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Quem quer juro baixo tem que querer reforma na previdência

Em semana de decisão de juros, a discussão voltou a se centrar na possibilidade de o BC ser mais agressivo e baixar os juros em 1,25 ponto percentual ou até mais para alguns mais animados. Em tese, haveria espaço para que a queda se acelerasse neste mês para além do 1 ponto percentual que certamente […]

CONGRESSO NACIONAL: Menos preocupação com o BC e mais com a votação da reforma é que a sociedade deveria ter nesse momento / Antonio Scorza/Getty Images
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Da Redação

Publicado em 12 de abril de 2017 às 10h31.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.

Em semana de decisão de juros, a discussão voltou a se centrar na possibilidade de o BC ser mais agressivo e baixar os juros em 1,25 ponto percentual ou até mais para alguns mais animados.

Em tese, haveria espaço para que a queda se acelerasse neste mês para além do 1 ponto percentual que certamente virá. A inflação, razão maior das preocupações do banco, deve ficar abaixo da meta de 4,5% já em abril. Considerando que sazonalmente as inflações de meados do ano são mais baixas, em geral por conta de alimentação, caminhamos para ter inflação próxima de 3% em torno de agosto. Até o final do ano, se a média se mantiver em 0,32% ao mês no segundo semestre, 2017 fecharia em 3,9%. Não seria surpresa se números até um pouco mais baixos ocorressem. Esses números também facilitarão o trabalho do banco de puxar a meta de inflação em 2019 para baixo, talvez para 4%.

Com tantas boas novas, porque o BC não acelera a queda de juros? A maior razão, certamente, se encontra há algumas quadras da sede do banco em Brasília e a triste notícia é que esse é o menor dos problemas agora.

A reforma da previdência a ser votada nas próximas semanas é mais do que a mãe de todas as reformas de Temer. Ela se configura como uma janela de oportunidade inédita de um presidente que não tem ambições políticas e que conhece o Congresso com a palma da mão. Qualquer presidente que entrar em 2019 terá que cometer estelionato eleitoral ao mentir na eleição que nada fará na previdência. Com a população tão arisca com o tema, a melhor opção é aprovar o quanto antes.

Mas como sempre em reformas desse calibre, a incerteza quanto à votação só aumenta. Os placares em alguns jornais mostram uma maioria significativa contra qualquer reforma, o que dificulta a força do Executivo em convencer os deputados da necessidade da reforma. Pode se jogar na conta da falta de propaganda a dificuldade de o governo conseguir vender seu peixe, mas a verdade é que temas como esses dificilmente seriam aceitos pela população. Em um país acostumado com o setor público bancando salários e benefício para mais da metade da população, e sendo justamente essa faixa a mais afetada pela reforma, difícil acreditar que não houvesse tanta resistência.

Parte do problema é que a reforma atrasou sobremaneira enquanto outros países foram fazendo ajustes gradativos ao longo do tempo, com discussões longas antes da crise chegar. O Brasil, como sempre, teve que chegar a uma crise significativa tendo feito muito pouco de reforma no setor.

Interessante notar que a sociedade ainda luta para entender que existem restrições. Aquela velha visão de que o brasileiro gosta de se endividar e depois não sabe o que fazer com a dívida parece que permeia a aceitação de soluções mágicas em todas as esferas de governo. Essa visão equivocada dá espaço para visões de que cobrar dívidas de empresas, mudar a contabilidade, etc, resolveria o problema. A falsa contrainformação é aliada de quem quer manter seus benefícios intocados e esta não é a população mais pobre. Para esta, deveria fazer muito mais sentido centrar esforços nas primeiras décadas de vida com saúde e educação mais eficientes, dando espaço para que o indivíduo tenha condições de aumentar sua produtividade e precisar menos do Estado no fim da vida. Em sociedades que não prezam pela busca de produtividade a proteção ao passado é maior do que o estímulo ao futuro.

Toda a dificuldade do país em centrar esforços no que é relevante, como educação e saúde, emperra a capacidade de o país crescer. Ao estimular benefícios maiores para a população mais rica e idosa nega-se o futuro à população mais nova.

Parece cruel dizer isso, pois pode dar a impressão de que os aposentados estão perdendo a proteção que lhe foi dada. Mas qual o sentido de justiça em proteger muito mais a população mais velha em detrimento da população mais jovem? A questão apenas começa a ser de recursos escassos para essa troca de gerações, mas, em poucos anos, será inviável cuidar da população mais nova, pois grande parte dos recursos estará sendo destinada aos mais velhos.

Essa opção insistente do Brasil em privilegiar a população mais velha em detrimento da mais jovem é uma das razões pela baixa taxa de poupança no Brasil. Ao ser um fornecedor sem fim de benefícios, diminui a necessidade percebida da população em poupar. Só que menos poupança em geral significa juros mais elevados.

O santo graal que o Banco Central busca de ter juros permanentemente mais baixos está intimamente ligado com a necessidade de aumentar a poupança doméstica. Parte central disso é perceber que não dá mais para seguir usando a política fiscal como um sorvedouro de recursos da sociedade. Ao se manter esse buraco sem fim cada vez mais os juros terão que subir, piorando as perspectivas de crescimento da economia.

Por isso que o que menos importa hoje é se o BC vai baixar 1 ou 1,25 ponto. Não aprovar a reforma da previdência sinalizará um fiscal sobremaneira pior nos próximos anos, sem alternativas viáveis além do tradicional aumento de imposto. Menos preocupação com o BC e mais com a votação da reforma é que a sociedade deveria ter nesse momento.

SERGIO VALE

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Em semana de decisão de juros, a discussão voltou a se centrar na possibilidade de o BC ser mais agressivo e baixar os juros em 1,25 ponto percentual ou até mais para alguns mais animados.

Em tese, haveria espaço para que a queda se acelerasse neste mês para além do 1 ponto percentual que certamente virá. A inflação, razão maior das preocupações do banco, deve ficar abaixo da meta de 4,5% já em abril. Considerando que sazonalmente as inflações de meados do ano são mais baixas, em geral por conta de alimentação, caminhamos para ter inflação próxima de 3% em torno de agosto. Até o final do ano, se a média se mantiver em 0,32% ao mês no segundo semestre, 2017 fecharia em 3,9%. Não seria surpresa se números até um pouco mais baixos ocorressem. Esses números também facilitarão o trabalho do banco de puxar a meta de inflação em 2019 para baixo, talvez para 4%.

Com tantas boas novas, porque o BC não acelera a queda de juros? A maior razão, certamente, se encontra há algumas quadras da sede do banco em Brasília e a triste notícia é que esse é o menor dos problemas agora.

A reforma da previdência a ser votada nas próximas semanas é mais do que a mãe de todas as reformas de Temer. Ela se configura como uma janela de oportunidade inédita de um presidente que não tem ambições políticas e que conhece o Congresso com a palma da mão. Qualquer presidente que entrar em 2019 terá que cometer estelionato eleitoral ao mentir na eleição que nada fará na previdência. Com a população tão arisca com o tema, a melhor opção é aprovar o quanto antes.

Mas como sempre em reformas desse calibre, a incerteza quanto à votação só aumenta. Os placares em alguns jornais mostram uma maioria significativa contra qualquer reforma, o que dificulta a força do Executivo em convencer os deputados da necessidade da reforma. Pode se jogar na conta da falta de propaganda a dificuldade de o governo conseguir vender seu peixe, mas a verdade é que temas como esses dificilmente seriam aceitos pela população. Em um país acostumado com o setor público bancando salários e benefício para mais da metade da população, e sendo justamente essa faixa a mais afetada pela reforma, difícil acreditar que não houvesse tanta resistência.

Parte do problema é que a reforma atrasou sobremaneira enquanto outros países foram fazendo ajustes gradativos ao longo do tempo, com discussões longas antes da crise chegar. O Brasil, como sempre, teve que chegar a uma crise significativa tendo feito muito pouco de reforma no setor.

Interessante notar que a sociedade ainda luta para entender que existem restrições. Aquela velha visão de que o brasileiro gosta de se endividar e depois não sabe o que fazer com a dívida parece que permeia a aceitação de soluções mágicas em todas as esferas de governo. Essa visão equivocada dá espaço para visões de que cobrar dívidas de empresas, mudar a contabilidade, etc, resolveria o problema. A falsa contrainformação é aliada de quem quer manter seus benefícios intocados e esta não é a população mais pobre. Para esta, deveria fazer muito mais sentido centrar esforços nas primeiras décadas de vida com saúde e educação mais eficientes, dando espaço para que o indivíduo tenha condições de aumentar sua produtividade e precisar menos do Estado no fim da vida. Em sociedades que não prezam pela busca de produtividade a proteção ao passado é maior do que o estímulo ao futuro.

Toda a dificuldade do país em centrar esforços no que é relevante, como educação e saúde, emperra a capacidade de o país crescer. Ao estimular benefícios maiores para a população mais rica e idosa nega-se o futuro à população mais nova.

Parece cruel dizer isso, pois pode dar a impressão de que os aposentados estão perdendo a proteção que lhe foi dada. Mas qual o sentido de justiça em proteger muito mais a população mais velha em detrimento da população mais jovem? A questão apenas começa a ser de recursos escassos para essa troca de gerações, mas, em poucos anos, será inviável cuidar da população mais nova, pois grande parte dos recursos estará sendo destinada aos mais velhos.

Essa opção insistente do Brasil em privilegiar a população mais velha em detrimento da mais jovem é uma das razões pela baixa taxa de poupança no Brasil. Ao ser um fornecedor sem fim de benefícios, diminui a necessidade percebida da população em poupar. Só que menos poupança em geral significa juros mais elevados.

O santo graal que o Banco Central busca de ter juros permanentemente mais baixos está intimamente ligado com a necessidade de aumentar a poupança doméstica. Parte central disso é perceber que não dá mais para seguir usando a política fiscal como um sorvedouro de recursos da sociedade. Ao se manter esse buraco sem fim cada vez mais os juros terão que subir, piorando as perspectivas de crescimento da economia.

Por isso que o que menos importa hoje é se o BC vai baixar 1 ou 1,25 ponto. Não aprovar a reforma da previdência sinalizará um fiscal sobremaneira pior nos próximos anos, sem alternativas viáveis além do tradicional aumento de imposto. Menos preocupação com o BC e mais com a votação da reforma é que a sociedade deveria ter nesse momento.

SERGIO VALE
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