3G, Buffet e Unilever: a oportunidade perdida
A oferta foi rejeitada. A proposta foi retirada. Pela lei britânica nenhuma outra proposta pode ser feita nos próximos seis meses. Pela maneira como tudo terminou é improvável que o negócio tenha alguma chance de acontecer. Foi, no entanto, assunto para muitos artigos, histórias e especulações durante a semana. A maior parte concentrou-se nas explicações […]
Da Redação
Publicado em 3 de março de 2017 às 16h15.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h29.
A oferta foi rejeitada. A proposta foi retirada. Pela lei britânica nenhuma outra proposta pode ser feita nos próximos seis meses. Pela maneira como tudo terminou é improvável que o negócio tenha alguma chance de acontecer.
Foi, no entanto, assunto para muitos artigos, histórias e especulações durante a semana. A maior parte concentrou-se nas explicações porque o negócio não vingou. Entre elas citou-se a incompatibilidade do modelo de negócios das empresas administradas pelo 3G com o capitalismo dito responsável da Unilever.
O modelo dos empresários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles é conhecido. Cortar custos agressivamente e ganhar escala com fusões. Neste caso a Unilever é um target raro. Menos de 40% do seu faturamento está em alimentos, que é o core da KraftHeinz. Os restantes estão em produtos de higiene, limpeza e cuidados pessoais, inexistentes nas outras empresas controladas pelo 3G.
É bem possível que o interesse pela Unilever vá além de uma simples consolidação para cortar custos. A indústria da alimentação passa por um desafio estratégico complexo. Os hábitos alimentares estão mudando radicalmente. A onda do saudável invadiu a terra. Há de tudo, desde os militantes de alguma causa, passando pelos que fazem dieta por querer ou por necessidade e chega até aos que vêm na culinária uma forma de prazer, em movimentos como o slow food. Todos têm em comum a rejeição à comida industrial processada e a adesão ao natural, fresco e orgânico.
A importância da discussão ficou clara com a polêmica que envolveu a apresentadora e autora best-seller de livros de culinária Rita Lobo, nesta última semana. Começou com um post seu no twitter explicando porque não ensinava maionese com óleo de coco e iogurte em vez de gema e óleo: “1. Porque não é maionese; 2. Trate seu distúrbio alimentar”.
Os xiitas do saudável, obviamente, reagiram. Rita continuou firme e acabou a semana como a entrevistada das páginas amarelas da revista VEJA. Lá rejeitou enfaticamente a “medicalização dos pratos” e defendeu sensatamente que: “saudável é algo feito na cozinha de casa, a partir de produtos que vêm da natureza”. Para viabilizar o uso do fogão de casa, defende que não há problema em usar produtos industrializados como arroz, feijão, carne e até milho em lata, desde que não sejam ultraprocessados ou enlatados cheios de aditivos.
É só olharmos à nossa volta e prestar atenção nas nossas conversas para concluir que, em sua versão mais radical ou mais moderada, com mais prazer ou mais receita, a questão de comer sadiamente veio para ficar. Mais do que isso, virou uma causa que une gerações como antes foi, e continua sendo, a ecologia e a sustentabilidade.
Passando os olhos pela lista de produtos da Kraft Heinz – e também da Unilever – vemos que estão lá maionese, ketchup, cream cheese, etc.. Quase todos seriam enquadrados na lista proibida da geração saudável que inclui bebidas com açúcar, lanches salgados e embutidos em geral. Se olharmos a ABInBev e o Burger King, que são as outras propriedades internacionais do fundo, também lá existem produtos que têm sua demanda futura incerta, como refrigerantes e fast food.
É, enfim, uma mudança mercadológica e um desafio de reposicionamento estratégico que não pode ser resolvido apenas com cortes de custos e fusões. A indústria inteira está sob suspeita incluindo marcas ultra conhecidas como Coca Coca, McDonalds, Nestlé, e outras.
A Unilever, nesta questão, é um ponto fora da curva. É só passearmos pelo seu site internacional para vermos que na sua visão e propósito está: “ajudar pessoas a se sentir bem, ficar mais bonito e aproveitar melhor a vida”. Está também: “ajudar 1 bilhão de pessoas a melhorar sua saúde e bem-estar”. Em entrevistas recentes seus executivos não têm fugido da questão e reconhecem que os seus produtos têm que mudar para atender à transformação do comportamento alimentar de seus clientes. O CEO Paul Polman tem também desafiado o mercado de ações recusando-se a fazer previsões de desempenho a cada trimestre. Diz que administra a companhia para o longo prazo.
Obviamente essa diferença de postura aparece nos resultados financeiros. Uma reportagem do editor Lucas Amorim, publicada nesta EXAME Hoje, no dia do anúncio da oferta, com o título “Unilever: a maior tacada de Leman”, mostra que com um faturamento duas vezes maior (55 bilhões de dólares ante 25 bilhões de dólares) o lucro da Unilever é apenas 50% maior e o valor de mercado das duas é similar (116 bilhões de dólares contra 106 bilhões de dólares).
Sonho com um mundo em que a cultura meritocrática agressiva do 3G se mescle com o capitalismo responsável da Unilever. Esta terra nova já está entre nós. É uma receita simples: misture algumas doses de orçamento base zero, com uma porção de desprezo pela ditadura do mercado de capitais, adicione metas quantitativas agressivas para executivos bem remunerados e mescle com uma ração generosa de coragem para desenvolver produtos para uma nova geração que já não nasce, ama, trabalha e, principalmente, come como antigamente. Cozinhe tudo em fogo brando e leve à mesa, sem pressa, para sentir o prazer dos seus stakeholders.
A cultura das empresas no regime capitalista não é desinteressada. Ela existe para gerar lucros e criar valor econômico a médio e longo prazo. 3G, Warren Buffet e Unilever já demonstraram que são investidores de prazo longo. Capitalismo responsável é aquele que, interessadamente, percebe que os comportamentos mudaram. Antecipa tendências, cria produtos e entrega atitudes que aceleram a construção deste admirável mundo novo que já se iniciou. É a única receita possível para criação de valor e perpetuidade em tempos voláteis, como os atuais. Outras oportunidades virão. A maior recompensa é para quem enxergar e chegar primeiro.
A oferta foi rejeitada. A proposta foi retirada. Pela lei britânica nenhuma outra proposta pode ser feita nos próximos seis meses. Pela maneira como tudo terminou é improvável que o negócio tenha alguma chance de acontecer.
Foi, no entanto, assunto para muitos artigos, histórias e especulações durante a semana. A maior parte concentrou-se nas explicações porque o negócio não vingou. Entre elas citou-se a incompatibilidade do modelo de negócios das empresas administradas pelo 3G com o capitalismo dito responsável da Unilever.
O modelo dos empresários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles é conhecido. Cortar custos agressivamente e ganhar escala com fusões. Neste caso a Unilever é um target raro. Menos de 40% do seu faturamento está em alimentos, que é o core da KraftHeinz. Os restantes estão em produtos de higiene, limpeza e cuidados pessoais, inexistentes nas outras empresas controladas pelo 3G.
É bem possível que o interesse pela Unilever vá além de uma simples consolidação para cortar custos. A indústria da alimentação passa por um desafio estratégico complexo. Os hábitos alimentares estão mudando radicalmente. A onda do saudável invadiu a terra. Há de tudo, desde os militantes de alguma causa, passando pelos que fazem dieta por querer ou por necessidade e chega até aos que vêm na culinária uma forma de prazer, em movimentos como o slow food. Todos têm em comum a rejeição à comida industrial processada e a adesão ao natural, fresco e orgânico.
A importância da discussão ficou clara com a polêmica que envolveu a apresentadora e autora best-seller de livros de culinária Rita Lobo, nesta última semana. Começou com um post seu no twitter explicando porque não ensinava maionese com óleo de coco e iogurte em vez de gema e óleo: “1. Porque não é maionese; 2. Trate seu distúrbio alimentar”.
Os xiitas do saudável, obviamente, reagiram. Rita continuou firme e acabou a semana como a entrevistada das páginas amarelas da revista VEJA. Lá rejeitou enfaticamente a “medicalização dos pratos” e defendeu sensatamente que: “saudável é algo feito na cozinha de casa, a partir de produtos que vêm da natureza”. Para viabilizar o uso do fogão de casa, defende que não há problema em usar produtos industrializados como arroz, feijão, carne e até milho em lata, desde que não sejam ultraprocessados ou enlatados cheios de aditivos.
É só olharmos à nossa volta e prestar atenção nas nossas conversas para concluir que, em sua versão mais radical ou mais moderada, com mais prazer ou mais receita, a questão de comer sadiamente veio para ficar. Mais do que isso, virou uma causa que une gerações como antes foi, e continua sendo, a ecologia e a sustentabilidade.
Passando os olhos pela lista de produtos da Kraft Heinz – e também da Unilever – vemos que estão lá maionese, ketchup, cream cheese, etc.. Quase todos seriam enquadrados na lista proibida da geração saudável que inclui bebidas com açúcar, lanches salgados e embutidos em geral. Se olharmos a ABInBev e o Burger King, que são as outras propriedades internacionais do fundo, também lá existem produtos que têm sua demanda futura incerta, como refrigerantes e fast food.
É, enfim, uma mudança mercadológica e um desafio de reposicionamento estratégico que não pode ser resolvido apenas com cortes de custos e fusões. A indústria inteira está sob suspeita incluindo marcas ultra conhecidas como Coca Coca, McDonalds, Nestlé, e outras.
A Unilever, nesta questão, é um ponto fora da curva. É só passearmos pelo seu site internacional para vermos que na sua visão e propósito está: “ajudar pessoas a se sentir bem, ficar mais bonito e aproveitar melhor a vida”. Está também: “ajudar 1 bilhão de pessoas a melhorar sua saúde e bem-estar”. Em entrevistas recentes seus executivos não têm fugido da questão e reconhecem que os seus produtos têm que mudar para atender à transformação do comportamento alimentar de seus clientes. O CEO Paul Polman tem também desafiado o mercado de ações recusando-se a fazer previsões de desempenho a cada trimestre. Diz que administra a companhia para o longo prazo.
Obviamente essa diferença de postura aparece nos resultados financeiros. Uma reportagem do editor Lucas Amorim, publicada nesta EXAME Hoje, no dia do anúncio da oferta, com o título “Unilever: a maior tacada de Leman”, mostra que com um faturamento duas vezes maior (55 bilhões de dólares ante 25 bilhões de dólares) o lucro da Unilever é apenas 50% maior e o valor de mercado das duas é similar (116 bilhões de dólares contra 106 bilhões de dólares).
Sonho com um mundo em que a cultura meritocrática agressiva do 3G se mescle com o capitalismo responsável da Unilever. Esta terra nova já está entre nós. É uma receita simples: misture algumas doses de orçamento base zero, com uma porção de desprezo pela ditadura do mercado de capitais, adicione metas quantitativas agressivas para executivos bem remunerados e mescle com uma ração generosa de coragem para desenvolver produtos para uma nova geração que já não nasce, ama, trabalha e, principalmente, come como antigamente. Cozinhe tudo em fogo brando e leve à mesa, sem pressa, para sentir o prazer dos seus stakeholders.
A cultura das empresas no regime capitalista não é desinteressada. Ela existe para gerar lucros e criar valor econômico a médio e longo prazo. 3G, Warren Buffet e Unilever já demonstraram que são investidores de prazo longo. Capitalismo responsável é aquele que, interessadamente, percebe que os comportamentos mudaram. Antecipa tendências, cria produtos e entrega atitudes que aceleram a construção deste admirável mundo novo que já se iniciou. É a única receita possível para criação de valor e perpetuidade em tempos voláteis, como os atuais. Outras oportunidades virão. A maior recompensa é para quem enxergar e chegar primeiro.