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Uma regra fiscal nada rudimentar

Em 2005, certa ex-presidente qualificou a regra fiscal então pretendida pela equipe econômica como rudimentar. No argumento, este sim rudimentar, falou em entrevista à Folha que “gasto público é vida”. Apesar de ainda não ser definitivo, esse passado negro da política fiscal brasileira deverá estar fora do cenário até setembro. Até lá, a principal medida […]

HENRIQUE MEIRELLES, MINISTRO DA FAZENDA: não é possível imaginar que a regra por si só possa parar em pé se outras questões do gasto público não forem levadas em conta / Paulo Whitaker/Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)
HENRIQUE MEIRELLES, MINISTRO DA FAZENDA: não é possível imaginar que a regra por si só possa parar em pé se outras questões do gasto público não forem levadas em conta / Paulo Whitaker/Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)
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Sérgio Vale

Publicado em 31 de maio de 2016 às, 11h59.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h51.

Em 2005, certa ex-presidente qualificou a regra fiscal então pretendida pela equipe econômica como rudimentar. No argumento, este sim rudimentar, falou em entrevista à Folha que “gasto público é vida”. Apesar de ainda não ser definitivo, esse passado negro da política fiscal brasileira deverá estar fora do cenário até setembro.

Até lá, a principal medida anunciada até agora pela nova equipe econômica deverá ser avaliada pelo Congresso e, espera-se, aprovada. A ideia de que o gasto público subirá apenas o montante da inflação do ano seguinte pode parecer muito simples, mas em momentos de dificuldade econômica como agora, quanto mais simples a regra, melhor o entendimento e aceitação pela população. Não parece difícil que todos entendam o que a regra significa e a simplicidade é um ponto importante da medida proposta.

Como toda regra, há alguns engessamentos que poderiam ser repensados para 2017 especialmente. Ao impor a regra da inflação do ano anterior, que em 2016 deverá ficar na casa de 7%, acabará por significar aumento real de gasto no ano que vem, caso a inflação fique de fato nos 5,5% que se espera. Em países com inflação baixa isso não seria tanto problema. 2% em um ano ou 2,5% no outro não é tão crítico. Mas em momentos em que a necessidade de um ajuste mais profundo é necessário, a sinalização de um possível aumento real talvez não seja o mais adequado. Uma regra intermediária igualmente simples poderia ser nos moldes do Chile. Lá criaram um comitê independente formado por diversos economistas com o objetivo de projetar o hiato do produto e o preço do cobre para estimar resultados fiscais estruturais para os anos seguintes. Aqui, poderia ser algo ainda mais simples, como um comitê formado por instituições que projetariam a inflação do ano seguinte para ser usada na regra. Isso garantiria de fato um gasto público que cresceria próximo da inflação do ano de fato. Seria importante um comitê externo dado que as projeções do BC e do governo nos últimos anos ficaram muito fora do realizado. Poderiam, alternativamente, usar os dados de projeção do relatório Focus. O uso de um comitê, entretanto, poderia ser um embrião para projeções mais sofisticadas como as feitas pelo Chile.

Independentemente de como será o modelo utilizado, o importante é que no longo prazo o ganho real para a política fiscal será imenso. Basta pensar que de 2000 a 2015 a média de crescimento do gasto público real foi de 6,2% ao ano. Ajustar para próximo de zero será essencial para o equilíbrio de longo prazo. Mas essa regra terá que vir em conjunto com três outras mudanças. Uma é a DRU (Desvinculação de Receitas da União) que deve passar de 20% para 25%, com o adendo de valer também para as esferas subnacionais, o que dá um estímulo maior para o Congresso aprovar. Segundo, a mudança das regras da previdência também será necessária para essa regra poder funcionar a contento no longo prazo. Por fim, a regra de ajuste do salário mínimo e sua vinculação à previdência também terão que ser repensados. Nesse mesmo período de 2000 a 2015, o crescimento anual da despesa real com esta conta foi de 6,3% e, dada sua rigidez pela regra de ajuste, ou alguma outra conta terá que ter forte queda de gasto ou terá que haver mudança na regra.

Como se vê, não é possível imaginar que a regra por si só possa parar em pé se outras questões do gasto público não forem levadas em conta. Isso é importante para os mais afoitos que imaginam que pouco foi apresentado. Na verdade a regra mais geral foi posta à discussão, mas os detalhes terão que aparecer necessariamente. Difícil achar que a excelente equipe que o Ministro da Fazenda montou não tenha saídas inteligentes para acomodar essa regra.

Por isso, nada nessa proposta é rudimentar, pois ela fará pensar em diversos ajustes que terão que ser feitos na política fiscal a partir de agora. O que não dava mais para manter é o descaso dos últimos anos, que apenas fez explodir a dívida pública com todas suas consequências nefastas como a perda do grau de investimento. Quem não consegue ver nisso um grande avanço na discussão é que tem pensamento rudimentar.

sergiovale