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O Brasil no meio do trumpismo

Com os EUA mais petroleiros do que nunca e uma China que investe crescentemente em renováveis, há espaço para aproximação

US President Donald Trump speaks in the Roosevelt Room at the White House on January 21, 2025, in Washington, DC. (Photo by Jim WATSON / AFP) (AFP)

US President Donald Trump speaks in the Roosevelt Room at the White House on January 21, 2025, in Washington, DC. (Photo by Jim WATSON / AFP) (AFP)

Sergio Vale
Sergio Vale

Colunista

Publicado em 5 de fevereiro de 2025 às 19h35.

Minha última coluna versava sobre Trump ser um homem do século XIX, mas parece que ele quer retroceder mais ainda na comparação secular. Ter atacado os vizinhos via ameaça tarifária, quando não militar, nos faz levar Trump para séculos anteriores ao XIX. A pá de cal em qualquer esperança que alguém pudesse ter de um governo menos agressivo não se deu apenas com os ataques aos vizinhos, mas especialmente com a proposta de dizimar de vez Gaza. A histórica solução de dois Estados que deveria ser um norte está dinamitada, pelo menos por ora, por mais uma bravata trumpista.

É com esse governo mais do que errático que o Brasil terá que lidar nos próximos anos. Paradoxalmente, estamos longe do mundo, digamos assim, e a não ser pelo interesse nas commodities, nosso país nunca foi alvo de interesse no mesmo nível que os EUA têm com México e América Central. Tanto é assim que a guerra comercial, por razões de déficit e de imigração, se concentra em seus vizinhos imediatos. Nós somos quase irrelevantes para Trump neste momento.

Isso não quer dizer que não veremos aumento de tarifa acontecendo. Quando Trump virou presidente em 2016 levou tempo para ele implementar sua guerra tarifária. Não será diferente agora e algum aumento de tarifa certamente acontecerá. Com a economia ainda aquecida, Trump deve ter sido convencido pelos seus bilionários, que por dever de ofício precisam entender mais de economia, de que uma guerra comercial agressiva nesse momento de economia aquecida poderia jogar os EUA num cenário econômico mais grave.

Mas mais do que os entraves comerciais que Trump cria sejam já graves por si só, o conjunto de ações, como sair da OMS, desmontar a USAID e outras que certamente virão, colocam os EUA numa posição de saída da posição construída pós-Segunda Guerra Mundial. Não parece haver o espírito que prevaleceu na Conferência de Yalta ao final da guerra quando o mundo começou a ser repartido entre EUA e União Soviética, com esferas de influência claras de cada lado. Agora parece haver uma Yalta perversa, em que o lado Ocidental não tem nenhuma intenção de preservar relações construídas. É a aceitação tácita de um mundo que não é mais unipolar, mas indo para um outro extremo, em que os EUA de fato se viram apenas para si mesmos.

Com isso, está sendo construído o caminho de uma China certamente mais forte e alinhada com outros países com espaço de aproximação maior com o Brasil. A dependência de exportação para crescer fará com os chineses trabalhem o comércio com o Brasil como uma via de mão dupla. Haverá interesse em ampliar as importações de commodities, mas certamente também de aproximação na exportação de produtos industrializados, especialmente de maior tecnologia. Isso já começa acontecer na indústria automobilística. Dado que o Brasil historicamente sempre foi dos mais protecionistas no mundo, isso abre espaço não apenas para uma ampliação de comércio, mas também de presença mais efetiva de empresas chinesas no Brasil, o que também já vemos acontecer no caso da automotiva.

Será um momento também de aproximação dos dois países no campo da energia renovável. Com os EUA mais petroleiros do que nunca e uma China que investe crescentemente em renováveis, há espaço para aproximação. Isso tenderia a reforçar a opção de o Brasil acelerar acordos comerciais com outros países. Pode parecer paradoxal falar disso com os americanos se tornando protecionistas, mas não se pode esquecer que aumentar o comércio segue sendo o melhor jeito de aumentar a produtividade de um país, vide exemplos históricos de Coreia do Sul, Tailândia, Polônia e outros. O acordo comercial com a União Europeia, nesse sentido, deveria ser acelerado, por mais que a Europa já não esteja em seu melhor momento.

Quando se pensa em commodities e energia renovável, o Brasil está do lado certo, que tem potencial em seu futuro e deveríamos olhar o desastre americano como oportunidade para ampliação dessas frentes mundo afora, especialmente em ano de COP. Isso será um desafio para o Brasil, que nos últimos anos ou foi excessivamente neutro, ou muitas vezes tomando posições diplomaticamente equivocadas. O fato é que apesar do trumpismo ter vindo para ficar como efeito dentro do Partido Republicano, o Brasil terá que continuar sendo cauteloso. O interesse comercial cada vez maior é na Ásia, mas ao pertencer à América Latina há uma relação inevitável e histórica a se manter com os EUA.

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