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O novo ciclo que se inicia na economia

Como salientado em artigo anterior, a recuperação da economia vai além da discussão sobre o PIB do ano que vem. Apesar de acreditar no crescimento de 2%, o relevante é saber se há espaço para crescimento mais sustentável de longo prazo. As questões de curto prazo estão postas, com a queda já esperada dos juros, […]

COMÉRCIO: varejistas fazem promoção para atrair dinheiro do FGTS, mas os consumidores esperam pagar dívidas com a quantia / Mario Tama/Getty Images
COMÉRCIO: varejistas fazem promoção para atrair dinheiro do FGTS, mas os consumidores esperam pagar dívidas com a quantia / Mario Tama/Getty Images
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Sérgio Vale

Publicado em 18 de outubro de 2016 às, 11h21.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h08.

Como salientado em artigo anterior, a recuperação da economia vai além da discussão sobre o PIB do ano que vem. Apesar de acreditar no crescimento de 2%, o relevante é saber se há espaço para crescimento mais sustentável de longo prazo. As questões de curto prazo estão postas, com a queda já esperada dos juros, as amarras fiscais com a regra do teto e os projetos de infraestrutura começando a andar, tendo impacto mais relevante na economia em 2018.

Mas o estrutural nesse momento é mais relevante. Além da questão de que a esquerda estará longe do poder por um bom tempo, há uma chance histórica que não se pode perder. Em pouco mais de dois anos haverá espaço para dois presidentes com chance de reformas históricas na economia.

Em um primeiro momento, Temer segue consertando o lado fiscal, restabelece a credibilidade do Banco Central e relança os projetos de infraestrutura sob novas bases. São questões que se podem dizer velhas, no sentido que são assuntos relativamente já trabalhados no passado e que se sabe o caminho a seguir. A novidade maior, a regra do teto, trata de certa forma assunto que já se consolidaram ideias no passado sobre o que fazer, com tentativa no início do governo Lula de se aprovar regra semelhante, mas que acabou sendo descartada pela equipe que gerou a crise atual.

Passado esse primeiro ciclo, o próximo presidente terá condições de lidar com questões muito mais sensíveis em seus primeiros meses de governo, que vão da reforma trabalhista à reforma tributária. Esta última talvez seja a mais aguardada para conseguir gerar crescimento de fato nos próximos anos.

O importante nesse ponto é que passados dois anos do funcionamento da regra fiscal e a sinalização de controle mais efetivo do gasto público haverá espaço para começar a diminuir a carga tributária ao longo da próxima década. Isso seria essencial como estímulo de crescimento, muito mais do que o gasto público crescente, que sempre foi o foco da esquerda.

Poderia ser dito que o governo anterior fez diversos abatimentos fiscais para as empresas. De fato, houve muitas desonerações, mas para empresas escolhidas e algo claramente temporário sem a contrapartida mais relevante ao se fazer esse movimento que era abrir mais o setor beneficiado para competição externa. O ideal no futuro será usar o benefício da queda dos gastos para diminuir a carga tributária de forma geral ao mesmo tempo que se amplia a abertura comercial. A agricultura é bom exemplo de setor aberto para o exterior, amplamente competitivo, e que não à toa tem sido o setor mais produtivo da economia desde a década de 70.

O caminho interessante da reforma tributária passaria por um rebalanceamento entre impostos diretos e indiretos. Deveria haver um aumento do imposto direto, como imposto de renda, e uma queda dos impostos indiretos, como ICMS por exemplo. Haveria queda de arrecadação? Em um primeiro momento sim, mas poderia haver um efeito positivo de aumento de vendas com quedas perceptíveis de impostos ao longo do tempo. Para isso, o ajuste fiscal que agora se faz no governo federal terá que ser pensado também para os governos estaduais, que estão engessados com pagamento de salários de funcionalismo. O governo de Goiás, por exemplo, considerando todos os pagamentos indiretos no contracheque além do salário base gasta 76% da receita líquida do estado, algo completamente inviável no longo prazo.

Em caráter mais geral, para além do ciclo de reformas, há toda uma discussão hoje sobre os condicionantes de longo prazo para o crescimento. De um lado, as questões institucionais têm aparecido como relevantes. Países com instituições inclusivas, como as chamam Daron Acemoglu e James Robinson, conseguem gerar desenvolvimento mais estável ao longo do tempo. Nesse caso, é um pouco do que já temos hoje com instituições que estão sendo reconstruídas na economia e que já existem e estão sendo aperfeiçoadas na Justiça. Ter uma Banco Central independente e crível, por exemplo, é altamente inclusivo pois afasta o risco de governos tentarem inflacionar a economia. Para isso, a regra do teto se junta às boas instituições fiscais inclusivas ao gerar condições de um crescimento não inflacionário. Essa evolução institucional é muito bem descrita em livro recente de Carlos Pereira, Marcus Melo, Bernardo Mueller e Lee Alston chamado Brazil in Transition. Outro da dupla Carlos Pereira e Marcus Melo que vale a leitura é Making Brazil Work, que foca especialmente no que a Constituição gerou de positivo nessa institucionalidade para o país nas últimas décadas.

Claro que há um excesso de leis e regulamentações, mas que estão constantemente sendo aperfeiçoadas e que garantem certo rule of law que em muitos outros países emergentes na América Latina, África e Ásia nem existem.

Outro aspecto interessante que tem sido analisado em um aspecto mais de longo prazo também é a difusão de ideias. Não basta o capital físico e humano existir, mas saber se há livre fluxo de ideias que possam gerar comportamento competitivo para gerar crescimento. Países insulares fechados a novas ideias e inovações não conseguem dar o passo além no desenvolvimento, como historicamente sempre foi a China. A Europa da Revolução Industrial avançou por haver essa competição saudável entre os recentes Estados-nação que haviam surgido da Paz de Westphalia. Vale aqui a leitura de Joel Mokyr e seu A Culture of Growth: The Origins of Modern Economy.

Por fim, há o desejo expresso da população desde as manifestações de 2013 que Estado apenas por existir sem ser eficiente nos bens que entrega não tem mais espaço. A própria regra do teto serve para nos sinalizar que o Estado já é grande e pode se reestruturar para gastar melhor. A velha máxima que se precisava de um Estado eficiente, mas que nunca se dizia como, agora terá que ser pensado ano a ano. Mais ainda, com gastos crescentes em áreas sociais eminentemente de Estado como a previdência social, a eficiência e a participação privadas terão que ser cada vez mais usadas. Dessa vez não será por opção, mas por não haver outra saída.

Instituições funcionando com o mercado de ideias recomeçando a fluir depois do forte isolamento dos últimos anos se juntam às condições usuais de economia que estão sendo reconstruídas para gerar esse prognóstico positivo para os próximos anos.

SERGIO VALE
SERGIO VALE