A dominação do Google e Facebook passou dos limites?
As últimas semanas foram férteis em publicações e discussões sugerindo que algum controle ou limite precisa ser imposto ao poder, praticamente monopolista, do Google e Facebook. Começou com a publicação do relatório “As 30 maiores empresas de mídia no mundo”, da empresa de pesquisa Zenith do Grupo Publicis. Os números mostram que em 2016, Google […]
Da Redação
Publicado em 12 de maio de 2017 às 13h38.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h19.
As últimas semanas foram férteis em publicações e discussões sugerindo que algum controle ou limite precisa ser imposto ao poder, praticamente monopolista, do Google e Facebook.
Começou com a publicação do relatório “As 30 maiores empresas de mídia no mundo”, da empresa de pesquisa Zenith do Grupo Publicis. Os números mostram que em 2016, Google e Facebook juntos já perfaziam 20% de todo o bolo publicitário mundial e 60% do digital. São números graúdos: 79 bilhões de dólares para o Google e 27 bilhões para o Facebook. No agregado são mais de 100 bilhões para um mercado global de 532 bilhões. Como esperado, no ano passado o digital já passou a TV, que foi a mídia dominante por muitos e muitos anos.
Mais impressionante ainda é que de 2012 a 2016 as duas plataformas de tecnologia foram responsáveis por mais de 2/3 do crescimento dos investimentos publicitários realizados globalmente. Em outras palavras, estamos assistindo a uma migração acelerada do dinheiro dos meios tradicionais para o digital. E nesse novo mundo a parte do leão é controlada pelos dois gigantes.
No Brasil, os números são similares. Segundo publicação recente do IAB – entidade que congrega as mídias digitais– o digital chegou à cerca de 25 % do total, cresceu 26% em 2016 e deverá passar a TV em 2017. Também aqui Google e Facebook são dominantes,
Coincidência ou não, o artigo de capa da semana passada, da revista The Economist tem os seguintes títulos e subtítulos: “O recurso mais valioso do mundo”. “Abundantes fluxos de dados dão um poder extraordinário a determinadas empresas. Para mantê-las sob controle as regras de defesa da concorrência precisam se atualizar”.
Também a revista Veja, da última semana, trouxe um artigo com títulos e argumentos similares: “Os monstros digitais”. “O domínio esmagador do Google e Facebook no mercado traz um desafio inédito para autoridades mundiais que cuidam da concorrência comercial”.
O circo está armado. O espetáculo está apenas começando. Os números e a reação se justificam pela aceleração da transformação das plataformas digitais. Estamos chegando a um ponto de saturação e inflexão. Os fenômenos são conhecidos, mas o seu efeito acumulado é arrasador.
Em resumo, somos testemunhas de uma proliferação gigantesca no armazenamento de dados que registram todo tipo de interação de pessoas e objetos com as plataformas. Ao mesmo tempo, a capacidade de processá-los e extrair inteligência e insight foi impulsionado maciçamente pela evolução da computação cognitiva e pela inteligência artificial.
O conhecido efeito rede, que já era uma ocorrência característica do mundo digital, se intensificou substancialmente. Está gerando um círculo virtuoso em que o processamento inteligente de dados melhora a experiência e a produtividade dos usuários fazendo com que passem mais tempo nas plataformas e que mais usuários sejam atraídos. Com mais gente e mais tempo, mais dados são armazenados e assim indefinidamente. O efeito rede acelerado exponencialmente.
Por fim, para completar, o conhecimento das preferências e hábitos dos consumidores, na sua jornada pela rede, faz com que a eficiência da publicidade dirigida fique imbatível quando comparada com as mídias tradicionais, que tem muito menos métricas que garantam sua eficiência. Não precisa ser nenhum Sherlock para chegar à conclusão elementar de que a concentração do bolo publicitário só começou.
Se você pensou em monopólio é isso mesmo que está na cabeça de todos. Ambos os artigos comparam a matéria prima digital – os dados e a sua capacidade de processamento – ao que foi o petróleo no início do século passado. Também concluem que ao contrário do petróleo não é possível quebrar as empresas em pedaços. Uma delas rapidamente se tornaria dominante novamente. O digital, pelo efeito rede, é um monopólio natural típico dos mercados “winner takes it all”.
Para garantir que novos entrantes não ameacem, possíveis competidores são comprados por preços irrecusáveis, como foram os casos do Instagram e WhatsApp pelo Facebook e Waze pelo Google. Há notáveis exceções, que resistem como o Snapchat, mas a rapidez com que Facebook e Instagram estão copiando suas principais inovações – como o Stories – é impressionante.
Isto posto, o veredito de culpado já poderia ser estabelecido e a polícia concorrencial imediatamente chamada. Ledo engano. Não só o arsenal anti-trust não está preparado para esta nova era como não há como mexer impunemente neste vespeiro sem afetar a inovação. Melhor dizendo, há inovações que são praticamente imparáveis.
Se o mestre original da inovação, Joseph Schumpeter, estivesse vivo diria que para combater monopólios naturais só com mais inovação. Uma esperança seria que a concorrência viesse de dentro do próprio sistema. Apple, Microsoft e Amazon completam, junto com Google e Facebook, o quinteto das corporações mais valiosas do mundo.
Apple tem 250 bilhões de dólares em caixa e há rumores de que tenha interesse, nada mais nada menos, por Disney, Tesla e Netflix. Amazon, que acumula dados ainda mais valiosos, por estarem associados ao instante da compra, já fatura 2 bilhões de dólares de publicidade e deixa sem dormir Sir Martin Sorrell da WPP. Microsoft está recuperando seu antigo vigor inovador e está também com o caixa abarrotado. É dono do LinkedIn, rede que cresce em influência por estar associada a um valor cada vez mais escasso nos tempos atuais: o trabalho.
Além disso, temos as empresas de telecom comprando suas parceiras de conteúdo, como é o caso da AT&T com a Time Warner e da Verizon com AOL e Yahoo. Companhias que tem relação direta com o usuário, acumulam dados e vendem publicidade. Até empresas tipicamente B2B, como Oracle, resolveram comprar empresas de intermediação e medição da publicidade. Onde há tendência de monopólio e lucros crescentes há atração de concorrentes ávidos por um pedaço do tesouro.
O que o futuro nos reserva? Difícil saber. Se fosse possível, por coerção ou competição, sonhar com um mundo impecável ele seria assim:
· Pessoas com conhecimento e controle sobre seus dados podendo transferi-los para onde quisessem.
· Algoritmos que decidem o que devemos ler ou ver que sejam conhecidos e transparentes.
· Governos que disponibilizam seus dados para startups produzirem aplicativos de utilidade pública e social.
· Muitas novas plataformas tecnológicas que sejam competitivas entre si, produtoras de conteúdos criativos e que dividam democraticamente as verbas publicitarias.
· Uma mídia tradicional que se transformou, encontrou seu modelo de negócios, recuperou seu apelo para a publicidade e é o melhor antídoto para as notícias falsas.
É o meu sonho de uma noite de outono.
As últimas semanas foram férteis em publicações e discussões sugerindo que algum controle ou limite precisa ser imposto ao poder, praticamente monopolista, do Google e Facebook.
Começou com a publicação do relatório “As 30 maiores empresas de mídia no mundo”, da empresa de pesquisa Zenith do Grupo Publicis. Os números mostram que em 2016, Google e Facebook juntos já perfaziam 20% de todo o bolo publicitário mundial e 60% do digital. São números graúdos: 79 bilhões de dólares para o Google e 27 bilhões para o Facebook. No agregado são mais de 100 bilhões para um mercado global de 532 bilhões. Como esperado, no ano passado o digital já passou a TV, que foi a mídia dominante por muitos e muitos anos.
Mais impressionante ainda é que de 2012 a 2016 as duas plataformas de tecnologia foram responsáveis por mais de 2/3 do crescimento dos investimentos publicitários realizados globalmente. Em outras palavras, estamos assistindo a uma migração acelerada do dinheiro dos meios tradicionais para o digital. E nesse novo mundo a parte do leão é controlada pelos dois gigantes.
No Brasil, os números são similares. Segundo publicação recente do IAB – entidade que congrega as mídias digitais– o digital chegou à cerca de 25 % do total, cresceu 26% em 2016 e deverá passar a TV em 2017. Também aqui Google e Facebook são dominantes,
Coincidência ou não, o artigo de capa da semana passada, da revista The Economist tem os seguintes títulos e subtítulos: “O recurso mais valioso do mundo”. “Abundantes fluxos de dados dão um poder extraordinário a determinadas empresas. Para mantê-las sob controle as regras de defesa da concorrência precisam se atualizar”.
Também a revista Veja, da última semana, trouxe um artigo com títulos e argumentos similares: “Os monstros digitais”. “O domínio esmagador do Google e Facebook no mercado traz um desafio inédito para autoridades mundiais que cuidam da concorrência comercial”.
O circo está armado. O espetáculo está apenas começando. Os números e a reação se justificam pela aceleração da transformação das plataformas digitais. Estamos chegando a um ponto de saturação e inflexão. Os fenômenos são conhecidos, mas o seu efeito acumulado é arrasador.
Em resumo, somos testemunhas de uma proliferação gigantesca no armazenamento de dados que registram todo tipo de interação de pessoas e objetos com as plataformas. Ao mesmo tempo, a capacidade de processá-los e extrair inteligência e insight foi impulsionado maciçamente pela evolução da computação cognitiva e pela inteligência artificial.
O conhecido efeito rede, que já era uma ocorrência característica do mundo digital, se intensificou substancialmente. Está gerando um círculo virtuoso em que o processamento inteligente de dados melhora a experiência e a produtividade dos usuários fazendo com que passem mais tempo nas plataformas e que mais usuários sejam atraídos. Com mais gente e mais tempo, mais dados são armazenados e assim indefinidamente. O efeito rede acelerado exponencialmente.
Por fim, para completar, o conhecimento das preferências e hábitos dos consumidores, na sua jornada pela rede, faz com que a eficiência da publicidade dirigida fique imbatível quando comparada com as mídias tradicionais, que tem muito menos métricas que garantam sua eficiência. Não precisa ser nenhum Sherlock para chegar à conclusão elementar de que a concentração do bolo publicitário só começou.
Se você pensou em monopólio é isso mesmo que está na cabeça de todos. Ambos os artigos comparam a matéria prima digital – os dados e a sua capacidade de processamento – ao que foi o petróleo no início do século passado. Também concluem que ao contrário do petróleo não é possível quebrar as empresas em pedaços. Uma delas rapidamente se tornaria dominante novamente. O digital, pelo efeito rede, é um monopólio natural típico dos mercados “winner takes it all”.
Para garantir que novos entrantes não ameacem, possíveis competidores são comprados por preços irrecusáveis, como foram os casos do Instagram e WhatsApp pelo Facebook e Waze pelo Google. Há notáveis exceções, que resistem como o Snapchat, mas a rapidez com que Facebook e Instagram estão copiando suas principais inovações – como o Stories – é impressionante.
Isto posto, o veredito de culpado já poderia ser estabelecido e a polícia concorrencial imediatamente chamada. Ledo engano. Não só o arsenal anti-trust não está preparado para esta nova era como não há como mexer impunemente neste vespeiro sem afetar a inovação. Melhor dizendo, há inovações que são praticamente imparáveis.
Se o mestre original da inovação, Joseph Schumpeter, estivesse vivo diria que para combater monopólios naturais só com mais inovação. Uma esperança seria que a concorrência viesse de dentro do próprio sistema. Apple, Microsoft e Amazon completam, junto com Google e Facebook, o quinteto das corporações mais valiosas do mundo.
Apple tem 250 bilhões de dólares em caixa e há rumores de que tenha interesse, nada mais nada menos, por Disney, Tesla e Netflix. Amazon, que acumula dados ainda mais valiosos, por estarem associados ao instante da compra, já fatura 2 bilhões de dólares de publicidade e deixa sem dormir Sir Martin Sorrell da WPP. Microsoft está recuperando seu antigo vigor inovador e está também com o caixa abarrotado. É dono do LinkedIn, rede que cresce em influência por estar associada a um valor cada vez mais escasso nos tempos atuais: o trabalho.
Além disso, temos as empresas de telecom comprando suas parceiras de conteúdo, como é o caso da AT&T com a Time Warner e da Verizon com AOL e Yahoo. Companhias que tem relação direta com o usuário, acumulam dados e vendem publicidade. Até empresas tipicamente B2B, como Oracle, resolveram comprar empresas de intermediação e medição da publicidade. Onde há tendência de monopólio e lucros crescentes há atração de concorrentes ávidos por um pedaço do tesouro.
O que o futuro nos reserva? Difícil saber. Se fosse possível, por coerção ou competição, sonhar com um mundo impecável ele seria assim:
· Pessoas com conhecimento e controle sobre seus dados podendo transferi-los para onde quisessem.
· Algoritmos que decidem o que devemos ler ou ver que sejam conhecidos e transparentes.
· Governos que disponibilizam seus dados para startups produzirem aplicativos de utilidade pública e social.
· Muitas novas plataformas tecnológicas que sejam competitivas entre si, produtoras de conteúdos criativos e que dividam democraticamente as verbas publicitarias.
· Uma mídia tradicional que se transformou, encontrou seu modelo de negócios, recuperou seu apelo para a publicidade e é o melhor antídoto para as notícias falsas.
É o meu sonho de uma noite de outono.