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Índice de miséria macroeconômica

Mesmo alguns estados que pareciam caminhar para uma queda consistente nas curvas de óbitos por covid estão mantendo patamar elevado

CORONAVÍRUS: governos que não foram firmes desde o início da pandemia tiveram resultados piores no número de óbitos. (Ricardo Moraes/Reuters)
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felipegiacomelli

Publicado em 21 de julho de 2020 às 15h22.

Começando o segundo semestre fica a pergunta se o pior da crise já ficou para trás. Certamente, do ponto de vista da pandemia isso não é verdade. Diversos estados ainda estão com curvas crescentes de óbitos e contaminações, o que deve estender parte da paralisia econômica para o terceiro trimestre. Mas mesmo alguns estados que pareciam caminhar para uma queda consistente nas curvas de óbitos estão mantendo patamar elevado, como Pernambuco e Ceará.

Foram vários fatores que contribuíram para esse resultado. Como toda tragédia dessa envergadura, nunca há apenas um único culpado. Temos, por exemplo, a divergência de visão entre governos federal e estaduais, o que causou confusão na cabeça das pessoas. Em pesquisa divulgada pelo Valor Econômico, 79% dos que apoiam o presidente concordam com as diretrizes dadas por ele, o que significa muito provavelmente menos cuidado na proteção em relação ao coronavírus .

Ao mesmo tempo, o governo atrasou nas medidas de apoio às empresas e à população, fruto de uma visão de que a crise seria menor do que se imaginava, mas também de uma dificuldade burocrática intrínseca na máquina pública brasileira. Sem falar que alguns programas tiveram desenhos muito rígidos, especialmente pelo Banco Central, o que atrasou o processo de concessão de crédito para as pequenas e médias empresas especialmente.

Nesse contexto, não se pode esquecer que governos que não foram firmes desde o início da pandemia tiveram resultados piores no número de óbitos. De fato, EUA, Brasil e México, os mais negacionistas nas figuras de seus presidentes têm índices alarmantes de novos casos ainda agora, enquanto países europeus e asiáticos que foram agressivos na condução da doença estão em condições melhores.

Vale dizer que a estrutura médica de cada país conta muito nesses casos. A Alemanha tem sido usada como exemplo de país com capacidade hospitalar robusta, diferente de países com saúde essencialmente privada, como os EUA, o que levou muita gente a atrasar a busca por socorro, ou com um bom programa público, como o SUS brasileiro, mas de presença irregular nas diversas partes do país.

Como está claro que esses presidentes não devem mudar de opinião, as consequências econômicas também precisam ser pensadas nesse contexto. No caso específico do Brasil isso significa que deveremos ter ainda o segundo semestre afetado pela pandemia, com queda de PIB que deve se estender até o final do ano.

É verdade que a maioria dos países aumentou em muito seu endividamento e será um problema geral daqui para a frente, mas com desafios muito diferentes em cada país. No caso brasileiro, o stress macroeconômico poderá ser de difícil reversão. Se compararmos com a crise de 2015/2016, os números macro chegarão muito piores no final deste ano. Para mostrar isso, elaborei um indicador que chamo de Índice de Miséria Macroeconômica, que soma a taxa de inflação em 12 meses, a taxa de desemprego e a variação da dívida bruta em um ano. Esse índice dá uma ideia geral das condições macroeconômicas que se encontram um país em determinado momento e precisa ser visto em comparação relativa com outros momentos no tempo e não em valores absolutos.

Assim, em comparação com o que foi o governo Dilma notamos que a crise agora, além de ser mais aguda, levará a números no final do ano muito piores do que o pico atingido em janeiro de 2016, poucos meses antes da queda da presidente (gráfico 1). Esse termômetro de piora da macroeconomia atingirá um pico final do ano cerca de 35% a mais do que o pico anterior do governo Dilma.

A sensação de piora aqui tende, em um primeiro momento, a afetar mais a condução da política econômica do que a percepção da população. Isso porque, em 2016, os maiores pesos desse indicador vinham do desemprego e da inflação e, agora, a dívida e o desemprego deverão ser o carro-chefe dos problemas macro a serem dirimidos (gráfico 2). É importante frisar que a piora do quadro fiscal poderá levar a uma solução inflacionária que, em tese, poderia piorar ainda mais esse indicador nos próximos anos.

Gráfico 1. Índice de Miséria Macroeconômica

Gráfico 2. Pesos de cada indicador no Índice de Miséria Macroeconômica (soma = 1)

Essa construção simbólica do que podem ser nossos problemas à frente dão o tom do que teremos que lidar nos próximos anos. Para mudar a trajetória explosiva desse indicador em 2016 foi preciso outro governo com rearranjo das forças políticas em torno das reformas.

A pergunta que se faz agora é se, com condições políticas muito instáveis, o governo terá condições de lidar com uma piora macroeconômica até mais grave do que se viu nos anos Dilma. Não se fala aqui em impeachment, até porque o governo tem tentado ao menos nas últimas semanas fazer um governo mais equilibrado. Mas a dúvida que paira no ar é se a dinâmica macro perversa que se verá à frente continuará dando suporte ao presidente.

Pode ser que entremos no pior dos mundos. O governo aprova o Renda Brasil, consegue apoio de parte da população por conta do programa, e esses problemas macroeconômicos seguem sendo difíceis de serem consertados na atual coalização política. Não é difícil imaginar isso se consideramos que nas pesquisas do Datafolha, cerca de 15% são bolsonaristas firmes, enquanto os outros 15% apoiam o governo por conta dos programas disponibilizados durante a pandemia, especialmente o auxílio emergencial. Isso sem falar do peso dos militares no governo, o que torna uma saída política ainda mais delicada.

Com esse cenário, é difícil imaginar que teremos tranquilidade nos dois anos finais do governo Bolsonaro. Mas pode ser que esse conjunto da obra lhe dificulte em muito uma reeleição, o que facilitaria o caminho de uma nova centro-direita podendo se consolidar nos próximos anos, conquistando os votos perdidos daqueles que estarão insatisfeitos com a condução da economia.

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Começando o segundo semestre fica a pergunta se o pior da crise já ficou para trás. Certamente, do ponto de vista da pandemia isso não é verdade. Diversos estados ainda estão com curvas crescentes de óbitos e contaminações, o que deve estender parte da paralisia econômica para o terceiro trimestre. Mas mesmo alguns estados que pareciam caminhar para uma queda consistente nas curvas de óbitos estão mantendo patamar elevado, como Pernambuco e Ceará.

Foram vários fatores que contribuíram para esse resultado. Como toda tragédia dessa envergadura, nunca há apenas um único culpado. Temos, por exemplo, a divergência de visão entre governos federal e estaduais, o que causou confusão na cabeça das pessoas. Em pesquisa divulgada pelo Valor Econômico, 79% dos que apoiam o presidente concordam com as diretrizes dadas por ele, o que significa muito provavelmente menos cuidado na proteção em relação ao coronavírus .

Ao mesmo tempo, o governo atrasou nas medidas de apoio às empresas e à população, fruto de uma visão de que a crise seria menor do que se imaginava, mas também de uma dificuldade burocrática intrínseca na máquina pública brasileira. Sem falar que alguns programas tiveram desenhos muito rígidos, especialmente pelo Banco Central, o que atrasou o processo de concessão de crédito para as pequenas e médias empresas especialmente.

Nesse contexto, não se pode esquecer que governos que não foram firmes desde o início da pandemia tiveram resultados piores no número de óbitos. De fato, EUA, Brasil e México, os mais negacionistas nas figuras de seus presidentes têm índices alarmantes de novos casos ainda agora, enquanto países europeus e asiáticos que foram agressivos na condução da doença estão em condições melhores.

Vale dizer que a estrutura médica de cada país conta muito nesses casos. A Alemanha tem sido usada como exemplo de país com capacidade hospitalar robusta, diferente de países com saúde essencialmente privada, como os EUA, o que levou muita gente a atrasar a busca por socorro, ou com um bom programa público, como o SUS brasileiro, mas de presença irregular nas diversas partes do país.

Como está claro que esses presidentes não devem mudar de opinião, as consequências econômicas também precisam ser pensadas nesse contexto. No caso específico do Brasil isso significa que deveremos ter ainda o segundo semestre afetado pela pandemia, com queda de PIB que deve se estender até o final do ano.

É verdade que a maioria dos países aumentou em muito seu endividamento e será um problema geral daqui para a frente, mas com desafios muito diferentes em cada país. No caso brasileiro, o stress macroeconômico poderá ser de difícil reversão. Se compararmos com a crise de 2015/2016, os números macro chegarão muito piores no final deste ano. Para mostrar isso, elaborei um indicador que chamo de Índice de Miséria Macroeconômica, que soma a taxa de inflação em 12 meses, a taxa de desemprego e a variação da dívida bruta em um ano. Esse índice dá uma ideia geral das condições macroeconômicas que se encontram um país em determinado momento e precisa ser visto em comparação relativa com outros momentos no tempo e não em valores absolutos.

Assim, em comparação com o que foi o governo Dilma notamos que a crise agora, além de ser mais aguda, levará a números no final do ano muito piores do que o pico atingido em janeiro de 2016, poucos meses antes da queda da presidente (gráfico 1). Esse termômetro de piora da macroeconomia atingirá um pico final do ano cerca de 35% a mais do que o pico anterior do governo Dilma.

A sensação de piora aqui tende, em um primeiro momento, a afetar mais a condução da política econômica do que a percepção da população. Isso porque, em 2016, os maiores pesos desse indicador vinham do desemprego e da inflação e, agora, a dívida e o desemprego deverão ser o carro-chefe dos problemas macro a serem dirimidos (gráfico 2). É importante frisar que a piora do quadro fiscal poderá levar a uma solução inflacionária que, em tese, poderia piorar ainda mais esse indicador nos próximos anos.

Gráfico 1. Índice de Miséria Macroeconômica

Gráfico 2. Pesos de cada indicador no Índice de Miséria Macroeconômica (soma = 1)

Essa construção simbólica do que podem ser nossos problemas à frente dão o tom do que teremos que lidar nos próximos anos. Para mudar a trajetória explosiva desse indicador em 2016 foi preciso outro governo com rearranjo das forças políticas em torno das reformas.

A pergunta que se faz agora é se, com condições políticas muito instáveis, o governo terá condições de lidar com uma piora macroeconômica até mais grave do que se viu nos anos Dilma. Não se fala aqui em impeachment, até porque o governo tem tentado ao menos nas últimas semanas fazer um governo mais equilibrado. Mas a dúvida que paira no ar é se a dinâmica macro perversa que se verá à frente continuará dando suporte ao presidente.

Pode ser que entremos no pior dos mundos. O governo aprova o Renda Brasil, consegue apoio de parte da população por conta do programa, e esses problemas macroeconômicos seguem sendo difíceis de serem consertados na atual coalização política. Não é difícil imaginar isso se consideramos que nas pesquisas do Datafolha, cerca de 15% são bolsonaristas firmes, enquanto os outros 15% apoiam o governo por conta dos programas disponibilizados durante a pandemia, especialmente o auxílio emergencial. Isso sem falar do peso dos militares no governo, o que torna uma saída política ainda mais delicada.

Com esse cenário, é difícil imaginar que teremos tranquilidade nos dois anos finais do governo Bolsonaro. Mas pode ser que esse conjunto da obra lhe dificulte em muito uma reeleição, o que facilitaria o caminho de uma nova centro-direita podendo se consolidar nos próximos anos, conquistando os votos perdidos daqueles que estarão insatisfeitos com a condução da economia.

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