ser a única empresa na história a crescer mais do que 15% ao ano por mais de uma década. Já há quem diga que será a primeira corporação a valer 1 trilhão de dólares.
Se é possível sonhar que um colosso desse porte tenha comportamento de startup, é também razoável esperar que nossas corporações mais tradicionais possam fazer o caminho inverso. De Dia 2 para Dia 1. Mudar a cultura para que sejam ágeis, inovadoras e criativas como se estivessem começando. Uma cultura base zero para o Dia 1 ou talvez apenas um devaneio causado pela leitura da carta do Jeff.
Em 12 de abril, Jeff Bezos publicou a sua Carta de 2016 para os acionistas da companhia. A carta é uma tradição desde 1997, ano da abertura do capital da Amazon. A edição deste ano foi especialmente feliz.
Engana-se quem pensa que o texto, datado do ano que se encerrou, explica os resultados do passado. É uma lição exemplar de como se faz estratégia e reforça a cultura organizacional nos tempos atuais. Vale a leitura integral, que pode ser encontrada no site corporativo da empresa.
Jeff começa dizendo que sempre lhe perguntam como seria o Dia 2. A expressão Dia 1 atravessa toda a história da empresa. Está na primeira carta, que sempre é enviada novamente com a publicação do ano, onde afirma que aquele era o Dia 1 da Internet. A rede mundial estava na sua infância. Mais tarde, virou o nome dos dois primeiros edifícios corporativos ocupados pela companhia em Seattle. Quando foi construída uma nova e moderna sede, um dos conjuntos, onde Bezos trabalha, conservou o nome de Dia 1.
Para não deixar dúvidas da importância simbólica da expressão, ele diz: “Dia 2 é estagnação. Seguido por irrelevância. Seguido por um declínio angustiante e doloroso. Seguido por morte”. A hipérbole é, obviamente, proposital. Bezos quer que os acionistas continuem financiando a companhia como se ela estivesse apenas começando. Com um valor de mercado de mais de 400 bilhões de dólares é a quinta corporação mais valiosa do mundo. Nenhuma outra companhia vale tanto tendo tão pouco lucro: mais de 90% do seu valor é devido a resultados esperados para depois de 2020. Dia 1 significa que crescer continua sendo mais importante do que ganhar dinheiro, como era no início.
A seguir a carta lista quatro recomendações para que o Dia 1 nunca morra: a obsessão por clientes; uma visão cética de “proxies”; a adoção insaciável de tendências externas; e a velocidade na tomada de decisões.
Escrevo a seguir sobre as duas primeiras, já que as duas últimas são mais obvias.
A Amazon foi a primeira, e uma das poucas, companhias inovadoras a usar a palavra obsessão associada a clientes. Já está na primeira carta. Em geral, usa-se termos menos fortes como “client centricity” e outros similares. Obsessão não deixa nenhuma dúvida sobre o quão preocupado, obstinado e obcecado ele é com esta questão. Em suas próprias palavras: “ A obsessão por clientes é de longe a melhor e mais vital forma de proteção do Dia 1. Os clientes são sempre lindamente, maravilhosamente, insatisfeitos. Mesmo quando se dizem satisfeitos e os negócios estão indo bem eles querem algo significativamente melhor”.
A mensagem é clara e implica em uma cultura de colocar o cliente indiscutivelmente e ostensivamente acima de tudo, com todos os efeitos colaterais que isso posso acarretar. A Amazon foi acusada, algumas vezes de manter condições de trabalho inadequadas em seus centros de distribuição e também de negociar impiedosamente com fornecedores e parceiros. Tudo é valido para que o cliente pague o menor preço e seja atendido no menor prazo possível. A companhia levou para a internet a mesma cultura que a Walmart tinha nas suas lojas físicas. Uma cópia proposital e competente.
Em seguida Jeff explica seu ódio por proxies, com o significado de representantes ou intermediários inadequados da real criação de valor na execução de tarefas e na relação com clientes. Exemplifica com as pesquisas de mercado e os “focus group”: “Bons inventores e designers entendem profundamente seus clientes. Eles dedicam uma enorme quantidade de energia para desenvolver este instinto. Uma experiência singular começa com coração, intuição, curiosidade, diversão e coragem. Não se encontra nada disso em uma pesquisa”. Steve Jobs foi o primeiro a defender a conexão direta com os consumidores. Afirmava que as pessoas não sabem o que querem até serem apresentados ao produto e serviço inovador.
Outra proxy rejeitada por Bezos é o famigerado processo. Argumenta que é comum encontrar executivos justificando soluções erradas só pelo fato de que o processo foi seguido como concebido. “Bons processos servem você para que você possa servir bem os clientes”.
É uma manifestação que ganha um sabor especial na semana em que a United Airlines retirou, à força, de um de seus voos um passageiro que já tinha embarcado, para que tripulantes pudessem viajar. A primeira reação do CEO, Oscar Muñoz, foi culpar o passageiro e dizer que os funcionários “seguiram os procedimentos previstos para lidar com situações como estas”. Em outras palavras: a obsessão pelo processo. Depois que as ações caíram, as redes sociais explodiram, e a ameaça de boicote dos passageiros chineses cresceu, o presidente finalmente se declarou envergonhado e afirmou que ia “mudar o processo”.
A carta, como se vê, tem muitos méritos. O maior deles é encontrar uma forma criativa de contar para os acionistas, para os colaboradores e para o mundo qual é a estratégia e a cultura da organização. Há algum tempo as corporações penam para encontrar uma maneira de exprimir estes aspectos de maneira aderente com os mutantes tempos atuais.
Os antigos “missão, visão e valores” ficaram como palavras emboloradas e emolduradas que significam meras expressões obvias em relação a um ambiente externo que muda a toda hora. Mais recentemente virou moda a criação de propósitos simples ou até aqueles transformadores massivos das organizações exponenciais. Eles também têm a limitação de serem estáticos em um tempo de mudanças permanentes.
Querer que a Amazon seja vista como se estivesse apenas começando é uma grande sacada narrativa. É também um desafio quase absurdamente difícil. Com 360.000 empregados e 140 bilhões de dólares anuais de faturamento é uma gigante em todas suas dimensões. Analistas preveem que ela pode ser a única empresa na história a crescer mais do que 15% ao ano por mais de uma década. Já há quem diga que será a primeira corporação a valer 1 trilhão de dólares.
Se é possível sonhar que um colosso desse porte tenha comportamento de startup, é também razoável esperar que nossas corporações mais tradicionais possam fazer o caminho inverso. De Dia 2 para Dia 1. Mudar a cultura para que sejam ágeis, inovadoras e criativas como se estivessem começando. Uma cultura base zero para o Dia 1 ou talvez apenas um devaneio causado pela leitura da carta do Jeff.