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Sem querer, Trump poderá mostrar a força do livre comércio

Em matéria recente, o Washington Post comparou o futuro governo Trump com o governo Dilma, comparação feita aqui nesta coluna semana passada. Não sem razão, alude ao desejo implícito da ex-presidente em se fechar para o mundo como uma das razões de comparação. Aqui não deu certo e, certamente e mais ainda em um país […]

DILMA ROUSSEFF: em matéria recente, o Washington Post comparou o futuro governo Trump com o governo Dilma, comparação feita aqui nesta coluna semana passada / Evaristo Sa / Getty Images
DILMA ROUSSEFF: em matéria recente, o Washington Post comparou o futuro governo Trump com o governo Dilma, comparação feita aqui nesta coluna semana passada / Evaristo Sa / Getty Images
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Sérgio Vale

Publicado em 22 de novembro de 2016 às, 15h52.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h22.

Em matéria recente, o Washington Post comparou o futuro governo Trump com o governo Dilma, comparação feita aqui nesta coluna semana passada. Não sem razão, alude ao desejo implícito da ex-presidente em se fechar para o mundo como uma das razões de comparação. Aqui não deu certo e, certamente e mais ainda em um país tão aberto como os EUA, também não dará certo por lá.

O que de certa forma impressiona é que em um país tão beneficiado pelo comércio internacional tais discussões ainda tenham espaço, especialmente vindas do presidente eleito. Seu mantra tem sido um aumento de tarifa de importação de 45% para a China e de 35% para o México. Tais números impressionam não apenas pela magnitude, mas pelas razões usadas para que sejam aplicadas.

A origem desses números extravagantes é Peter Navarro, principal e único economista do time de Trump, cuja tese defendida há tempos em diversos livros e artigos é que a China deve sua competitividade ao mercado de trabalho em apenas 39% do custo final médio de seus produtos. O resto, segundo ele, são subsídios à exportação, manipulação de moeda, roubo de propriedade intelectual e baixa regulação ambiental e de segurança do trabalho. Em seus cálculos, somando esses elementos ele chega a preços 43,7% artificialmente mais baixos do que deveria ser caso os elementos fora o custo salarial fossem computados. Em suas palavras, os 45% assim seriam um número perfeitamente calculado.

Não se discute aqui se os números estão corretos ou não, mas seria interessante ouvir diversos economistas de esquerda que, usualmente nos últimos anos, cantaram em verso e prosa a justificativa dessas práticas em diversos países pobres para conseguir seu desenvolvimento. E aqueles que buscavam livre comércio redundavam em mais pobreza. Ha-Joon Chang é um exemplo. Seus textos recaem na concepção de que a implementação de acordos de livre comércio e a OMC levaram os países pobres a ficarem mais pobres, diminuindo crescimento, estabilidade e aumentando a desigualdade. Reverter a opção do livre comércio nos EUA agora traz unanimidade que diminuirá crescimento, aumentará a instabilidade e a desigualdade. Mas fica a pergunta a ser respondida pela esquerda de que porque reverter tais políticas nos países desenvolvidos faz tão mal, mas buscar justamente esse caminho nos países mais pobres faria mal. O exemplo americano seria interessante para diversos desses economistas, pelo menos os mais sérios, rever seus conceitos equivocados sobre o comércio internacional.

Aumentar tarifas de importação apenas fará com que a população mais pobre americana fique ainda mais pobre. Estimativa recente de David Tuerck, Paul Bachman e Frank Conte em cima dos números sugeridos por Trump são estarrecedores. Supondo que o futuro governo imponha essas tarifas unilateralmente a China, México e Japão, o resultado é uma perda de renda real de até 18% em cinco anos para a população 10% maios pobre e de apenas 3% para os 10% mais ricos.

Interessante notar na obsessão de Trump por esses dois países é que se esquece que há o resto do mundo, do qual facilmente poderia haver substituição de diversos produtos não mais importados de China e México. Nesse caso, eles supuseram que essas tarifas seriam cobradas do mundo inteiro. O exercício mostra que a população 10% mais pobre ficaria 53% mais pobre em termos reais em cinco anos, enquanto os 10% mais riscos ficariam apenas 7% mais pobres. O nível de deterioração na desigualdade de renda seria inédito pela rapidez alcançada. Mas ainda, em exercício feito para os estados americanos eles descobrem que os que perderiam mais empregos seriam justamente os estados do cinturão da ferrugem que votaram em Trump. Seria irônico se não fosse tão trágico.

O que talvez assusta é que dada a contundência com que Trump anunciou os aumentos de tarifa e sua equipe de conselheiros ser tão favorável a tais políticas, alguma coisa nesse sentido deverá acontecer.

Por incrível que pareça, por diversas brechas de legislação, o presidente americano pode alegar questão de segurança nacional para aumentar unilateralmente essas tarifas, sem precisar do Congresso e sem limites. Obviamente, nunca se cogitou aumentos tão significativos de tarifas, mas na década de 70 Richard Nixon usou uma dessas brechas, o Trading with the Enemy Act, de 1917, para aumentar em 10% as tarifas de importação de todos os produtos.

Mas caso o presidente decida por aumentar as tarifas de importação, os resultados substancialmente negativos poderão mostrar definitivamente que dar condições para que o comércio aumente é muito melhor para um país do que o contrário. Isso será mais fácil de ver nos EUA por ser um país aberto e com poucas distorções como ocorrem em geral nos países em desenvolvimento em que o comércio é culpado enquanto, por exemplo, más instituições não são consideradas mais relevantes.

Em outras palavras, a experiência que se verá nos EUA será importante para mostrar que, em país já maduro e estabelecido, com boas instituições e qualidade de vida, reverter o comércio internacional só trará mais pobreza. Melhor propaganda para o livre comércio não haverá. O dilema é que tal desastre terá que ocorrer para que se veja a importância de se buscar mais cooperação e não mais nacionalismo.

SERGIO VALE
SERGIO VALE