Exame.com
Continua após a publicidade

O Brasil fora da globalização

Em meio às inúmeras reformas que o governo Temer tem feito, pouco se falou sobre o aumento de acordos comerciais. É verdade que o discurso mudou e há interesse, por exemplo, em se associar à OCDE, o que seria um marco de inserção internacional importante. Obviamente, tais acordos levam tempo para serem implementados, especialmente em […]

PRESIDENTES DE MÉXICO E POLÔNIA SE ENCONTRAM EM 24 DE ABRIL: os dois países dinamizaram suas economias ao entrar em cadeias globais de valor  / Henry Romero/ Reuters
PRESIDENTES DE MÉXICO E POLÔNIA SE ENCONTRAM EM 24 DE ABRIL: os dois países dinamizaram suas economias ao entrar em cadeias globais de valor / Henry Romero/ Reuters
S
Sérgio Vale

Publicado em 25 de abril de 2017 às, 17h58.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h27.

Em meio às inúmeras reformas que o governo Temer tem feito, pouco se falou sobre o aumento de acordos comerciais. É verdade que o discurso mudou e há interesse, por exemplo, em se associar à OCDE, o que seria um marco de inserção internacional importante. Obviamente, tais acordos levam tempo para serem implementados, especialmente em um momento em que parte do mundo se desfaz de acordos comerciais, como a Inglaterra com o Brexit, e os EUA saindo do TPP no começo do ano. O espaço para novos acordos diminui quando há incerteza sobre que modelo de comércio internacional surgirá dos principais players.

De qualquer maneira, pode ser que o Brasil tenha perdido o bonde da história. Em livro recente sobre globalização e o impacto da tecnologia na mesma, Richard Baldwin mostra indiretamente que países que se furtaram a entrar em cadeias globais de valor com países industrializados perderam a chance de aumentos de renda relevantes.

O nome do livro, The Great Convergence, considera a diferença fundamental entre a globalização recente, impactada fortemente pela capacidade de transferência de ideias e tecnologia, comparada com a globalização anterior aos anos 80, que era baseada em bolsões de comércio em que os países ricos produziam e mantinham a tecnologia e as ideias em seus países. Ao manter toda a cadeia de valor em um mesmo país e apenas comercializar com os países mais pobres havia aumento de renda nos países mais ricos, mas o mesmo não ocorria nos em desenvolvimento. Daí esse período poder ter sido considerado como de grande divergência de renda entre ricos e pobres.

O ciclo recente de globalização permitiu que cadeias de valor regionais fossem construídas, com EUA e México, Alemanha e Polônia ou Japão e Vietnã. Essa disponibilidade de tecnologia e ideias permitiu que esses países mais pobres aumentassem sua renda e participação industrial em detrimento de uma perda relativa desses itens nos países industrializados.

Há aqui algo inexorável que se dá pelo avanço da tecnologia e para o qual não há muito o que fazer. Aumentar a competitividade das companhias implica em dispersar partes da produção mundo a fora. Esse aumento de convergência está, em boa parte, por trás da percepção da classe média baixa dos países desenvolvidos de que tiveram perdas relativas ou ao menos ganhos muito pequenos nas últimas décadas, e o pior que isso é verdade.

Mas como discutido em artigo semana passada, para os países industrializados, imposto de renda mais progressivo com um aumento do caráter distributivo via educação seria uma saída para esses países. Diminuiria a percepção de aumento da desigualdade doméstica ao menos (mas não internacional) e permitiria o desenvolvimento de novas habilidades para a parcela da população menos educada, em geral a mais pobre.

Para o Brasil, quase nada citado no livro, por também estar muito fora dessa nova globalização, nota-se como o país possa ter perdido espaço de forma significativa e talvez irreversível por hora. Se as cadeias regionais de valor já se encontram de certa forma montadas, como e onde o Brasil se encaixaria? Por mais que Trump ameace seus principais parceiros comerciais, como México e China, parece cada vez mais claro que seu governo ao menos evitará desmontar estruturas comerciais que são muito mais baseadas em empresas do que países. Como nos lembra Baldwin, faz mais sentido a comparação quando se fala de comércio internacional entre a grande cadeia de valor representada pela Honda e pela BMW do que pensar em Japão e Alemanha apenas. Isso quer dizer que Trump terá baixa margem de manobra para mudar muito essa estrutura que foi criada nas últimas décadas.

O Brasil, de fato, fica mais distante de conseguir se inserir no cenário internacional sem essa capacidade de ampliar comércio efetivamente com os países mais ricos. Essa troca de tecnologia e ideias, especialmente em um momento em que esse será o foco do crescimento, seria essencial para que houvesse aumento real de renda no país.

Incrível, nesse sentido, que o discurso de esquerda seja o contrário e, aliás, plenamente construído nos últimos anos. Pensar em produzir aqui com conteúdo nacional de 65% vai contra a lógica comercial dos países mais pobres que tiveram aumento de renda. Enquanto Polônia, Tailândia, Coréia do Sul, Índia, Indonésia e China aumentaram em 20 pontos percentuais a participação na indústria mundial de 1990 até 2010, o G7, clube dos mais ricos, caiu iguais 20 pontos nesse mesmo período. Nesse mesmo período o Brasil viu sua indústria cair cerca de 10 pontos percentuais em relação ao PIB, ao optar por se fechar cada vez mais.

Sair desse ciclo dependerá de um árduo trabalho dos próximos governos em desmontar esse viés nacionalista que se criou nos governos Lula e Dilma. Só assim que a indústria poderá pensar em ter alguma recuperação.

SERGIO VALE
SERGIO VALE