O presidente Donald Trump exibe um protótipo do "gold card" (AFP)
Colunista
Publicado em 4 de abril de 2025 às 12h07.
Na sequência de medidas desconexas e sem sentido econômico, Trump anunciou seu “dia da libertação”, que na verdade pode ser chamado de “dia do empobrecimento”. É um título mais correto para o que os americanos viverão nos próximos anos depois das tarifas recíprocas aplicadas. O nível médio de tarifa com tudo que Trump anunciou até agora chega a históricos 22%, próximo do que se viu no início do século passado e acima do que foi a tarifa média da Grande Depressão, quando a infame Lei Smoot-Hawley elevou as tarifas abrindo guerra comercial com o mundo que aprofundou a depressão de então.
Sem depressão, mas com recessão, é o que Trump deixará de legado econômico em seu primeiro ano. Uma desnecessária recessão som o falso intuito de ampliar a indústria americana, cujo caminho de expansão não seria com tarifas, mas com ampliação de investimento em educação, ciência e tecnologia. Trump parou no século XIX e entende indústrias mais tradicionais como a base de um país, como o caso da automobilística. Mas o futuro industrial está em outra área, nos semicondutores, por exemplo, para os quais as tarifas vão apenas afugentar mais investimentos no setor. Ainda mais, os consumidores americanos serão bastante penalizados. Cálculos do Budget Lab, da Universidade de Yale, apontam para perda anual de até US$ 3,8 mil por família americana com os aumentos de tarifas até agora. O caminho de uma estagflação de curto prazo está sendo rapidamente construído, com recessão e inflação elevada pelas tarifas.
Trump joga o mundo para a China, que agradece, mas sai chamuscada com a tarifa de quase 40% imposta pelos americanos. Para azar dos americanos, os EUA impactam em apenas 3% a economia chinesa hoje em dia, muito menos do que já foi no passado e era em 2016 quando Trump ganhou a primeira eleição. Os chineses vão aproveitar esse movimento, com uma base industrial mais diversificada e sofisticada do que no passado e ocupar os espaços de exportação industrial que os EUA vão perder.
No caso brasileiro, certamente a tendência é de poder aumentar a exportação de soja, milho e carnes, mas também tendemos a migrar de importação industrial dos EUA para a China e outros países, como Europa e Japão. Será o espaço necessário para firmar o acordo de livre comércio com os europeus, que virou agora uma base importante não apenas econômica, mas de ideias. Ainda segue sendo verdade que abrir a economia ao longo do tempo é relevante para a produtividade e o crescimento econômico. O livro Open: the Progressive Case for Free Trade, Immigration, and Global Capital, de
Kimberley Clausing, é um bom apanhado das diversas razões para que continuemos a acreditar nas vantagens do livre comércio.
Hoje, a corrente de comércio entre Brasil e China está em torno de US$ 160 bilhões ao ano, o dobro da corrente entre Brasil e EUA, que está em US$ 80 bilhões. A tendência é de esses números se distanciarem ainda mais nos próximos anos e não será difícil, talvez em cinco anos, a China alcançar US$ 200 bilhões e os EUA caírem para US$ 60 bilhões, ou seja, é muito provável que a corrente de comércio entre Brasil e China seja cerca de três vezes maior do que a corrente entre Brasil e EUA. No curto prazo, algum impacto nas exportações brasileiras pode acontecer. Estimativas do Cedeplar, da UFMG, aponta para US$ 7 bilhões de perdas nas exportações brasileiras, que viriam das perdas diretas de vendas para os EUA e de perdas adicionais que podem acontecer de vendas para outros países que eventualmente entrem em cenário econômico de desaceleração. Dado que exportamos US$ 337 bilhões em 2024 seria uma queda em torno de 2%. Entretanto, esses US$ 7 bilhões podem ser facilmente contrabalançados pela evolução potencial de mais exportação das commodities ao longo do ano.
Um elemento que reforça o tom positivo que pode advir para o Brasil veio da taxa de câmbio. A queda na taxa para números próximos de 5,6 mostra que o mercado viu, corretamente, que além de termos sido menos penalizados do que outros países, há ganhos que virão de mais exportações para países que foram mais afetados, como é o caso da China. Esse cenário reforça o peso das comodities para o crescimento do país nos próximos anos ao que se junta agora os investimentos que começam a avançar em metais raros, segmento em que o Brasil tem o segundo maior nível de reservas do mundo, atrás apenas da China, com 23% do total.
De qualquer forma, nada há a comemorar a virada histórica e negativa do governo americano. Coloca o mundo em situação de instabilidade econômica e geopolítica a partir de agora. E incerteza nesse grau nunca é bom, especialmente para os países mais frágeis.
*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados