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Inflação baixa por agora, mas há riscos no longo prazo

Nesse cenário de forte capacidade ociosa, desemprego e renda menor, para onde vai a inflação?

Inflação: "A questão toda relevante agora é se o auxílio permanece ou não ano que vem com outro nome, Renda Brasil" (Pilar Olivares/Reuters)
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marianamartucci

Publicado em 23 de setembro de 2020 às 16h01.

O auxílio emergencial que o governo disponibilizou este ano tem tido o necessário papel de manter o padrão de renda de uma parte expressiva da população. São mais de 65 milhões de pessoas que têm recebido R$ 600 por mês, o que deve levar a um gasto total de cerca de R$ 334 bilhões no ano, apenas com esse programa.

São recursos significativos que, nas minhas contas, vai ter um papel relevante de impedir uma queda mais forte do PIB este ano. De fato, espero queda de 4,8% no PIB sendo que sem o auxílio essa queda poderia chegar a pouco mais de 7%.

A questão toda relevante agora é se o auxílio permanece ou não ano que vem com outro nome, Renda Brasil. Sob qualquer critério ele será menor do que o pacote deste ano, se houver. Supondo um Renda Brasil para 25 milhões de pessoas a R$ 250 por mês daria R$ 75 bilhões em 2021. Essa perda de renda poderia levar a um crescimento menor em cerca de 2 pontos percentuais, ou seja, ao invés de crescer 4,2% cresceríamos 2,2%, que é minha expectativa para o ano que vem.

Sem nenhum auxílio essa queda pode chegar a 2,4 pontos percentuais. Além disso, não se pode esquecer do cenário de desemprego, que deve chegar a 17% no final deste ano e não cair muito mais do que isso até o final do ano que vem.

Nesse cenário de forte capacidade ociosa, desemprego e renda menor, para onde vai a inflação? Os sinais têm sido ruins em alguns casos, como alimentos, materiais de construção e alguns eletrodomésticos e eletroeletrônicos. A explicação aqui é a forte demanda que o auxílio emergencial fez surgir. Não é um problema relevante de oferta, senão estaríamos vendo isso em outros produtos.

Esse poderia ser o caso já a pandemia levou a uma crise essencialmente de oferta, que desorganizou a cadeia produtiva brasileira. Entretanto, rapidamente a indústria tem se reorganizado para atender a demanda, mas em vários casos esta foi muito além do que se esperaria em tempos normais. Por exemplo, o indicador de varejo do IBGE apontou crescimento de volume de venda de materiais de construção e eletrodomésticos de pouco abaixo de 30% em julho deste ano contra julho do ano passado. Muito elevado mesmo em tempos normais.

O home office aqui parece ter pouca explicação para isso, já que o maior crescimento se deu fora da região Sudeste, que concentra 60% do home office causado pela pandemia. De fato, a venda de móveis e eletrodomésticos no Nordeste foi de 42,5% em julho contra 25% no Sudeste.

A taxa de câmbio também tem sido forte elemento de pressão. Os indicadores no atacado da FGV, os IPAs dentro dos IGPs, têm sentido a pressão do câmbio. O IPA do IGP-10 cresceu 24% acumulado em 12 meses até setembro, sendo que o IPA agrícola cresceu 40%. O IPA industrial não ficou distante da pressão, com alta de 19%. Essa profusão de números elevados serve para mostrar como o câmbio tem sido elemento de pressão, em que pese o fato de que os repasses para o consumidor final só estão acontecendo onde tem pressão de demanda sancionando, como no caso de alimentos, construção e eletroeletrônicos. A margem de diversos segmentos no varejo tem sido reprimida por não conseguir fazer esse repasse. Pensem, por exemplo, na cadeia de vestuário.

Mas, por sorte, esses problemas de demanda são localizados. A maior parte da economia, que é serviços, segue muito impactada pela pandemia. Com efeito, a inflação de serviços no Brasil despencou da média histórica de 3% para abaixo de 1% no acumulado em 12 meses. Dada a recuperação lenta da economia não deve sair desse patamar tão cedo. Com isso, mesmo a pressão forte que ocorre em alguns segmentos não tem sido suficiente para acelerar a inflação para patamar perigoso. Nossa estimativa há algum tempo é de 2,2% de IPCA, bem distante da meta de inflação de 4% em 2020.

Já os sinais para 2021 são contraditórios. Se de um lado a pressão cambial deve permanecer e certa recuperação se consolidar, de outro, a pressão de demanda vista esse ano tende a diminuir com o aumento do desemprego e a saída do auxílio emergencial. Ou seja, ainda parece ser verdade que ano que vem a inflação permanecerá baixa, na nossa expectativa em 3%. Vale dizer que o papel do Banco Central aqui é essencial. Diversos estudos têm mostrado que a credibilidade do banco ajuda a manter as expectativas de inflação baixas e esse é um ativo importante para os próximos anos.

Mas não custa lembrar Delfim Netto e sua célebre frase, de que uma pequena inflação é como uma pequena gravidez: ela invariavelmente cresce. Os riscos fiscais que alimentam o risco cambial estarão presentes nos próximos anos, fazendo com que a inflação possa eventualmente se tornar novamente um problema. Ela não surge apenas de problemas de demanda, como a forte inflação do recessivo ano de 2015 nos lembra, o que faz com que todo cuidado seja necessário para não se perder a estabilidade criada nos últimos anos. Assim, a inflação não parece assustar no curto prazo, mas não se pode dizer que ela é um mal totalmente eliminado.

*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

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O auxílio emergencial que o governo disponibilizou este ano tem tido o necessário papel de manter o padrão de renda de uma parte expressiva da população. São mais de 65 milhões de pessoas que têm recebido R$ 600 por mês, o que deve levar a um gasto total de cerca de R$ 334 bilhões no ano, apenas com esse programa.

São recursos significativos que, nas minhas contas, vai ter um papel relevante de impedir uma queda mais forte do PIB este ano. De fato, espero queda de 4,8% no PIB sendo que sem o auxílio essa queda poderia chegar a pouco mais de 7%.

A questão toda relevante agora é se o auxílio permanece ou não ano que vem com outro nome, Renda Brasil. Sob qualquer critério ele será menor do que o pacote deste ano, se houver. Supondo um Renda Brasil para 25 milhões de pessoas a R$ 250 por mês daria R$ 75 bilhões em 2021. Essa perda de renda poderia levar a um crescimento menor em cerca de 2 pontos percentuais, ou seja, ao invés de crescer 4,2% cresceríamos 2,2%, que é minha expectativa para o ano que vem.

Sem nenhum auxílio essa queda pode chegar a 2,4 pontos percentuais. Além disso, não se pode esquecer do cenário de desemprego, que deve chegar a 17% no final deste ano e não cair muito mais do que isso até o final do ano que vem.

Nesse cenário de forte capacidade ociosa, desemprego e renda menor, para onde vai a inflação? Os sinais têm sido ruins em alguns casos, como alimentos, materiais de construção e alguns eletrodomésticos e eletroeletrônicos. A explicação aqui é a forte demanda que o auxílio emergencial fez surgir. Não é um problema relevante de oferta, senão estaríamos vendo isso em outros produtos.

Esse poderia ser o caso já a pandemia levou a uma crise essencialmente de oferta, que desorganizou a cadeia produtiva brasileira. Entretanto, rapidamente a indústria tem se reorganizado para atender a demanda, mas em vários casos esta foi muito além do que se esperaria em tempos normais. Por exemplo, o indicador de varejo do IBGE apontou crescimento de volume de venda de materiais de construção e eletrodomésticos de pouco abaixo de 30% em julho deste ano contra julho do ano passado. Muito elevado mesmo em tempos normais.

O home office aqui parece ter pouca explicação para isso, já que o maior crescimento se deu fora da região Sudeste, que concentra 60% do home office causado pela pandemia. De fato, a venda de móveis e eletrodomésticos no Nordeste foi de 42,5% em julho contra 25% no Sudeste.

A taxa de câmbio também tem sido forte elemento de pressão. Os indicadores no atacado da FGV, os IPAs dentro dos IGPs, têm sentido a pressão do câmbio. O IPA do IGP-10 cresceu 24% acumulado em 12 meses até setembro, sendo que o IPA agrícola cresceu 40%. O IPA industrial não ficou distante da pressão, com alta de 19%. Essa profusão de números elevados serve para mostrar como o câmbio tem sido elemento de pressão, em que pese o fato de que os repasses para o consumidor final só estão acontecendo onde tem pressão de demanda sancionando, como no caso de alimentos, construção e eletroeletrônicos. A margem de diversos segmentos no varejo tem sido reprimida por não conseguir fazer esse repasse. Pensem, por exemplo, na cadeia de vestuário.

Mas, por sorte, esses problemas de demanda são localizados. A maior parte da economia, que é serviços, segue muito impactada pela pandemia. Com efeito, a inflação de serviços no Brasil despencou da média histórica de 3% para abaixo de 1% no acumulado em 12 meses. Dada a recuperação lenta da economia não deve sair desse patamar tão cedo. Com isso, mesmo a pressão forte que ocorre em alguns segmentos não tem sido suficiente para acelerar a inflação para patamar perigoso. Nossa estimativa há algum tempo é de 2,2% de IPCA, bem distante da meta de inflação de 4% em 2020.

Já os sinais para 2021 são contraditórios. Se de um lado a pressão cambial deve permanecer e certa recuperação se consolidar, de outro, a pressão de demanda vista esse ano tende a diminuir com o aumento do desemprego e a saída do auxílio emergencial. Ou seja, ainda parece ser verdade que ano que vem a inflação permanecerá baixa, na nossa expectativa em 3%. Vale dizer que o papel do Banco Central aqui é essencial. Diversos estudos têm mostrado que a credibilidade do banco ajuda a manter as expectativas de inflação baixas e esse é um ativo importante para os próximos anos.

Mas não custa lembrar Delfim Netto e sua célebre frase, de que uma pequena inflação é como uma pequena gravidez: ela invariavelmente cresce. Os riscos fiscais que alimentam o risco cambial estarão presentes nos próximos anos, fazendo com que a inflação possa eventualmente se tornar novamente um problema. Ela não surge apenas de problemas de demanda, como a forte inflação do recessivo ano de 2015 nos lembra, o que faz com que todo cuidado seja necessário para não se perder a estabilidade criada nos últimos anos. Assim, a inflação não parece assustar no curto prazo, mas não se pode dizer que ela é um mal totalmente eliminado.

*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

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