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Longo prazo da China é mais incerto que americano

Em semana de posse nos EUA, o mundo prende a respiração para saber o que virá do novo governo Trump. A essa altura, como esperado, há muito mais dúvidas do que certezas, em diversas frentes. Não se sabe como um presidente acostumado apenas com o sim reagirá a apenas 40% de aprovação por parte da […]

LOJA EM XANGAI: a dúvida maior é se a China conseguirá ser essa liderança que os EUA não são, não se ela quer / Aly Song/ Reuters
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Da Redação

Publicado em 18 de janeiro de 2017 às 11h47.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h23.

Em semana de posse nos EUA, o mundo prende a respiração para saber o que virá do novo governo Trump. A essa altura, como esperado, há muito mais dúvidas do que certezas, em diversas frentes. Não se sabe como um presidente acostumado apenas com o sim reagirá a apenas 40% de aprovação por parte da população. Claramente o discurso pronto é dizer que são pesquisas falsas, mas não será incomum o futuro presidente ouvir diversos nãos de líderes mundiais e de sua bancada republicana, para não dizer da bancada de oposição. Mas, dada a proximidade da posse, algumas sinalizações já começaram a ser dadas.

Na economia, há mais clareza sobre algumas diretrizes. A política fiscal piorará, mas tende a trazer estímulo de crescimento de curto prazo. Parte da política tributária já foi divulgada, com sinalização de tentativa de proteger a indústria americana com o subsídio à exportação concomitantemente a aumento de imposto de importação na fronteira. A reação natural seria uma apreciação do câmbio para compensar a política de tentar aumentar a balança comercial.

Em tese significaria uma apreciação do dólar adicional em 20% dada a tarifa no mesmo montante que se quer colocar nas importações. Há toda uma discussão se de fato isso significaria uma apreciação nessa magnitude, pois o dólar já se encontra sobrevalorizado entre 20% e 25% a depender da conta que se faça. Sem o resultado da apreciação do dólar, que compensaria internamente essa mudança, as outras moedas potencialmente teriam que depreciar, especialmente na China, razão maior para as mudanças tributárias iniciadas.

Desvalorizações para compensar a mudança tributária americana não aumentariam as exportações desses países, mas apenas traria risco inflacionário. Com essa política, Trump exporta inflação, o que é válido para os países desenvolvidos que tangenciam há anos a deflação, mas, para os emergentes, a notícia de mais inflação não é positiva em um momento de dificuldade de crescimento. No caso brasileiro, a sorte é que o cenário doméstico é positivo a ponto de compensar os impactos cambiais das mudanças externas.

Há também uma esperada queda de imposto corporativo de 35% para 20%, que apenas coloca os EUA em padrão com outros países desenvolvidos. De resto, há apenas especulações sobre diminuição das faixas de imposto de renda e políticas protecionistas mais agressivas contra a China.

A maior incerteza recai justamente sobre que tipo de protecionismo Trump buscará. Será algo parecido com Nixon e seu aumento unilateral e geral de 10% de imposto de importação ou algo mais específico tarifário contra a China, como preconizado pelos seus principais assessores?

De qualquer maneira, o contencioso entre China e EUA tem o maior potencial de estrago em termos de política externa. Não estamos mais falando de guerra fria em que o principal concorrente de poder não se encontra na economia, mas apenas na geopolítica, como era a União Soviética. A China é competidor na geopolítica e na economia e quanto mais espaço na geopolítica, mas espaço também consegue ganhar na economia em cima dos produtos americanos, pelo poder de atração que a economia consegue ter sobre esses países.

Essa percepção política claramente não parece ser percebida por Trump, que foca apenas no econômico quando opta por políticas protecionistas. Caso se importasse com a presença política da China, não teria abandonado o Trans Pacific Partnership (TPP). Esse acordo seria uma maneira de manter os países asiáticos na alçada de influência dos EUA, mas ao sair fora do acordo, joga esses países na esfera de interesse comercial chinês.

Em tese, isso teria que aprofundar o que Josephy Nye chamou de oferta de bens públicos globais pela China. Ao terminar a 2° Guerra Mundial, a nova ordem liberal criada com Banco Mundial, FMI, ONU, GATT e outros órgãos teve nos EUA papel fundamental de integração do mundo ocidental, depois ampliada para o Oriente, com participação dos principais asiáticos e, por fim, pela simbólica entrada da China na OMC em 2001.

Hoje, com a China descontente com a distribuição de poder nos órgãos tradicionais, busca-se a criação de estruturas financeiras incialmente ligando os países asiáticos e emergentes em geral. A criação do Asian Infrastructure Investment Bank e o New Development Bank veio na tentativa de impor uma nova ordem, inclusive atraindo outros países ocidentais, como Inglaterra e Brasil, este oriundo da já malfadada interligação criada como BRICs.

A dúvida de Nye é se a China está disposta a ofertar bens públicos globais e ser a liderança que os EUA ainda são. Mas como sempre foi levantado aqui nesse espaço, a dúvida maior é se a China conseguirá ser essa liderança, não se ela quer. Parte da atração dos EUA veio pela capacidade de seu soft power de sinalizar os benefícios de uma sociedade liberal economicamente e progressista. Mas o exemplo chinês é de uma sociedade cada vez mais estatal e nada progressista. Como vender isso para o resto do mundo?

Como não há vácuo de poder, minha hipótese ainda é de que Trump é aquele tipo de experiência para se ter uma vez na vida e perceber que não é possível mais ter. E que a China não conseguirá ser ofertador eficiente de bens públicos globais e terá duas opções: se enquadrar nesse mundo liberal ou se voltar para o próprio umbigo, como historicamente ela fez em outros momentos da história quando tinha a chance de ter alguma liderança mundial.

No longo prazo, a potência a provar que é duradoura ainda é a China e os EUA passam por uma turbulência momentânea que apenas reforçará a necessidade de mais integração entre o mundo no futuro. Para isso, vários ovos terão que ser quebrados. Trump é um deles e a União Europeia pode ser provavelmente mais um exemplo. Assim, esse momento tumultuoso serve para se consolidar o que é válido no longo prazo em que pese as distorções de curto prazo.

SERGIO VALE

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Em semana de posse nos EUA, o mundo prende a respiração para saber o que virá do novo governo Trump. A essa altura, como esperado, há muito mais dúvidas do que certezas, em diversas frentes. Não se sabe como um presidente acostumado apenas com o sim reagirá a apenas 40% de aprovação por parte da população. Claramente o discurso pronto é dizer que são pesquisas falsas, mas não será incomum o futuro presidente ouvir diversos nãos de líderes mundiais e de sua bancada republicana, para não dizer da bancada de oposição. Mas, dada a proximidade da posse, algumas sinalizações já começaram a ser dadas.

Na economia, há mais clareza sobre algumas diretrizes. A política fiscal piorará, mas tende a trazer estímulo de crescimento de curto prazo. Parte da política tributária já foi divulgada, com sinalização de tentativa de proteger a indústria americana com o subsídio à exportação concomitantemente a aumento de imposto de importação na fronteira. A reação natural seria uma apreciação do câmbio para compensar a política de tentar aumentar a balança comercial.

Em tese significaria uma apreciação do dólar adicional em 20% dada a tarifa no mesmo montante que se quer colocar nas importações. Há toda uma discussão se de fato isso significaria uma apreciação nessa magnitude, pois o dólar já se encontra sobrevalorizado entre 20% e 25% a depender da conta que se faça. Sem o resultado da apreciação do dólar, que compensaria internamente essa mudança, as outras moedas potencialmente teriam que depreciar, especialmente na China, razão maior para as mudanças tributárias iniciadas.

Desvalorizações para compensar a mudança tributária americana não aumentariam as exportações desses países, mas apenas traria risco inflacionário. Com essa política, Trump exporta inflação, o que é válido para os países desenvolvidos que tangenciam há anos a deflação, mas, para os emergentes, a notícia de mais inflação não é positiva em um momento de dificuldade de crescimento. No caso brasileiro, a sorte é que o cenário doméstico é positivo a ponto de compensar os impactos cambiais das mudanças externas.

Há também uma esperada queda de imposto corporativo de 35% para 20%, que apenas coloca os EUA em padrão com outros países desenvolvidos. De resto, há apenas especulações sobre diminuição das faixas de imposto de renda e políticas protecionistas mais agressivas contra a China.

A maior incerteza recai justamente sobre que tipo de protecionismo Trump buscará. Será algo parecido com Nixon e seu aumento unilateral e geral de 10% de imposto de importação ou algo mais específico tarifário contra a China, como preconizado pelos seus principais assessores?

De qualquer maneira, o contencioso entre China e EUA tem o maior potencial de estrago em termos de política externa. Não estamos mais falando de guerra fria em que o principal concorrente de poder não se encontra na economia, mas apenas na geopolítica, como era a União Soviética. A China é competidor na geopolítica e na economia e quanto mais espaço na geopolítica, mas espaço também consegue ganhar na economia em cima dos produtos americanos, pelo poder de atração que a economia consegue ter sobre esses países.

Essa percepção política claramente não parece ser percebida por Trump, que foca apenas no econômico quando opta por políticas protecionistas. Caso se importasse com a presença política da China, não teria abandonado o Trans Pacific Partnership (TPP). Esse acordo seria uma maneira de manter os países asiáticos na alçada de influência dos EUA, mas ao sair fora do acordo, joga esses países na esfera de interesse comercial chinês.

Em tese, isso teria que aprofundar o que Josephy Nye chamou de oferta de bens públicos globais pela China. Ao terminar a 2° Guerra Mundial, a nova ordem liberal criada com Banco Mundial, FMI, ONU, GATT e outros órgãos teve nos EUA papel fundamental de integração do mundo ocidental, depois ampliada para o Oriente, com participação dos principais asiáticos e, por fim, pela simbólica entrada da China na OMC em 2001.

Hoje, com a China descontente com a distribuição de poder nos órgãos tradicionais, busca-se a criação de estruturas financeiras incialmente ligando os países asiáticos e emergentes em geral. A criação do Asian Infrastructure Investment Bank e o New Development Bank veio na tentativa de impor uma nova ordem, inclusive atraindo outros países ocidentais, como Inglaterra e Brasil, este oriundo da já malfadada interligação criada como BRICs.

A dúvida de Nye é se a China está disposta a ofertar bens públicos globais e ser a liderança que os EUA ainda são. Mas como sempre foi levantado aqui nesse espaço, a dúvida maior é se a China conseguirá ser essa liderança, não se ela quer. Parte da atração dos EUA veio pela capacidade de seu soft power de sinalizar os benefícios de uma sociedade liberal economicamente e progressista. Mas o exemplo chinês é de uma sociedade cada vez mais estatal e nada progressista. Como vender isso para o resto do mundo?

Como não há vácuo de poder, minha hipótese ainda é de que Trump é aquele tipo de experiência para se ter uma vez na vida e perceber que não é possível mais ter. E que a China não conseguirá ser ofertador eficiente de bens públicos globais e terá duas opções: se enquadrar nesse mundo liberal ou se voltar para o próprio umbigo, como historicamente ela fez em outros momentos da história quando tinha a chance de ter alguma liderança mundial.

No longo prazo, a potência a provar que é duradoura ainda é a China e os EUA passam por uma turbulência momentânea que apenas reforçará a necessidade de mais integração entre o mundo no futuro. Para isso, vários ovos terão que ser quebrados. Trump é um deles e a União Europeia pode ser provavelmente mais um exemplo. Assim, esse momento tumultuoso serve para se consolidar o que é válido no longo prazo em que pese as distorções de curto prazo.

SERGIO VALE
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