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O copo segue meio cheio para a evolução do consumo

Apesar da melhora da economia se espalhar para diversos segmentos além do agronegócio, ainda há muitas dúvidas sobre a recuperação e a capacidade de crescimento da economia brasileira na saída da maior recessão de sua história. De fato, muitos estudos, especialmente de Ricardo Caballero, mostram que a saída de recessões profundas como a atual são […]

INDÚSTRIA: a crise aprofundou a diferença dos salários de quem é demitido e de quem é admitido / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)
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Da Redação

Publicado em 31 de agosto de 2017 às 18h00.

Apesar da melhora da economia se espalhar para diversos segmentos além do agronegócio, ainda há muitas dúvidas sobre a recuperação e a capacidade de crescimento da economia brasileira na saída da maior recessão de sua história. De fato, muitos estudos, especialmente de Ricardo Caballero, mostram que a saída de recessões profundas como a atual são disruptivas para a evolução futura da produtividade total dos fatores.

Isso ocorre pois se desmonta a estrutura de inovação nessas empresas, em geral das primeiras áreas a serem desmontadas para sobrevivência do negócio. Voltar ao básico para sobrevivência pode cobrar seu preço no futuro na saída da crise em termos de retomada mais lenta, especialmente pela menor capacidade competitiva com produtos semelhantes de outros países.

Em que pese essa dificuldade, a saída da crise brasileira tem sido relativamente padrão. O crescimento esperado do PIB de 0,7% este ano pode parecer medíocre, mas está em linha com a possibilidade de crescimento de uma economia que não tinha políticas fiscal e monetária para serem usadas, diferente do que foi em 2008, por exemplo. Apenas este ano a queda da taxa real de juros começa a aparecer como estímulo potencial, mas depois de ter que ficar muito tempo apertada para reverter a trajetória de inflação de dois dígitos que tínhamos no começo do ano passado.

Ao mesmo tempo, o único estímulo fiscal possível veio da liberação do FGTS, mas mais do que isso não foi possível pela crise deixada pelo governo anterior. Dito isto, sair de queda de 3,6% ano passado para a alta de 0,7% este ano é uma virada particularmente relevante dado que as principais políticas de estímulo de curto prazo não estavam disponíveis a contento.

Olhando para 2018, alguns entraves que ainda existem podem começar a sair do caminho e abrir espaço para uma evolução mais positiva, especialmente do consumo, maior componente do PIB e elemento essencial de uma recuperação efetiva.

Aqui a questão está fortemente atrelada ao mercado de trabalho. E as boas notícias são de que os dados, em geral, têm evoluído mais positivamente do que os mais pessimistas esperavam. A taxa de desemprego já caiu quase um ponto percentual em poucos meses, os salários reais já crescem no mesmo ritmo de antes da crise e o emprego formal nos dados do Caged tem apresentado resultados positivos nos últimos três meses. Por que, então, o consumo não dá sinais mais consistentes de crescimento?

Uma razão possível é o que conta os dois gráficos seguintes. A crise aprofundou a diferença dos salários de quem é demitido e de quem é admitido. Para a evolução da massa de renda é interessante acompanhar a diferença dessas duas, especialmente quando o crescimento do volume de emprego ainda é baixo.

O gráfico 1 mostra como a diferença entre esses salários aumentou nos últimos anos. No caso da indústria, por exemplo, que, em geral, paga mais do que em serviços, paga-se em torno de 80% do salário de quem foi demitido. Como parênteses, é interessante ver a evolução em contraste dessa relação no setor que mais cresceu no país nos últimos anos, o agronegócio. Isso nos leva ao resultado do gráfico 2.

Ele mostra a evolução da massa de renda ao longo dos últimos anos, em que se vê que está sendo retirada renda da economia ao invés do que o aumento do salário real dos admitidos parece contar. Ao se considerar a perda de salário de quem foi demitido, vê-se porque o consumo ainda está rastejando. A observação do mercado formal de emprego leva a entender porque o crédito ao consumidor também se recupera a passos de tartaruga. Dependente das garantias que apenas o emprego formal em geral dá, empregos com salários menores levam a menor crescimento da demanda por bens e serviços e, consequentemente, do crédito para comprá-los.

A leitura do copo meio cheio permite ver também que esse ajuste salarial significa ajuste de custos para a empresa, o que é elemento de aumento de produtividade. Por mais que se possa perder em capacidade de inovação, como os estudos de Caballero mostram, a produtividade do trabalho tende a sair um pouco mais elevada, o que ajuda em uma recuperação sem pressão de custos que possa pressionar a inflação.

Além disso, os dados parecem apontar para saldo positivo em 2018, ano especialmente importante por causa das eleições. A possibilidade de chegarmos à metade do ano que vem com o consumo expandindo em bases mais sólidas será essencial para o cenário de eleição de alguém moderado, que conseguirá vender a história de que as políticas feitas eram as corretas.

SERGIO VALE

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Apesar da melhora da economia se espalhar para diversos segmentos além do agronegócio, ainda há muitas dúvidas sobre a recuperação e a capacidade de crescimento da economia brasileira na saída da maior recessão de sua história. De fato, muitos estudos, especialmente de Ricardo Caballero, mostram que a saída de recessões profundas como a atual são disruptivas para a evolução futura da produtividade total dos fatores.

Isso ocorre pois se desmonta a estrutura de inovação nessas empresas, em geral das primeiras áreas a serem desmontadas para sobrevivência do negócio. Voltar ao básico para sobrevivência pode cobrar seu preço no futuro na saída da crise em termos de retomada mais lenta, especialmente pela menor capacidade competitiva com produtos semelhantes de outros países.

Em que pese essa dificuldade, a saída da crise brasileira tem sido relativamente padrão. O crescimento esperado do PIB de 0,7% este ano pode parecer medíocre, mas está em linha com a possibilidade de crescimento de uma economia que não tinha políticas fiscal e monetária para serem usadas, diferente do que foi em 2008, por exemplo. Apenas este ano a queda da taxa real de juros começa a aparecer como estímulo potencial, mas depois de ter que ficar muito tempo apertada para reverter a trajetória de inflação de dois dígitos que tínhamos no começo do ano passado.

Ao mesmo tempo, o único estímulo fiscal possível veio da liberação do FGTS, mas mais do que isso não foi possível pela crise deixada pelo governo anterior. Dito isto, sair de queda de 3,6% ano passado para a alta de 0,7% este ano é uma virada particularmente relevante dado que as principais políticas de estímulo de curto prazo não estavam disponíveis a contento.

Olhando para 2018, alguns entraves que ainda existem podem começar a sair do caminho e abrir espaço para uma evolução mais positiva, especialmente do consumo, maior componente do PIB e elemento essencial de uma recuperação efetiva.

Aqui a questão está fortemente atrelada ao mercado de trabalho. E as boas notícias são de que os dados, em geral, têm evoluído mais positivamente do que os mais pessimistas esperavam. A taxa de desemprego já caiu quase um ponto percentual em poucos meses, os salários reais já crescem no mesmo ritmo de antes da crise e o emprego formal nos dados do Caged tem apresentado resultados positivos nos últimos três meses. Por que, então, o consumo não dá sinais mais consistentes de crescimento?

Uma razão possível é o que conta os dois gráficos seguintes. A crise aprofundou a diferença dos salários de quem é demitido e de quem é admitido. Para a evolução da massa de renda é interessante acompanhar a diferença dessas duas, especialmente quando o crescimento do volume de emprego ainda é baixo.

O gráfico 1 mostra como a diferença entre esses salários aumentou nos últimos anos. No caso da indústria, por exemplo, que, em geral, paga mais do que em serviços, paga-se em torno de 80% do salário de quem foi demitido. Como parênteses, é interessante ver a evolução em contraste dessa relação no setor que mais cresceu no país nos últimos anos, o agronegócio. Isso nos leva ao resultado do gráfico 2.

Ele mostra a evolução da massa de renda ao longo dos últimos anos, em que se vê que está sendo retirada renda da economia ao invés do que o aumento do salário real dos admitidos parece contar. Ao se considerar a perda de salário de quem foi demitido, vê-se porque o consumo ainda está rastejando. A observação do mercado formal de emprego leva a entender porque o crédito ao consumidor também se recupera a passos de tartaruga. Dependente das garantias que apenas o emprego formal em geral dá, empregos com salários menores levam a menor crescimento da demanda por bens e serviços e, consequentemente, do crédito para comprá-los.

A leitura do copo meio cheio permite ver também que esse ajuste salarial significa ajuste de custos para a empresa, o que é elemento de aumento de produtividade. Por mais que se possa perder em capacidade de inovação, como os estudos de Caballero mostram, a produtividade do trabalho tende a sair um pouco mais elevada, o que ajuda em uma recuperação sem pressão de custos que possa pressionar a inflação.

Além disso, os dados parecem apontar para saldo positivo em 2018, ano especialmente importante por causa das eleições. A possibilidade de chegarmos à metade do ano que vem com o consumo expandindo em bases mais sólidas será essencial para o cenário de eleição de alguém moderado, que conseguirá vender a história de que as políticas feitas eram as corretas.

SERGIO VALE
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