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Que o governo crie uma Comissão de Produtividade

Esperava-se que o atual semestre teria foco na reforma tributária, a qual acabou atropelada pelas indecisões de agenda no Ministério da Economia

Guedes: o Brasil, pelo seu tamanho e liderança, não tem a unidade interna que facilitaria a discussão de reformas (Adriano Machado/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de dezembro de 2019 às 13h49.

Se é verdade que a economia melhorou no segundo semestre, o mesmo não se pode dizer da agenda de reformas do governo. O primeiro semestre teve foco na previdência com aprovação finalizada em outubro de uma boa reforma. Esperava-se que o atual semestre teria foco na reforma tributária, a qual acabou atropelada pelas indecisões de agenda no Ministério da Economia. Terminamos o ano sem avanços na Lei de Falências e na de Saneamento, mas com a criação de três novas PECs fiscais, que devem avançar pouco em 2020, por ser ano eleitoral, o que faz a agenda legislativa durar apenas um semestre.

Com o andar mais lento das reformas, o quão prejudicial isso poderá ser para a retomada do crescimento? Na verdade, essa percepção de uma dificuldade atávica de se fazer reformas foi muito bem documentado no livro recém-divulgado do Marcos Mendes chamado “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?”.

A ideia é que países complexos como o Brasil, com democracia em evolução, sistema político-partidário que dificulta maiorias estáveis e Constituição muito detalhada e rígida tendem a ter mais dificuldade de avançar em reformas. Mendes junta outro conjunto interessante de problemas que se referem ao tamanho do país (países pequenos sem grandes divergências federativas teriam mais facilidade em reformas) e à vizinhança (ter vizinhos reformistas e/ou aderir a um país maior reformista ajudaria no processo). O Brasil, pelo seu tamanho e liderança, não tem esse espelho nem essa unidade interna que facilitaria a discussão de reformas. Aqui os lobbies regionais e setoriais acabam sendo mais fortes. Países pequenos, naturalmente por não conseguirem ser grandes produtores, acabam sendo mais abertos e isso dificulta o surgimento de lobbies empresariais domésticos que flertem demais com o protecionismo e/ou subsídios para empresas domésticas.

O que fazer? Mendes sugere diversas opções como manter os objetivos claros, melhorar a comunicação, conectar as reformas com a melhora das condições de vida, disciplinar as relações federativas, entre outras. Dentre dessas outras, talvez as mais interessantes passem por seguir o exemplo da Austrália e da Índia. O primeiro país criou uma Comissão de Produtividade, com o objetivo de estudar as melhores práticas para aumentar a produtividade do país. Seriam estudos que cotejariam os prós e contras das reformas, sem viés partidário ou setorial. Seria um ganho importante na sistematização de uma agenda hoje que, de certa forma, se encontra dispersa entre o Congresso, Ministérios e Banco Central.

Seguir a Índia significa aprovar medidas regulatórias que não dependem do Congresso. Vimos o exemplo recente com a limitação de juros do cheque especial, que foi feito apenas com uma Norma do Banco Central. Mendes cita outras como a revogação de medidas antidumping que venceram, redução de benefícios fiscais feitos por decreto e privatização de empresas que não dependem de autorização legal.

A Comissão de Produtividade poderia se encarregar, em um primeiro momento, em avançar nas medidas que não dependem do Congresso e servirem de insumo para os demais órgãos do governo. Teria o papel positivo que a excelente Instituição Fiscal Independente (IFI) tem tido na discussão recente sobre o setor público. Ao mesmo tempo, poderia ser como a IFI um órgão vinculado ao Congresso com a função permanente e apartidária de subsidiar o poder legislativo com medidas de aumento de produtividade. A sistematização de ideias reformistas que não dependam de um outro governo seria uma evolução institucional muito positiva. Seria saudável para o governo que as reformas não tivessem a chancela simplesmente do Ministro da Economia da vez, mas um respaldo técnico e transparente do que se poderia fazer. O exemplo do teto dos juros no cheque especial vem à tona, pois foi feito um amplo e competente estudo técnico para embasar a decisão.

O que não se pode ver é o grau de dispersão que se viu no segundo semestre, em que a reforma tributária perdeu espaço para discussões sem fim sobre a liberação do FGTS e a carteira verde amarela, sem falar na perda de tempo que se teve com a reinvenção tentada da CPMF. Mesmo as PECs fiscais, em que pese positivas, trazem a dúvida sobre o tempo que se gastará em tantas propostas. Fica a dúvida se o governo não perdeu o foco das reformas e se não seria o caso de se pensar na estrutura mais permanente da Comissão de Produtividade.

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Se é verdade que a economia melhorou no segundo semestre, o mesmo não se pode dizer da agenda de reformas do governo. O primeiro semestre teve foco na previdência com aprovação finalizada em outubro de uma boa reforma. Esperava-se que o atual semestre teria foco na reforma tributária, a qual acabou atropelada pelas indecisões de agenda no Ministério da Economia. Terminamos o ano sem avanços na Lei de Falências e na de Saneamento, mas com a criação de três novas PECs fiscais, que devem avançar pouco em 2020, por ser ano eleitoral, o que faz a agenda legislativa durar apenas um semestre.

Com o andar mais lento das reformas, o quão prejudicial isso poderá ser para a retomada do crescimento? Na verdade, essa percepção de uma dificuldade atávica de se fazer reformas foi muito bem documentado no livro recém-divulgado do Marcos Mendes chamado “Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?”.

A ideia é que países complexos como o Brasil, com democracia em evolução, sistema político-partidário que dificulta maiorias estáveis e Constituição muito detalhada e rígida tendem a ter mais dificuldade de avançar em reformas. Mendes junta outro conjunto interessante de problemas que se referem ao tamanho do país (países pequenos sem grandes divergências federativas teriam mais facilidade em reformas) e à vizinhança (ter vizinhos reformistas e/ou aderir a um país maior reformista ajudaria no processo). O Brasil, pelo seu tamanho e liderança, não tem esse espelho nem essa unidade interna que facilitaria a discussão de reformas. Aqui os lobbies regionais e setoriais acabam sendo mais fortes. Países pequenos, naturalmente por não conseguirem ser grandes produtores, acabam sendo mais abertos e isso dificulta o surgimento de lobbies empresariais domésticos que flertem demais com o protecionismo e/ou subsídios para empresas domésticas.

O que fazer? Mendes sugere diversas opções como manter os objetivos claros, melhorar a comunicação, conectar as reformas com a melhora das condições de vida, disciplinar as relações federativas, entre outras. Dentre dessas outras, talvez as mais interessantes passem por seguir o exemplo da Austrália e da Índia. O primeiro país criou uma Comissão de Produtividade, com o objetivo de estudar as melhores práticas para aumentar a produtividade do país. Seriam estudos que cotejariam os prós e contras das reformas, sem viés partidário ou setorial. Seria um ganho importante na sistematização de uma agenda hoje que, de certa forma, se encontra dispersa entre o Congresso, Ministérios e Banco Central.

Seguir a Índia significa aprovar medidas regulatórias que não dependem do Congresso. Vimos o exemplo recente com a limitação de juros do cheque especial, que foi feito apenas com uma Norma do Banco Central. Mendes cita outras como a revogação de medidas antidumping que venceram, redução de benefícios fiscais feitos por decreto e privatização de empresas que não dependem de autorização legal.

A Comissão de Produtividade poderia se encarregar, em um primeiro momento, em avançar nas medidas que não dependem do Congresso e servirem de insumo para os demais órgãos do governo. Teria o papel positivo que a excelente Instituição Fiscal Independente (IFI) tem tido na discussão recente sobre o setor público. Ao mesmo tempo, poderia ser como a IFI um órgão vinculado ao Congresso com a função permanente e apartidária de subsidiar o poder legislativo com medidas de aumento de produtividade. A sistematização de ideias reformistas que não dependam de um outro governo seria uma evolução institucional muito positiva. Seria saudável para o governo que as reformas não tivessem a chancela simplesmente do Ministro da Economia da vez, mas um respaldo técnico e transparente do que se poderia fazer. O exemplo do teto dos juros no cheque especial vem à tona, pois foi feito um amplo e competente estudo técnico para embasar a decisão.

O que não se pode ver é o grau de dispersão que se viu no segundo semestre, em que a reforma tributária perdeu espaço para discussões sem fim sobre a liberação do FGTS e a carteira verde amarela, sem falar na perda de tempo que se teve com a reinvenção tentada da CPMF. Mesmo as PECs fiscais, em que pese positivas, trazem a dúvida sobre o tempo que se gastará em tantas propostas. Fica a dúvida se o governo não perdeu o foco das reformas e se não seria o caso de se pensar na estrutura mais permanente da Comissão de Produtividade.

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