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A enigmática demissão de Sir Martin Sorrell da WPP

A saída de um titã da publicidade levanta questões sobre a transparência de empresas abertas e sobre os limites da onda "moralizante" do compliance

(Eric Gaillard/File Photo/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 27 de abril de 2018 às 10h52.

Última atualização em 27 de abril de 2018 às 12h01.

No dia 14 de abril Martin Sorrell pediu demissão da posição de CEO da WPP, o maior conglomerado mundial de marketing e publicidade. A saída aconteceu depois de uma investigação, iniciada pelo conselho, sobre comportamento impróprio e uso indevido de ativos da companhia. A acusação teria chegado ao conselho através de uma denúncia interna. Sorrell sempre negou taxativamente todas as acusações.

Como Sorrell e WPP foram sinônimos desde a criação da companhia em 1985, o anunciou gerou uma onda de curiosidade e especulações. Eu, que desde sempre, me interesso pela história de líderes e suas obras, fui assuntar o que poderia haver por trás de tão inusitado desfecho.

Antes, porém, reli o que sabia – e não me lembrava – da história do criador e da criatura. Sorrell é neto de imigrantes judeus, que vieram do leste europeu. Seu pai, Jack, foi gerente de uma cadeia de lojas de eletrodomésticos. Foi suficientemente bem-sucedido para permitir que o filho fizesse universidade no Christ College, em Cambridge, e MBA em Harvard.

Martin sempre achou que o pai queria ser empreendedor, mas nunca conseguiu e que ele teria o seu negócio próprio. Apesar disso, sua primeira posição relevante foi ser CFO, por 9 anos, da Saatchi & Saatchi, dos irmãos Maurice e Charles. Apesar de ter sido chamado de “terceiro irmão” e ajudado a empresa crescer, através de aquisições, nunca se sentiu efetivamente dono.

Depois de sair, com mais de 40 anos de idade, em 1985, fez um investimento na empresa Wire & Plastics Products, que fabricava cestas de arame e carrinhos de supermercado. Renomeou a companhia para WPP e começou a comprar empresas de publicidade. A primeira foi uma aquisição hostil da JW Thompson em 87 por US$ 600 milhões. Em seguida, também de maneira hostil, arrematou a Ogilvy & Mather por US$ 900 milhões. Continuou comprando até que, no início deste século, incorporou a Young & Rubicam por US$ 5.6 bilhões.

O legendário David Ogilvy reagiu ao assalto inesperado chamando-o de “odious little shit”, em referência a sua baixa estatura. Sorrel tem 1,68 e, orgulhosamente, diz que é a mesma altura de Napoleão. Ogilvy se retratou posteriormente. Virou chairman da WPP e afirmou que passou a gostar de Sorrell depois que o conheceu.

A WPP faturou em 2017 mais de 20 bilhões de dólares e por qualquer dimensão que se avalie é uma prodigiosa criação de um líder carismático. Fazem parte do conglomerado mais de 400 companhias em mais de 100 países. Além das marcas acima, é dona da Hill & Knowlton, Burson-Masteller e Kantar (da Ibope Media), todas com presença significativa no Brasil.

O que teria se passado para resultar em um final tão infeliz? Que lições tirar desta história? O que os livros vão registrar daqui no futuro? Arrisco algumas possibilidades, a seguir.

Seria esta crônica uma lição afirmativa de como a governança das grandes corporações melhoraram e exercem um controle muito mais efetivo sobre os seus administradores? Afinal, depois de vários grandes escândalos corporativos – começando pela Enron em 2001 – os reguladores e a opinião pública ficaram ávidos por mais rigidez nos sistemas de conformidade.

O caso encaixa-se bem nessa expectativa. Houve uma denúncia. O conselho contratou uma empresa independente de investigação e o CEO foi obrigado a tomar a decisão de sair, argumentando que era para o bem da companhia.

A alegação contrária também tem sua validade. Não teria o conselho exagerado no tratamento de seu fundador e líder atemporal? A onda moralizante do “compliance” não teria passado dos limites? Também há indícios de que isso possa ter acontecido. Quando a investigação vazou, a empresa informou que o “desvio não era material”. Embora, propositalmente, não tenha havido explicação sobre o significado de “material”, demitir um líder icônico, por uma impropriedade imaterial, pode parecer um exagero.

Em 2010 houve o caso da saída do CEO da HP, Mark Hurd. Depois de uma denúncia de assédio sexual, o conselho também contratou uma empresa independente, que concluiu que a acusação de assédio não fazia sentido. Mas, que o executivo tinha violado o código de conduta da companhia, debitando valores indevidos no seu relatório de despesas. Os últimos anos da HP, sob a liderança de Hurd tinham sido muito bons. Larry Ellison, fundador e CEO da Oracle, declarou que a HP estava cometendo uma insanidade demitindo-o e decidiu contratá-lo logo em seguida. Mark é hoje um dos co-CEO´s da Oracle. A lição se aplicaria ao affair Martin Sorrel/WPP ou é outro o enredo? Difícil saber.

Outro ângulo a ser a analisado é o nível de transparência que uma corporação, com ações em bolsa, deve ter. É razoável concordar que os conselheiros devem e precisam proteger a empresa contra vazamentos que prejudiquem seus negócios. A WPP assinou um “NDA estrito” com Sorrell, em que as partes se comprometem a não divulgar o resultado das apurações.

Por outro lado, também é lógico argumentar que acionistas e clientes gostariam de mais transparência. No acordo, o caso foi tratado como uma aposentadoria ao invés de uma renúncia, lhe foi permitido auxiliar na transição e manter os ganhos futuros em ações a que teria direito. As estimativas do benefício chegam a US$ 20 milhões.

Outro aspecto do caso tem a ver com a sucessão de cargos estratégicos. É do manual da boa governança que CEO´s tenham a sua sucessão planejada. Em muitos casos há um limite de idade para que a mudança aconteça. Martin tem 73 anos e foi substituído por 3 executivos. O presidente do conselho assumiu como CEO e dois outros diretores acumularam a posição de COO (Chief Operating Officer). Está claro que não havia plano de sucessão.

A justificativa contrária é que, com o aumento da longevidade, os limites de idade estão ficando anacrônicos. Estamos vendo cada vez mais CEO´s, em plena forma, com mais de 70 anos de idade. A revista Fortune lista 10 CEO´s acima de 75 anos de idade entre as suas 500 maiores empresas. O mais notório deles é Warren Buffet que tem 86. Larry Ellison, da Oracle, tem 73, como Sorrell. Ambos, Buffet e Ellison, quando pressionados para definir seus sucessores, desconversam.

Como ilustração de que Martin tem ainda muita energia vital, casou-se novamente, em 2008 – depois de um ruidoso e caro divórcio de sua primeira mulher – com a executiva do World Economic Forum, Cristiana Falcone. O casal tem uma filha, Bianca, de 1 ano e meio de idade, que nasceu no dia em que Trump foi eleito presidente, em novembro de 2016.

Por último, e não menos relevante, Sorrell pode ter sido demitido porque os negócios iam mal e a WPP havia perdido 1/3 do seu valor de mercado no último ano. É uma justificativa bastante plausível. O setor de agências de marketing e publicidade passa por uma disrupção aguda. Com muito do volume investido passando para as plataformas de tecnologia – Google e Facebook – é muito mais fácil e barato o anunciante fazer a compra diretamente. As grandes marcas estão cortando muito do investimento em propaganda tradicional e testando outros formatos. Com o marketing ficando digital e baseado em dados apareceram concorrentes novos como as grandes consultorias, Accenture e Deloitte entre eles.

Sorrell seria um CEO “old fashion”, inadequado para liderar a transição para um modelo novo de agência, muito mais baseada na tecnologia do que na criatividade. Pode ser. No entanto, não há nenhuma evidência de que ele não estava preparado para o desafio. Declarou recentemente, que suas empresas estavam vendendo serviços – mídia, dados e digital – que não tinham nada a ver com a publicidade do tempo de Don Draper, herói da conhecida série Mad Man, que se passava nos anos 60 e 70 do século passado.

Também afirmou, há cerca de 1 ano, que o que lhe tirava o sono, não era a filha recém-nascida, mas a Amazon pela quantidade de dados que a gigante do comércio eletrônico estava armazenando dos clientes na hora exata da compra, ao contrário de Google e Facebook que sabem mais da intenção do que do ato. Sinais claros que sabia a fria em que estava metido.

O que concluir? Esta história tem uma moral ou tem várias possibilidades de moral? Será que quando e se tivermos mais informações chegaremos mais perto da verdade ou de uma narrativa lógica e racional desta incrível jornada de um líder inato construindo um império empresarial? Temo que não. A realidade é cada vez mais misteriosa e cheia de surpresas, como são os filmes e as séries.

Quando foi nomeado cavaleiro e recebeu o título de Sir da rainha, Martin Sorrell escolheu “Persistência e Velocidade”, em latim, para o seu brasão. Quando perguntado, no ano passado, em uma entrevista, quando sairia da WPP, respondeu: “Eu ficarei aqui até eles me acertarem”. Foi o que fizeram. Terminou sua carta de despedida com um “Boa sorte e fiquem com Deus…e agora de volta ao futuro!”

O roteiro para o Mad Man do século XXI está pronto. Martin Sorrell é o novo Don Draper.

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No dia 14 de abril Martin Sorrell pediu demissão da posição de CEO da WPP, o maior conglomerado mundial de marketing e publicidade. A saída aconteceu depois de uma investigação, iniciada pelo conselho, sobre comportamento impróprio e uso indevido de ativos da companhia. A acusação teria chegado ao conselho através de uma denúncia interna. Sorrell sempre negou taxativamente todas as acusações.

Como Sorrell e WPP foram sinônimos desde a criação da companhia em 1985, o anunciou gerou uma onda de curiosidade e especulações. Eu, que desde sempre, me interesso pela história de líderes e suas obras, fui assuntar o que poderia haver por trás de tão inusitado desfecho.

Antes, porém, reli o que sabia – e não me lembrava – da história do criador e da criatura. Sorrell é neto de imigrantes judeus, que vieram do leste europeu. Seu pai, Jack, foi gerente de uma cadeia de lojas de eletrodomésticos. Foi suficientemente bem-sucedido para permitir que o filho fizesse universidade no Christ College, em Cambridge, e MBA em Harvard.

Martin sempre achou que o pai queria ser empreendedor, mas nunca conseguiu e que ele teria o seu negócio próprio. Apesar disso, sua primeira posição relevante foi ser CFO, por 9 anos, da Saatchi & Saatchi, dos irmãos Maurice e Charles. Apesar de ter sido chamado de “terceiro irmão” e ajudado a empresa crescer, através de aquisições, nunca se sentiu efetivamente dono.

Depois de sair, com mais de 40 anos de idade, em 1985, fez um investimento na empresa Wire & Plastics Products, que fabricava cestas de arame e carrinhos de supermercado. Renomeou a companhia para WPP e começou a comprar empresas de publicidade. A primeira foi uma aquisição hostil da JW Thompson em 87 por US$ 600 milhões. Em seguida, também de maneira hostil, arrematou a Ogilvy & Mather por US$ 900 milhões. Continuou comprando até que, no início deste século, incorporou a Young & Rubicam por US$ 5.6 bilhões.

O legendário David Ogilvy reagiu ao assalto inesperado chamando-o de “odious little shit”, em referência a sua baixa estatura. Sorrel tem 1,68 e, orgulhosamente, diz que é a mesma altura de Napoleão. Ogilvy se retratou posteriormente. Virou chairman da WPP e afirmou que passou a gostar de Sorrell depois que o conheceu.

A WPP faturou em 2017 mais de 20 bilhões de dólares e por qualquer dimensão que se avalie é uma prodigiosa criação de um líder carismático. Fazem parte do conglomerado mais de 400 companhias em mais de 100 países. Além das marcas acima, é dona da Hill & Knowlton, Burson-Masteller e Kantar (da Ibope Media), todas com presença significativa no Brasil.

O que teria se passado para resultar em um final tão infeliz? Que lições tirar desta história? O que os livros vão registrar daqui no futuro? Arrisco algumas possibilidades, a seguir.

Seria esta crônica uma lição afirmativa de como a governança das grandes corporações melhoraram e exercem um controle muito mais efetivo sobre os seus administradores? Afinal, depois de vários grandes escândalos corporativos – começando pela Enron em 2001 – os reguladores e a opinião pública ficaram ávidos por mais rigidez nos sistemas de conformidade.

O caso encaixa-se bem nessa expectativa. Houve uma denúncia. O conselho contratou uma empresa independente de investigação e o CEO foi obrigado a tomar a decisão de sair, argumentando que era para o bem da companhia.

A alegação contrária também tem sua validade. Não teria o conselho exagerado no tratamento de seu fundador e líder atemporal? A onda moralizante do “compliance” não teria passado dos limites? Também há indícios de que isso possa ter acontecido. Quando a investigação vazou, a empresa informou que o “desvio não era material”. Embora, propositalmente, não tenha havido explicação sobre o significado de “material”, demitir um líder icônico, por uma impropriedade imaterial, pode parecer um exagero.

Em 2010 houve o caso da saída do CEO da HP, Mark Hurd. Depois de uma denúncia de assédio sexual, o conselho também contratou uma empresa independente, que concluiu que a acusação de assédio não fazia sentido. Mas, que o executivo tinha violado o código de conduta da companhia, debitando valores indevidos no seu relatório de despesas. Os últimos anos da HP, sob a liderança de Hurd tinham sido muito bons. Larry Ellison, fundador e CEO da Oracle, declarou que a HP estava cometendo uma insanidade demitindo-o e decidiu contratá-lo logo em seguida. Mark é hoje um dos co-CEO´s da Oracle. A lição se aplicaria ao affair Martin Sorrel/WPP ou é outro o enredo? Difícil saber.

Outro ângulo a ser a analisado é o nível de transparência que uma corporação, com ações em bolsa, deve ter. É razoável concordar que os conselheiros devem e precisam proteger a empresa contra vazamentos que prejudiquem seus negócios. A WPP assinou um “NDA estrito” com Sorrell, em que as partes se comprometem a não divulgar o resultado das apurações.

Por outro lado, também é lógico argumentar que acionistas e clientes gostariam de mais transparência. No acordo, o caso foi tratado como uma aposentadoria ao invés de uma renúncia, lhe foi permitido auxiliar na transição e manter os ganhos futuros em ações a que teria direito. As estimativas do benefício chegam a US$ 20 milhões.

Outro aspecto do caso tem a ver com a sucessão de cargos estratégicos. É do manual da boa governança que CEO´s tenham a sua sucessão planejada. Em muitos casos há um limite de idade para que a mudança aconteça. Martin tem 73 anos e foi substituído por 3 executivos. O presidente do conselho assumiu como CEO e dois outros diretores acumularam a posição de COO (Chief Operating Officer). Está claro que não havia plano de sucessão.

A justificativa contrária é que, com o aumento da longevidade, os limites de idade estão ficando anacrônicos. Estamos vendo cada vez mais CEO´s, em plena forma, com mais de 70 anos de idade. A revista Fortune lista 10 CEO´s acima de 75 anos de idade entre as suas 500 maiores empresas. O mais notório deles é Warren Buffet que tem 86. Larry Ellison, da Oracle, tem 73, como Sorrell. Ambos, Buffet e Ellison, quando pressionados para definir seus sucessores, desconversam.

Como ilustração de que Martin tem ainda muita energia vital, casou-se novamente, em 2008 – depois de um ruidoso e caro divórcio de sua primeira mulher – com a executiva do World Economic Forum, Cristiana Falcone. O casal tem uma filha, Bianca, de 1 ano e meio de idade, que nasceu no dia em que Trump foi eleito presidente, em novembro de 2016.

Por último, e não menos relevante, Sorrell pode ter sido demitido porque os negócios iam mal e a WPP havia perdido 1/3 do seu valor de mercado no último ano. É uma justificativa bastante plausível. O setor de agências de marketing e publicidade passa por uma disrupção aguda. Com muito do volume investido passando para as plataformas de tecnologia – Google e Facebook – é muito mais fácil e barato o anunciante fazer a compra diretamente. As grandes marcas estão cortando muito do investimento em propaganda tradicional e testando outros formatos. Com o marketing ficando digital e baseado em dados apareceram concorrentes novos como as grandes consultorias, Accenture e Deloitte entre eles.

Sorrell seria um CEO “old fashion”, inadequado para liderar a transição para um modelo novo de agência, muito mais baseada na tecnologia do que na criatividade. Pode ser. No entanto, não há nenhuma evidência de que ele não estava preparado para o desafio. Declarou recentemente, que suas empresas estavam vendendo serviços – mídia, dados e digital – que não tinham nada a ver com a publicidade do tempo de Don Draper, herói da conhecida série Mad Man, que se passava nos anos 60 e 70 do século passado.

Também afirmou, há cerca de 1 ano, que o que lhe tirava o sono, não era a filha recém-nascida, mas a Amazon pela quantidade de dados que a gigante do comércio eletrônico estava armazenando dos clientes na hora exata da compra, ao contrário de Google e Facebook que sabem mais da intenção do que do ato. Sinais claros que sabia a fria em que estava metido.

O que concluir? Esta história tem uma moral ou tem várias possibilidades de moral? Será que quando e se tivermos mais informações chegaremos mais perto da verdade ou de uma narrativa lógica e racional desta incrível jornada de um líder inato construindo um império empresarial? Temo que não. A realidade é cada vez mais misteriosa e cheia de surpresas, como são os filmes e as séries.

Quando foi nomeado cavaleiro e recebeu o título de Sir da rainha, Martin Sorrell escolheu “Persistência e Velocidade”, em latim, para o seu brasão. Quando perguntado, no ano passado, em uma entrevista, quando sairia da WPP, respondeu: “Eu ficarei aqui até eles me acertarem”. Foi o que fizeram. Terminou sua carta de despedida com um “Boa sorte e fiquem com Deus…e agora de volta ao futuro!”

O roteiro para o Mad Man do século XXI está pronto. Martin Sorrell é o novo Don Draper.

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