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Luz amarela no cenário brasileiro e verde no internacional

Para um mundo que parecia em trajetória explosiva no começo do ano, nada mal saber que os ventos mudaram desde então. Trump causava pânico nos líderes mundiais com sua falta de conhecimento do básico necessário para dirigir um país. Entre inúmeros tropeços que ainda não acabaram, parece ser verdade que os freios e contrapesos institucionais […]

TRUMP E XI: o presidente americano causava pânico nos líderes mundiais com sua falta de preparo, mas entendeu a importância de negociar com a China / Carlos Barria/ Reuters
TRUMP E XI: o presidente americano causava pânico nos líderes mundiais com sua falta de preparo, mas entendeu a importância de negociar com a China / Carlos Barria/ Reuters
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Sérgio Vale

Publicado em 9 de maio de 2017 às, 12h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h22.

Para um mundo que parecia em trajetória explosiva no começo do ano, nada mal saber que os ventos mudaram desde então.

Trump causava pânico nos líderes mundiais com sua falta de conhecimento do básico necessário para dirigir um país. Entre inúmeros tropeços que ainda não acabaram, parece ser verdade que os freios e contrapesos institucionais americanos têm impedido o presidente de ser o caminhão desgovernado que poderia ter sido. É verdade que ainda há muito tempo para que Trump piore seu governo. Mas o fato é que ele foi bem melhor do que se imaginava. As imagens que Francis Fukuyama ou Ian Bremmer passavam de fim da pax americana, com dissolução da ordem liberal conhecida, não aconteceram. Pelo contrário, Trump percebeu a necessidade da Otan e de negociar com a China para conseguir segurar o programa nuclear norte-coreano. Talvez, mas ainda um grande talvez, Trump seja um presidente ruim que não foge da característica de outros presidentes anteriores, para os quais o calcanhar de Aquiles sem solução seguia sendo a Rússia. Isso não significa, entretanto, que os efeitos de longo prazo de Trump não sejam negativos. Mais do que na ordem internacional, o desprezo de seu governo por educação e ciência diminui a capacidade de competição nessas áreas com outros países desenvolvidos e emergentes como a China.

As eleições europeias também causavam preocupação, especialmente a francesa. A boa surpresa da vitória de Macron, com possibilidade de final feliz também na eleição legislativa em junho, dá enorme tranquilidade para o velho continente até o ano que vem pelo menos. E Merkel sai fortalecida dessa onda anti-populista que tem varrido a Europa. Talvez aqui haja um elemento de exemplo vindo de Trump. A qualidade tão negativa de tal presidente pode estar afugentando a possibilidade populista nos países industrializados, o que é uma grata surpresa positiva de fortalecimento da Europa. Isso não significa que a Zona do Euro sobreviva. Segue sendo verdade que os desafios de unificação fiscal, bancária e política serão entraves constantes na possibilidade de manutenção da moeda única, mas ao menos a discussão, por hora, diminui.

E a China, que parecia seguir em trajetória de crescimento menor, segue surpreendendo com os estímulos monetários e fiscais jogando o PIB de novo para próximo de 7%.

A tranquilidade externa ajuda a manter a trajetória de recuperação doméstica que temos visto desde o final do ano passado. Tirando leves turbulências que surgem aqui e ali no mercado de petróleo, a estabilidade pode ser vista na taxa de câmbio real/dólar, que tem se mantido praticamente sem muita volatilidade desde o começo do ano.

Ainda não caiu mais por conta da bendita reforma da Previdência. Por mais que a probabilidade de aprovação seja de 70%, o risco de não aprovação é elevado. Em geral 5% é um risco baixo, mas 30% já aumenta em muito a chance de algo dar errado. Dado que o errado nas reformas da Previdência já ocorreu outras vezes é natural que o mercado esteja ressabiado sobre a aprovação da atual reforma.

Entretanto, a boa nova é que esse governo já tem um histórico de aprendizagem e conhecimento de seus congressistas, que talvez FHC não tivesse quando perdeu a reforma na década de 90. Ali não havia a percepção tão nítida da crise na previdência como agora e isso ajuda que a aprovação seja menos traumática do que então. Na época, o governo acreditava que não haveria muito problema, enquanto agora o governo atrasa o quanto for a votação para garantir os votos necessários.

Isso não quer dizer que não haja ruídos no governo. Há, e muitos. Desde a pressão pela saída da presidente do BNDES até toda a celeuma política que só tem piorado. A visão de um Lula ascendente nas pesquisas pode paralisar o governo dando espaço para uma força alternativa que surge, mas que parecia morta até pouco tempo atrás. É verdade que o cenário ainda é muito ruim para a viabilização de uma candidatura Lula, mas seu instinto de sobrevivência aliado aos eternos atrasos na Justiça podem abrir uma brecha perigosa para o país. A aglomeração da oposição em torno de Lula pode aumentar o ruído contra as reformas, especialmente a da Previdência.

Rapidamente, o cenário internacional, que parecia ruim, e o doméstico, que parecia bem encaminhado, inverteram as posições. Não significa que o país perdeu a capacidade de continuar se recuperando este ano, mas chancela uma visão de demora e atraso no que poderia ser mais rápido. Uma parte desse ruído é um possível ressurgimento da esquerda. Essa volta é uma sinalização muito ruim de que o que se conquistou até agora pode ser perdido. Esses ruídos crescentes, infelizmente, colocam uma luz amarela na recuperação de longo prazo caso não sejam revertidos a tempo.

SERGIO VALE
SERGIO VALE