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Reformas com proteção social: as lições de Argentina e Chile para o Brasil

É preciso reformas que tornem o gasto social mais eficiente, especialmente em saúde e educação

PROTESTO NO CHILE: paralisia de ações sociais no governo Piñera agravou a situação / REUTERS/Henry Romero (Henry Romero/Reuters)
PROTESTO NO CHILE: paralisia de ações sociais no governo Piñera agravou a situação / REUTERS/Henry Romero (Henry Romero/Reuters)
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Sérgio Vale

Publicado em 29 de outubro de 2019 às, 17h25.

Última atualização em 29 de outubro de 2019 às, 18h22.

Há anos as expectativas de crescimento do Brasil têm decepcionado. Começam fortes no início do ano e revertem ao final para números muito magros. Este ano não tem sido diferente, depois de uma expectativa de 2,5% virar menos de 1% no momento.

Para 2020, as expectativas começam a acelerar de novo. Vemos casas com previsões de crescimento de 2% a 3%, sinalizando uma trajetória de expansão mais robusta. Mas creio que as revisões serão novamente para baixo. Isso não implica, contudo, que o cenário nos próximos anos seja ruim. Ele é apenas mais lento dadas as dificuldades domésticas e internacionais.

Às questões internacionais levantadas no artigo anterior, adiciona-se o acúmulo de mal-estar que se espalha nesta vez pela América Latina — desde a guinada à esquerda no México no ano passado até as turbulências recentes na Argentina e no Chile. Estes dois últimos casos são exemplos do que o Brasil precisa ter atenção para manter a aceleração do crescimento para os próximos anos.

O caso argentino é clássico na literatura econômica de país rico que deu errado. O PIB per capita argentino era similar ao americano e ao inglês no começo do século passado. Isso significa que, se a Argentina tivesse mantido essa relação e tivesse o PIB per capita que os EUA possuem hoje, a economia argentina seria 50% maior que a brasileira. Mas hoje ela é 70% menor que a nossa.

Os percalços institucionais argentinos são conhecidos e alguns dos mais graves passam pela insegurança jurídica em se investir no país. Regras são mudadas à demanda do presidente do momento, como se viu tantas vezes no caso do imposto de exportação agrícola, as retenciones. O risco, agora, da volta da esquerda ao poder e da necessidade de um ajuste fiscal relevante é que o custo recaia novamente no setor mais produtivo por lá, o agrícola. Normalmente as soluções da esquerda para desajustes fiscais passam mais por aumento de receita do que por corte de gastos e não será difícil esse tipo de solução ser apontada futuramente.

Ao mesmo tempo, o gradualismo de Macri gerou sua derrota ao fazer com que o processo inflacionário saísse dos 27% quando virou presidente para os 55% anuais atualmente. Em um mesmo ano tivemos congelamento de preços e default de serviço da dívida, algo que não imaginávamos que fosse ser usado novamente no continente, especialmente o malfadado congelamento.

Essa crise foi gerada durante anos por má condução de política econômica e talvez seria onde estaríamos na questão inflacionária se o governo Dilma tivesse permanecido.

O problema chileno é de outra ordem. O modelo liberal vitorioso não foi acompanhado de políticas sociais de proteção aos mais pobres, algo que se vê mesmo nos EUA, onde redes de proteção social como o Medicaid, Medicare, Food Stamp e o EITC (Earned Income Tax Credit) aliviam a pobreza no país. Além disso, parte do descontentamento dos chilenos pode ter a ver com o baixo crescimento que o país teve nos últimos anos. A isso se juntou a paralisia de ações sociais no governo Piñera que agravaram a situação.

Marcus Mello em sua coluna na Folha de São Paulo já havia lembrado do efeito túnel de Hirschman, em que a classe média aspira demandas mais sofisticadas de serviços depois de parte da sua demanda por bens ter sido atendida. Não é muito diferente do que passamos por aqui em 2013 e pode ser entendida como uma evolução de maturidade das sociedades democráticas.

Isso vai em linha com o novo livro de Daron Acemoglu e James Robinson, autores do aclamado “Por que as Nações Fracassam?”. Em “The Narrow Corridor”, ainda sem tradução no Brasil e que poderia ser traduzido como “o corredor estreito”, os autores lembram que não bastam políticas econômicas inclusivas, que melhorem as instituições, como aludido no livro anterior. Precisa haver também um estado eficiente que garanta as liberdades individuais e a possibilidade de uma sociedade organizada contestar o poder incumbente. Não é diferente do que fizemos em 2013 e o Chile faz em 2019. São sinais positivos de uma democracia que tais manifestações e demandas sociais possam ocorrer. O estranho seria se fossem impedidas de serem feitas, o que, aí sim, demonstraria uma democracia mais precária.

Para o Brasil, as lições são claras dos dois países. Primeiro, manter a trajetória reformista que estamos fazendo desde o governo Temer. Não há mágica fora disso e o resultado seria o desastre argentino que temos visto. Segundo, não se pode esquecer que as reformas devem incluir as demandas sociais necessárias que permitam que haja um mínimo de igualdade de oportunidades com proteção social a quem não conseguir alcançá-la. No caso deste último item, o Brasil é repleto de proteções sociais de diversas ordens. No nosso caso são necessárias reformas que tornem o gasto social mais eficiente, especialmente em saúde e educação. Estamos caminhando no primeiro caso, mas ainda muito longe no segundo.