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No país das acochambrações

Dois meses após as revelações do dono da JBS, as consequências da crise foram diversas da expectativa que geraram então. Os primeiros dias pós-divulgação foram de elevada incerteza, mas que se seguiram a semanas de percepção do que era relevante para a economia não afundar. Já sabemos que a permanência da agenda é fundamental, mesmo […]

BRASÍLIA: a necessária rapidez com que as mudanças têm sido aprovadas é porta aberta para inúmeras contestações no futuro / Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
BRASÍLIA: a necessária rapidez com que as mudanças têm sido aprovadas é porta aberta para inúmeras contestações no futuro / Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Sérgio Vale

Publicado em 20 de julho de 2017 às, 16h28.

Dois meses após as revelações do dono da JBS, as consequências da crise foram diversas da expectativa que geraram então. Os primeiros dias pós-divulgação foram de elevada incerteza, mas que se seguiram a semanas de percepção do que era relevante para a economia não afundar.

Já sabemos que a permanência da agenda é fundamental, mesmo que um ou outro nome da equipe seja trocado. Por exemplo, a mudança no BNDES não conseguirá surtir o efeito desejado pelo presidente de estimular a demanda de investimento, pois é notório que o banco não tem essa capacidade. A relação causal não funciona dessa forma. Será garantir as reformas e a agenda que permitirá que o banco siga emprestando no futuro. A equipe, sabedora disso, tem enquadrado o banco da melhor forma possível, que é trabalhar pela aprovação da TLP que substituirá a TJLP.

A continuidade da agenda, nesse momento, parece essencial para que se mantenha a trajetória de parca recuperação que temos até então. Sabendo não haver espaço para mudanças que demandem quórum qualificado, como a da previdência, o governo poderia seguir trabalhando na agenda secundária que passa, por exemplo, pela aprovação da TLP este ano e, o que seria um choque positivo, uma reforma tributária.

Evidentemente, esta é igualmente difícil pela complexidade de negociação com os Estados sobre o que fazer com o ICMS, mas o esboço de uma reforma que reestruture os impostos diretos e diminua os impostos indiretos seria a melhor possível. Aqui também serão mexidos em privilégios da mesma forma que a reforma da previdência mexe, por haver a sugestão de aumentar a progressividade do imposto de renda. Esse seria um dos elementos mais eficientes para melhorar a desigualdade de renda, mas obviamente se viesse em conjunto com uma diminuição sensível da parte tributária do custo Brasil. Se o funcionalismo público maciçamente tem rechaçado a reforma da previdência, não será muito diferente quando o governo anunciar a reforma tributária, supondo que ela ataque os problemas corretos.

A importância de pensar muito bem as reformas que virão se dá por algo que parece começar a aparecer e que pode trazer problemas no futuro. Há certo mal-estar na população com parte das reformas que foram aprovadas, o que se atrela à total rejeição ao governo por parte da mesma. Isso pode levar a uma crítica generalizada que possa inviabilizá-las à frente. São muitas novas regras para um país infelizmente acostumada com acochambrações. Temos dois exemplos hoje dessa dificuldade: a regra do teto e a reforma trabalhista.

A regra do teto do gasto público foi uma grande inovação, mas no afã de ter uma regra, fizemos algo que pode não parar em pé se vários outros ajustes não forem feitos. Será fácil, em 2019, qualquer governo que entrar ter o beneplácito do Congresso para desfazer uma regra que, será então dito, que foi feito às pressas sem se pensar nas consequências, por um governo sem legitimidade. A justificativa serviria para evitar que se fizesse uma reforma da previdência mais profunda, já que abriria espaço para aumentar os gastos sem comprimir o gasto ex-previdência, e, como de praxe, aumentar os impostos. Infelizmente não compro a ideia que a regra do teto conseguirá ser mantida por dez anos e a dificuldade de seguir com a agenda no ritmo necessário poderá ser mortal para a mesma.

A alternativa teria sido uma regra mais flexível, ajustada pelo crescimento do PIB, por exemplo, e coordenada com uma reoneração de impostos mais rápida no ano passado. Vejam que não haveria necessariamente a necessidade de uma regra mais flexível, mas vê-se hoje que muitos flancos foram abertos para que se refutem essas legislações em uma mudança de governo. Não será difícil convencer o Congresso de que tal medida foi aprovada no calor dos acontecimentos como razão para ser quebrada.

No caso da trabalhista, a rapidez da discussão fez com que detalhes que poderiam ser ajustados não fossem pensados com o tempo necessário. Por exemplo, a regra que permite trabalho de grávidas em lugares insalubres facilmente poderia ter sido modifica nas comissões iniciais da Câmara.

Assim, a necessária rapidez com que as mudanças têm sido aprovadas é porta aberta para inúmeras contestações no futuro. Não daria, assim, a necessária segurança jurídica de que nada vai ser alterado. Especialmente porque desfazer a regra do teto é música para o ouvido de qualquer congressista e a votação em um turno de maioria simples para a trabalhista permite imaginar alterações insatisfatórias no futuro.

Seria importante o governo ajustar rapidamente o que for necessário na reforma trabalhista, continuar sinalizando que a regra do teto é inabalável e estruturar muito bem as possíveis reformas que ainda podem ser feitas, além de esperar que um candidato reformista ganhe a eleição. Mas sem candidatos afeitos a fazer uma Carta ao Povo Brasileiro ano que vem, poderemos ver sugestões diversas para mudar as atuais regras que só vão causar mais instabilidade na economia. Afina, vender acochambrações foi sempre um capital político fértil no país.

SERGIO VALE