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Inflação, PIB, insumos: os impactos da guerra da Ucrânia no Brasil

Nas próximas semanas, a guerra tende a manter pressionados mercados de commodities e insumos e duas particularmente podem nos afetar: trigo e fertilizantes

Kiev, na Ucrânia, virou zona de guerra após invasão russa (AFP/AFP)
DR

Da Redação

Publicado em 2 de março de 2022 às 08h36.

Sergio Vale

Mal saindo de uma pandemia, o mundo enfrenta outra crise profunda de consequências graves de curto e de longo prazo. A guerra da Ucrânia terá efeitos que serão sentidos por anos à frente, mas também terá efeitos inflacionários para os quais precisamos estar atentos.

Nas próximas semanas, a guerra tende a manter pressionados os mercados de commodities e insumos e duas particularmente podem nos afetar: trigo e fertilizantes. No que justamente temos pouca produção é que a crise no Leste Europeu mais nos afeta. No caso dos fertilizantes, os preços já vinham subindo por pressão no gás natural e petróleo, além das dificuldades no Belarus. A própria Rússia é grande exportadora para o Brasil de fertilizantes e juntando com o mercado bielorrusso temos mais de 60% de fertilizantes importantes que usamos e que vem daquela região.

O problema é que a Rússia é player importante em algumas dessas commodities, especialmente petróleo, e mesmo a guerra se resolvendo os impactos nesse mercado serão mais longos por conta do confronto implícito que seguirá entre Ocidente e Rússia daqui para a frente. Há componentes geopolíticos que se sobrepõem aos econômicos de curto prazo e podem colocar pressão mais longa na cadeia de energia.

Nosso drama é que esse choque não vem em cima de uma situação normal de inflação. Já estamos passando por um grave choque que tem levado a inflação brasileira para a casa dos 10% e a americana para quase 8%, para ficar em alguns exemplos. Choques dessa magnitude em inflação já elevada podem reverberar ainda mais, em um movimento assimétrico que pode fazer com que as pressões se espalhem ainda mais para o resto da economia.

A inflação no Brasil já está se espalhando quando vemos os indicadores de difusão, que mostram o percentual de itens do IPCA que está em alta, acima de 70%. Esse choque adicional trará mais pressão para o BC nas próximas decisões e não será difícil vermos as projeções de Selic poderem chegar mais próximos de 13%. Como consequência, reforça a ideia de crescimento mais fraco este ano, com provável estagnação.

Essas consequências, em que pese importantes, tendem a se dissipar ao longo dos próximos meses. O problema maior está no longo prazo, no que vai significar essa nova Rússia que desafia o Ocidente nesse grau. A turbulência na região certamente permanecerá e pode ter o impacto de afundar ainda mais uma economia que já está envelhecida como a russa. Claro que nesse caso será interesse primordial deles reatar comércio rapidamente por uma questão de sobrevivência política, caso Putin consiga sair dessa sem ser derrubado.

Mas a dificuldade de acelerar investimentos e ter financiamento pode gradativamente diminuir a capacidade exportadora dos russos. Podemos ver o tipo de embargo que acontece rotineiramente no Oriente Médio há muitos anos. No caso do Irã, que poderia voltar a exportar mais, reatar o acordo nuclear com os americanos fica mais difícil pelos riscos políticos que Biden enfrenta de eventualmente perder a eleição daqui três anos e os iranianos verem algum acordo assinado ser novamente desfeito.

Os mercados de commodities, assim, podem ter mais turbulência pela decadência política adicional que os russos poderão enfrentar nos próximos anos. Claro que isso nunca foi empecilho para o Oriente Médio, por exemplo, mas por conta das questões climáticas e ambientais os mercados cada vez mais acelerarão a busca por energia renováveis e diversificadas.

No caso Europeu, não será estranho vermos os alemães voltarem atrás na sua decisão de parar a produção de energia nuclear, que é extremamente limpa e com apenas três casos conhecidos na história de acidentes graves, em todos ou por falha humana (Three Mile Island e Chernobyl) ou por questões naturais (Fukuyama).

De qualquer maneira, as sanções econômicas dessa vez parecem que vão ser usadas com intensidade como efeito demonstração de dissuasão no caso russo, mas também como sinalização do que pode acontecer com os chineses caso eles avancem o sinal em Taiwan. Na literatura econômica e de Relações Internacionais sempre houve dúvidas sobre o funcionamento efetivo de sanções, mas talvez haja interesse do Ocidente dessa vez em aplicar de forma adequada as sanções, não à toa a Rússia está sendo barrada do Swift.

É provável que, caso não tenha mudanças políticas internas na Rússia, os europeus poderão se aproximar ainda mais do leste do continente, com o tempo trazendo a Ucrânia, Finlândia e Suécia para a esfera da União Europeia e/ou Otan. Agressões como a Rússia fez tem reverberações militares de longo prazo que podem levar a um fortalecimento da Otan. De certa forma, será uma preparação para uma China também expansionista que se aproxima e com potencial de sanções ainda mais agressivas do que se viu até agora. Assim, será crucial que o ataque econômico aos russos funcione para diminuir o ímpeto expansionista de outros países. Não deve evitar, mas ficará claro que a resposta não será trivial.

Além disso, o mundo bipolar do ponto de vista econômico tende a se acelerar, com a China tendo cada vez mais influência sobre os russos. Nessa guerra fria China-EUA que se acelerar o Brasil precisará ser hábil. Cada vez mais as empresas utilizam os critérios ESG (Environment, Social and Governance) para definir seus investimentos. Esse tipo de avaliação vale também para países, como já tratamos aqui em artigos anteriores. O Brasil, ao ficar neutro na invasão russa, manda um sinal dúbio não coerente com o tipo de realidade empresarial em que o mundo está se transformando.

Além das consequências de curto prazo, o mundo poderá se lembrar no futuro quem não foi ativo em se opor à guerra. Se já teremos dificuldades de mais investimentos por causa da questão ambiental, agora somamos a questão geopolítica como elemento de atrito do mundo contra nós.

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Sergio Vale

Mal saindo de uma pandemia, o mundo enfrenta outra crise profunda de consequências graves de curto e de longo prazo. A guerra da Ucrânia terá efeitos que serão sentidos por anos à frente, mas também terá efeitos inflacionários para os quais precisamos estar atentos.

Nas próximas semanas, a guerra tende a manter pressionados os mercados de commodities e insumos e duas particularmente podem nos afetar: trigo e fertilizantes. No que justamente temos pouca produção é que a crise no Leste Europeu mais nos afeta. No caso dos fertilizantes, os preços já vinham subindo por pressão no gás natural e petróleo, além das dificuldades no Belarus. A própria Rússia é grande exportadora para o Brasil de fertilizantes e juntando com o mercado bielorrusso temos mais de 60% de fertilizantes importantes que usamos e que vem daquela região.

O problema é que a Rússia é player importante em algumas dessas commodities, especialmente petróleo, e mesmo a guerra se resolvendo os impactos nesse mercado serão mais longos por conta do confronto implícito que seguirá entre Ocidente e Rússia daqui para a frente. Há componentes geopolíticos que se sobrepõem aos econômicos de curto prazo e podem colocar pressão mais longa na cadeia de energia.

Nosso drama é que esse choque não vem em cima de uma situação normal de inflação. Já estamos passando por um grave choque que tem levado a inflação brasileira para a casa dos 10% e a americana para quase 8%, para ficar em alguns exemplos. Choques dessa magnitude em inflação já elevada podem reverberar ainda mais, em um movimento assimétrico que pode fazer com que as pressões se espalhem ainda mais para o resto da economia.

A inflação no Brasil já está se espalhando quando vemos os indicadores de difusão, que mostram o percentual de itens do IPCA que está em alta, acima de 70%. Esse choque adicional trará mais pressão para o BC nas próximas decisões e não será difícil vermos as projeções de Selic poderem chegar mais próximos de 13%. Como consequência, reforça a ideia de crescimento mais fraco este ano, com provável estagnação.

Essas consequências, em que pese importantes, tendem a se dissipar ao longo dos próximos meses. O problema maior está no longo prazo, no que vai significar essa nova Rússia que desafia o Ocidente nesse grau. A turbulência na região certamente permanecerá e pode ter o impacto de afundar ainda mais uma economia que já está envelhecida como a russa. Claro que nesse caso será interesse primordial deles reatar comércio rapidamente por uma questão de sobrevivência política, caso Putin consiga sair dessa sem ser derrubado.

Mas a dificuldade de acelerar investimentos e ter financiamento pode gradativamente diminuir a capacidade exportadora dos russos. Podemos ver o tipo de embargo que acontece rotineiramente no Oriente Médio há muitos anos. No caso do Irã, que poderia voltar a exportar mais, reatar o acordo nuclear com os americanos fica mais difícil pelos riscos políticos que Biden enfrenta de eventualmente perder a eleição daqui três anos e os iranianos verem algum acordo assinado ser novamente desfeito.

Os mercados de commodities, assim, podem ter mais turbulência pela decadência política adicional que os russos poderão enfrentar nos próximos anos. Claro que isso nunca foi empecilho para o Oriente Médio, por exemplo, mas por conta das questões climáticas e ambientais os mercados cada vez mais acelerarão a busca por energia renováveis e diversificadas.

No caso Europeu, não será estranho vermos os alemães voltarem atrás na sua decisão de parar a produção de energia nuclear, que é extremamente limpa e com apenas três casos conhecidos na história de acidentes graves, em todos ou por falha humana (Three Mile Island e Chernobyl) ou por questões naturais (Fukuyama).

De qualquer maneira, as sanções econômicas dessa vez parecem que vão ser usadas com intensidade como efeito demonstração de dissuasão no caso russo, mas também como sinalização do que pode acontecer com os chineses caso eles avancem o sinal em Taiwan. Na literatura econômica e de Relações Internacionais sempre houve dúvidas sobre o funcionamento efetivo de sanções, mas talvez haja interesse do Ocidente dessa vez em aplicar de forma adequada as sanções, não à toa a Rússia está sendo barrada do Swift.

É provável que, caso não tenha mudanças políticas internas na Rússia, os europeus poderão se aproximar ainda mais do leste do continente, com o tempo trazendo a Ucrânia, Finlândia e Suécia para a esfera da União Europeia e/ou Otan. Agressões como a Rússia fez tem reverberações militares de longo prazo que podem levar a um fortalecimento da Otan. De certa forma, será uma preparação para uma China também expansionista que se aproxima e com potencial de sanções ainda mais agressivas do que se viu até agora. Assim, será crucial que o ataque econômico aos russos funcione para diminuir o ímpeto expansionista de outros países. Não deve evitar, mas ficará claro que a resposta não será trivial.

Além disso, o mundo bipolar do ponto de vista econômico tende a se acelerar, com a China tendo cada vez mais influência sobre os russos. Nessa guerra fria China-EUA que se acelerar o Brasil precisará ser hábil. Cada vez mais as empresas utilizam os critérios ESG (Environment, Social and Governance) para definir seus investimentos. Esse tipo de avaliação vale também para países, como já tratamos aqui em artigos anteriores. O Brasil, ao ficar neutro na invasão russa, manda um sinal dúbio não coerente com o tipo de realidade empresarial em que o mundo está se transformando.

Além das consequências de curto prazo, o mundo poderá se lembrar no futuro quem não foi ativo em se opor à guerra. Se já teremos dificuldades de mais investimentos por causa da questão ambiental, agora somamos a questão geopolítica como elemento de atrito do mundo contra nós.

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