O Brasil pode se dar bem em um mundo mais nacionalista?
Às vezes é tentador olhar o cenário internacional apenas pela lupa do curto prazo. A simples análise dos dados econômicos permite certa preocupação quando se olha 2016. Exemplos não têm faltado: o PIB americano e seu mercado de trabalho estão em desaceleração; a China parece ter passado por seu pior momento no começo do ano, […]
Da Redação
Publicado em 21 de junho de 2016 às 11h55.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.
Às vezes é tentador olhar o cenário internacional apenas pela lupa do curto prazo. A simples análise dos dados econômicos permite certa preocupação quando se olha 2016. Exemplos não têm faltado: o PIB americano e seu mercado de trabalho estão em desaceleração; a China parece ter passado por seu pior momento no começo do ano, e agora segue firme em crescimento de 6,5%, mas com riscos contraídos em um crescimento fortemente baseado em crédito; a Europa em novo risco de colapso, seja com uma possível saída do Reino Unido, seja com a infinita crise econômica no sul europeu; e os emergentes seguem em dificuldades com a queda dos preços das commodities.
Tudo isso é verdade, mas os riscos de fundo, de prazo mais longo, são mais preocupantes do que as questões de curto prazo parecem sinalizar.
Há uma aparente insatisfação geral das sociedades com a condução política de seus países, e com a reação inadequada de seus dirigentes de tentar controlar e isolar ainda mais suas economias. EUA, Europa e China têm sinalizado em diversos graus o receio com o externo, que pode ser simplificado por um medo geral da globalização. A classe política de extrema direita e nacionalista tem vencido o discurso do medo com uma narrativa de buscar a segurança do emprego doméstico isolando cada país do resto do mundo. Alguns estudos como os de Daron Acemoglu e David Autor (entre outros), é verdade, mostram que a China teve impacto relevante na perda de empregos nos EUA nos últimos anos, mas daí a considerar a globalização uma culpada geral dos problemas domésticos é um passo longo demais, apesar de persuasivo para as populações em geral.
Se o discurso de Trump não sair vencedor, que é o que se espera, Hillary Clinton de qualquer maneira acabou sendo pressionada a se tornar mais protecionista ao questionar a validade do acordo comercial em discussão com o Pacífico, o TIPS. Mas, ao mesmo tempo, a literatura econômica indica que maior abertura comercial é positiva para o aumento de produtividade, que é justamente o grande dilema americano neste momento. Sem baby boom a mais e com o risco fiscal aumentando com o envelhecimento da população, crescer vai depender cada vez mais de aumentos relevantes de produtividade. Mas a depender do prognóstico sombrio de Robert Gordon em seu livro The Rise and Fall of American Growth, não devemos ver fontes robustas de crescimento de produtividade no futuro como foi no período das invenções dos séculos XIX e XX. Sem espaço para acordos mais gerais na OMC, dificultados pelo próprio sistema inviável de solução de negociações, acordos preferenciais de comércio tenderão a ser norma e não exceção. Mas como lidar com uma economia americana refratária à maior abertura comercial? Como querer aumentar a produtividade em uma economia que não quer se abrir mais?
A Europa segue o mesmo caminho. A possível saída da Inglaterra da União Europeia, mesmo que, espera-se, não se concretize, sinaliza que o velho continente segue sem conseguir criar um discurso real de unificação. Isso é mais crítico para a Zona do Euro, em que os riscos de ajustamento econômico parcial no sul da Europa continuarão demandando ajuda do Banco Central Europeu por um bom tempo. Até quando a Alemanha estará disposta a ser benevolente? O crescimento da extrema direita, com riscos de governabilidade mais à frente para o governo Merkel, sinaliza novo risco de aversão ao projeto do euro.
Na China, o discurso de Xi Jiping na posse, em 2013, parecia liberal, mas tem se mostrado cada vez mais estatizante. Os planos de política industrial apresentados neste ano no Made in China 2025 e no 13º Plano de Cinco Anos não contemplam nada de desregulação nem aumento de liberalização, como nos lembra Arthur Kroeber em artigo recente. Há uma tentativa aparente de aumentar o papel das empresas estatais como estabilizadoras macro da economia, fugindo da tendência liberalizante que durou poucos anos no final dos anos 90 com o governo do primeiro ministro Zhu Rongji. Mais ainda, os chineses parecem acreditar que conseguirão dar o salto de produtor eficiente de bens industriais de baixo nível tecnológico para de alto nível tecnológico reforçando o papel das estatais. Mas a evolução dos países industrializados nas últimas décadas mostra que é justamente o contrário que consegue levar a um salto de produtividade. Sem o aumento gradativo do setor privado, o rent seeking e o crony capitalism, que já estamos acostumados a ver em nossas empresas estatais na América Latina, vai apenas aumentar. Assim, parece haver uma tendência nacionalista contra a liberalização que deve gerar, como historicamente sempre foi, menos produtividade e menos crescimento. A China caminha rapidamente para se tornar um país endividado e envelhecido antes de ficar rico, com as possíveis intempéries sociais das quais os chineses tanto tentam fugir desde o massacre da Praça da Paz Celestial em 1989.
Onde fica o Brasil neste mundo que parece querer se fechar, e com dificuldades de achar condições domésticas de crescimento? O caminho parece começar agora, com um discurso que sai do nacionalismo rasteiro da presidente Dilma — o que parece valer também para boa parte da América Latina hoje, exemplificados pela Argentina, Peru e Colômbia. Se seguirmos o caminho das reformas e do ajuste fiscal, estaremos na contramão de um mundo com sede de se fechar. A paciência de esperar pelo forte ajuste que terá que ser feito poderá ser paga por um país que estará mais ajustado em um mundo com dificuldades de crescer. Basta lembrar que não há lugar no mundo com potencial de investimento em infraestrutura como o país hoje. É como se tivéssemos um país começando do zero no mundo que está querendo caminhar para o negativo.
Certamente nada disso será fácil, mas a persistência das boas políticas econômicas poderá dar bons frutos no futuro, não apenas aqui dentro, mas como chamariz neste mundo mais fechado que pode vir pela frente. Por isso, é essencial que se consiga arrumar a casa em nível macro e recomeçar o ajuste na microeconomia. Sem nenhum retrocesso no meio do caminho, como a volta das ideias petistas ao poder, será possível pensar em aumento de produtividade no meio de um mundo com dificuldade para tal.
Às vezes é tentador olhar o cenário internacional apenas pela lupa do curto prazo. A simples análise dos dados econômicos permite certa preocupação quando se olha 2016. Exemplos não têm faltado: o PIB americano e seu mercado de trabalho estão em desaceleração; a China parece ter passado por seu pior momento no começo do ano, e agora segue firme em crescimento de 6,5%, mas com riscos contraídos em um crescimento fortemente baseado em crédito; a Europa em novo risco de colapso, seja com uma possível saída do Reino Unido, seja com a infinita crise econômica no sul europeu; e os emergentes seguem em dificuldades com a queda dos preços das commodities.
Tudo isso é verdade, mas os riscos de fundo, de prazo mais longo, são mais preocupantes do que as questões de curto prazo parecem sinalizar.
Há uma aparente insatisfação geral das sociedades com a condução política de seus países, e com a reação inadequada de seus dirigentes de tentar controlar e isolar ainda mais suas economias. EUA, Europa e China têm sinalizado em diversos graus o receio com o externo, que pode ser simplificado por um medo geral da globalização. A classe política de extrema direita e nacionalista tem vencido o discurso do medo com uma narrativa de buscar a segurança do emprego doméstico isolando cada país do resto do mundo. Alguns estudos como os de Daron Acemoglu e David Autor (entre outros), é verdade, mostram que a China teve impacto relevante na perda de empregos nos EUA nos últimos anos, mas daí a considerar a globalização uma culpada geral dos problemas domésticos é um passo longo demais, apesar de persuasivo para as populações em geral.
Se o discurso de Trump não sair vencedor, que é o que se espera, Hillary Clinton de qualquer maneira acabou sendo pressionada a se tornar mais protecionista ao questionar a validade do acordo comercial em discussão com o Pacífico, o TIPS. Mas, ao mesmo tempo, a literatura econômica indica que maior abertura comercial é positiva para o aumento de produtividade, que é justamente o grande dilema americano neste momento. Sem baby boom a mais e com o risco fiscal aumentando com o envelhecimento da população, crescer vai depender cada vez mais de aumentos relevantes de produtividade. Mas a depender do prognóstico sombrio de Robert Gordon em seu livro The Rise and Fall of American Growth, não devemos ver fontes robustas de crescimento de produtividade no futuro como foi no período das invenções dos séculos XIX e XX. Sem espaço para acordos mais gerais na OMC, dificultados pelo próprio sistema inviável de solução de negociações, acordos preferenciais de comércio tenderão a ser norma e não exceção. Mas como lidar com uma economia americana refratária à maior abertura comercial? Como querer aumentar a produtividade em uma economia que não quer se abrir mais?
A Europa segue o mesmo caminho. A possível saída da Inglaterra da União Europeia, mesmo que, espera-se, não se concretize, sinaliza que o velho continente segue sem conseguir criar um discurso real de unificação. Isso é mais crítico para a Zona do Euro, em que os riscos de ajustamento econômico parcial no sul da Europa continuarão demandando ajuda do Banco Central Europeu por um bom tempo. Até quando a Alemanha estará disposta a ser benevolente? O crescimento da extrema direita, com riscos de governabilidade mais à frente para o governo Merkel, sinaliza novo risco de aversão ao projeto do euro.
Na China, o discurso de Xi Jiping na posse, em 2013, parecia liberal, mas tem se mostrado cada vez mais estatizante. Os planos de política industrial apresentados neste ano no Made in China 2025 e no 13º Plano de Cinco Anos não contemplam nada de desregulação nem aumento de liberalização, como nos lembra Arthur Kroeber em artigo recente. Há uma tentativa aparente de aumentar o papel das empresas estatais como estabilizadoras macro da economia, fugindo da tendência liberalizante que durou poucos anos no final dos anos 90 com o governo do primeiro ministro Zhu Rongji. Mais ainda, os chineses parecem acreditar que conseguirão dar o salto de produtor eficiente de bens industriais de baixo nível tecnológico para de alto nível tecnológico reforçando o papel das estatais. Mas a evolução dos países industrializados nas últimas décadas mostra que é justamente o contrário que consegue levar a um salto de produtividade. Sem o aumento gradativo do setor privado, o rent seeking e o crony capitalism, que já estamos acostumados a ver em nossas empresas estatais na América Latina, vai apenas aumentar. Assim, parece haver uma tendência nacionalista contra a liberalização que deve gerar, como historicamente sempre foi, menos produtividade e menos crescimento. A China caminha rapidamente para se tornar um país endividado e envelhecido antes de ficar rico, com as possíveis intempéries sociais das quais os chineses tanto tentam fugir desde o massacre da Praça da Paz Celestial em 1989.
Onde fica o Brasil neste mundo que parece querer se fechar, e com dificuldades de achar condições domésticas de crescimento? O caminho parece começar agora, com um discurso que sai do nacionalismo rasteiro da presidente Dilma — o que parece valer também para boa parte da América Latina hoje, exemplificados pela Argentina, Peru e Colômbia. Se seguirmos o caminho das reformas e do ajuste fiscal, estaremos na contramão de um mundo com sede de se fechar. A paciência de esperar pelo forte ajuste que terá que ser feito poderá ser paga por um país que estará mais ajustado em um mundo com dificuldades de crescer. Basta lembrar que não há lugar no mundo com potencial de investimento em infraestrutura como o país hoje. É como se tivéssemos um país começando do zero no mundo que está querendo caminhar para o negativo.
Certamente nada disso será fácil, mas a persistência das boas políticas econômicas poderá dar bons frutos no futuro, não apenas aqui dentro, mas como chamariz neste mundo mais fechado que pode vir pela frente. Por isso, é essencial que se consiga arrumar a casa em nível macro e recomeçar o ajuste na microeconomia. Sem nenhum retrocesso no meio do caminho, como a volta das ideias petistas ao poder, será possível pensar em aumento de produtividade no meio de um mundo com dificuldade para tal.