Teoria monetária moderna ou teoria fiscal antiga?
A pandemia certamente trará consequências duradouras na economia mundial nos próximos anos em termos de mercado de trabalho e política fiscal
Publicado em 11 de agosto de 2020 às, 16h55.
Última atualização em 12 de agosto de 2020 às, 15h49.
Muito tem sido dito sobre os possíveis impactos de longo prazo da pandemia. Ela certamente trará consequências duradouras na economia mundial nos próximos anos em termos de mercado de trabalho e política fiscal, para ficar nas mais explícitas. Mas esse mundo novo pós-pandemia coloca novo desafio à macroeconomia, em relação às políticas disponíveis para se tirar esses países da crise.
Se em 2008 usamos pesadamente o quantitative easing para evitar uma depressão, fica claro agora não haver tanto espaço monetário adicional para se tentar estimular a economia. O peso parece recair sobre a política fiscal, o que torna as soluções ainda mais desafiadoras.
Nesse sentido, uma corrente econômica tem se levantado como elixir de soluções para a debacle mundial. A Teoria Monetária Moderna (TMM) tem sido levantada por parte do Partido Democrata americano e por economistas no Brasil como Andre Lara Rezende como possível cura para os males econômicos que recessões como essas causam.
Um bom guia para o pensamento dessa vertente é o livro de Stephanie Kelton, que trabalhou para o Senador Bernie Sanders e que pode ter alguma voz em um eventual governo Biden nos EUA. Seu livro tem o ousado título de “The Deficit Myth” (O Mito do Déficit) e tenta justificar porque essa é a teoria correta para o momento atual. Infelizmente, da leitura do livro pouco sobra de algo realmente inovador para se pensar a saída da crise.
Para começar, os proponentes da TMM consideram a tese de soberania monetária como algo essencial para qualquer nação. Ou seja, ser emissor de sua própria moeda, sem ter restrições de dívida externa, taxas de câmbio fixas, enfim, nada que tire a liberdade de plena emissão monetária. Dito isto, na visão deles, o governo poderia ter uma licença para gastar e esse deveria ser o foco de políticas anticíclicas. Qual o limite? A inflação, que para os proponentes da teoria deveria ser o foco de atenção para se saber até onde ir com os gastos.
Dito assim, parece tudo muito razoável. Entretanto, o diabo mora nos detalhes e, nesse caso são muitos detalhes. Considera-se que a política fiscal seja melhor para ajustar o ciclo, pois ela consegue chegar de fato direto onde as pessoas precisam de ajuda do governo: o emprego. Na proposta de Kelton, o governo deveria ter um programa permanente de emprego para qualquer um que quisesse trabalhar. Se houvesse, por uma recessão, 15 milhões de pessoas desempregadas o governo deveria ter disponíveis empregos para todas essas pessoas. E mais, com o salário o dobro do mínimo, no caso americano, com benefício, treinamento e oferta de permanecer no emprego enquanto a pessoa quiser.
Se parece muito fora da realidade, você não pensou errado. Coloca-se na teoria uma facilidade de uso da política fiscal no mesmo nível da política monetária. Mas o que esta não tem tanto de política, a primeira está farta de componentes políticos que colocam precaução nesse tipo de medida. Não seria difícil ver o uso de tais medidas com objetivos eleitorais. Além disso, ao colocar um salário relativamente elevado, qual o estímulo para que a pessoa saia desse emprego para voltar ao setor privado? Correr-se-ia o risco de inchaço crescente do gasto público com esse tipo de emprego.
Como reverter um processo inflacionário, muito mais simples de se trabalhar com a política monetária, com pessoas permanentemente empregadas no setor público? Não há respostas para isso e o exemplo de sucesso que Kelton dá é a Argentina em 2002 em que um programa de contratação em massa de 2 milhões de pessoas ajudou, na visão deles, a tirar a economia argentina da crise. Mas ela esquece de dizer que na sequência os abusos da política fiscal na Argentina ajudaram o país a ter a inflação de 50% anuais que hoje ela tem.
Ao focar na política fiscal para resolver ciclos econômicos permanentemente a TMM desconsidera as pressões inflacionárias que pode decorrer ao longo do tempo. Segundo seus proponentes, como L. Randall Wray, uma inflação anual de 40% não seria tão problemática, talvez esclarecendo o porquê de a Argentina ser vista como um sucesso.
Para nós latino americanos já acostumados com o mal uso da política fiscal essas teorias soam velhas e, mais do que isso, perigosas em um momento em que o mundo se encontrará às voltas sobre o que fazer para sair das distorções econômicas criadas pela pandemia. No próximo artigo voltamos a esse assunto.