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Saindo da pandemia, mas com riscos na economia

A verdade é que a inflação aqui e lá fora está mais preocupante do que os BC assumiam há apenas alguns meses

Além da inflação, outra consequência que terá impactos duradouros é a política fiscal (Jonne Roriz/Bloomberg/Getty Images)
Além da inflação, outra consequência que terá impactos duradouros é a política fiscal (Jonne Roriz/Bloomberg/Getty Images)
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Sérgio Vale

Publicado em 14 de fevereiro de 2022 às, 14h06.

Com dois anos de pandemia em andamento, talvez já podemos dizer que 2022 tende a ser o ano em que ela se transformará em endemia. Salvo novas cepas que podem aparecer, o que tem sido uma constante no caso da Covid19, a tendência é que devemos chegar ao final deste ano com um grau elevado de normalização na economia.

Muito da atividade já voltou ao padrão pré-pandemia, com o podemos ver no caso do nível de atividade e da taxa de desemprego, mas a doença causou estragos na economia que teremos que lidar este ano e talvez nos próximos.

O mais importante, neste momento, certamente é a inflação. Há muita discussão sobre as causas da recente pressão inflacionária, mas na verdade ela é uma combinação de fortes estímulos fiscais e monetários com problemas na distribuição de insumos e produtos por causa da pandemia. Não importa muito a origem do processo inflacionário infelizmente, pois quando ela se instala pode se transformar em uma espiral difícil de controlar. No caso americano, por exemplo, o índice de difusão, que mostra qual o percentual de itens dentro do indicador que está crescendo, mostra que cerca de 80% a 90% dos preços estão em aceleração, a depender do índice escolhido. É uma alta significativa em relação a um padrão que costuma ser estável na casa dos 60%. No caso brasileiro essa taxa se encontra na casa dos 75%.

A verdade é que a inflação aqui e lá fora está mais preocupante do que os BC assumiam há apenas alguns meses. Há uma corrida contra o tempo para subir a taxa de juros o que for necessário para impedir que os preços continuem em aceleração. Para piorar, a atual onda da ômicron, por mais fraca que seja a variante, força uma quantidade grande de pessoas a parar de trabalhar por alguns dias, afetando em grau elevado a atividade. Além disso, os distúrbios na Ucrânia e as questões climáticas têm afetados os preços de commodities de forma importante. Não será difícil ver o preço do barril do petróleo romper os US$ 100 com a instabilidade geopolítica avançando.

Esse cenário de preços de commodities em alta mantém a pressão sobre a inflação ao consumidor. No caso brasileiro, depois de crescer quase 8% ano passado, a inflação de alimentos este ano está caminhando para poder ficar próximo de 6% ou talvez mais e os combustíveis devem continuar subindo. Isso quer dizer que o IPCA continuará sendo pressionado em 2022 em itens importantes e o BC não terá outra alternativa que não continuar subindo os juros. Havia alguma dúvida na última decisão do Copom se a última elevação seria em março, mas a Ata adiantou que não terminará por aí. Espero 12,25% de Selic ao final do ciclo, mas há boas casas esperando taxa ainda maior. Definitivamente a Selic está caminhando para ficar nos próximos meses entre 12% e 13%. A consequência na economia não será trivial. O PIB deve estagnar este ano com a última esperança, o agronegócio, dando sinais de quebra em safras importantes que podem tirar a chance de números melhores no crescimento.

Além da inflação, outra consequência que terá impactos duradouros é a política fiscal. Os países aumentaram em muito o tamanho de suas dívidas públicas nos últimos anos, começando com a crise de 2008. Ela trouxe a política fiscal a um outro patamar com a taxas de juros a zero levando a certa inoperância da política monetária e a necessidade de novo foco de atenção à política fiscal. Isso ficou ainda mais exacerbado na pandemia e saímos desse cenário com vários países do mundo com dívidas consolidadas entre 80% e 120% do PIB. Na maior parte desses casos, o agravante é que a dívida sobe em um momento em que as taxas de juros também sobem, aumentando o custo do estoque da dívida. A consequência é que essa dívida mais cara aumenta o próprio estoque e ter como consequência taxas de juros mais elevadas como prêmio de risco por ela estar mais elevada. Pode virar uma bola de neve difícil de controlar. Não fosse a elevação da inflação que demanda mais juros, a política fiscal não teria o risco que pode começar a ter.

O caso brasileiro é ainda mais grade porque aqui estamos falando de Selic na casa dos 12% e isso vai demandar sangue frio do próximo presidente para que tanto o fiscal quanto a inflação não saiam do controle. Olhando de hoje, estamos longe de ter essa segurança com os candidatos que se apresentam, inclusive o próprio Bolsonaro, que mostrou desde o ano passado seu grau de irresponsabilidade fiscal.

A saída da pandemia não será simples e fará com que o mundo tenha que lidar com inflação e dívida pública elevadas. Essas variáveis diminuem renda via inflação e crédito via juros, diminuindo o potencial de crescimento futuro das economias. Quanto antes os países tiverem claro que esses são elementos centrais a serem controlados, maior o potencial de recuperação futura. Mas, infelizmente, há muito ruído e populismo fiscal em ano eleitoral que poderá nos trazer ainda mais dificuldade à frente.

*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados