Exame Logo

Governo Lula começa errado no fiscal

Somando tudo o gasto adicional ano que vem deverá ficar na casa dos R$ 210 bilhões, comparado com os R$ 80 bilhões que se estimava razoável de início

Parece não haver percepção do real risco fiscal para os próximos anos e ainda vale a crença petista de que mais gasto gera crescimento e está tudo resolvido (Horacio Villalobos/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2022 às 13h28.

O governo Lula mal começou e os primeiros sinais na área fiscal são preocupantes. A PEC da Transição poderia ser facilmente chamada de PEC dos Jabutis, tamanha quantidade de brechas que foram deixadas na lei. Somando tudo o gasto adicional ano que vem deverá ficar na casa dos R$ 210 bilhões, comparado com os R$ 80 bilhões que se estimava razoável de início.

Parece não haver percepção do real risco fiscal para os próximos anos e ainda vale a crença petista de que mais gasto gera crescimento e está tudo resolvido. Mas a conta fiscal para o ano que vem, caso não haja nenhuma adequação de receita, será de um déficit primário de cerca de 1,5% do PIB depois de um superávit primário este ano de quase 1% do PIB. Caso o governo não mantenha as desonerações de combustíveis e de IPI o déficit esperado poderia cair para 0,9% do PIB. De qualquer maneira é uma virada de resultado primário de quase dois pontos percentuais com dívida bruta do governo geral em proporção do PIB voltando para cima de 80% do PIB em 2023.

Não é apenas os números que tendem a piorar, mas a institucionalidade quebrada da regra do teto pede um regime fiscal crível, que pela legislação terá que ser apresentada até agosto do ano que vem. Não fosse a quebra deste ano, feita para tentar reeleger Bolsonaro, e a quebra programada para o ano que vem, o gasto público federal chegaria a 17,2% do PIB ao invés dos 19% que deverá chegar. Esse resultado ajudaria a reverter a trajetória da dívida e a levaria a cair ainda mais nos próximos anos, podendo chegar rapidamente a 70% do PIB.

Mas não é isso que vai acontecer. A próxima regra fiscal caminha para ter um peso grande sobre a dívida pública ao invés de uma regra de teto flexível. O mundo caminha rapidamente para ter regras de teto, pois a crise da pandemia abriu uma forte expansão fiscal que ajudou a aumentar a inflação nos últimos anos. Diversos estudos têm indicado que o elevado aumento do gasto público ajudou a explicar a alta da inflação do ano passado para cá em diversos países do mundo. Com a inflação elevada e os juros tendo que subir, chegou o momento de o fiscal colaborar revertendo parte da expansão que foi feita nos últimos anos. Por isso, alguns países, como os europeus, estão começando a trabalhar começando a sugerir regras fiscais que passem por algum controle do gasto.

No caso brasileiro, há o risco de uma regra frouxa, com várias brechas, como já se viu na PEC da Transição. Ao mesmo tempo, o peso na dívida ao invés do gasto poderá fazer com que ajustes tenham que ser feitos na arrecadação para acomodar o aumento de gastos que poderá vir nos próximos anos. A reforma tributária provavelmente servirá como base de aumento de tributação na renda para servir de contrapeso ao aumento de gastos esperado. Em que pese a necessidade de se revisar o imposto de renda, a ideia não deveria ser de aumentar a arrecadação para acomodar mais gastos.

Cada vez fica mais claro que política fiscal que mostra uma trajetória ruim de dívida pública piora o cenário econômico rapidamente. John Cochrane conta em “Fiscal Histories”, artigo recente no Journal of Economic Perspectives, narrativas sobre momentos em que os EUA pioraram a trajetória fiscal e como isso impactou negativamente na inflação e nos juros. De certa forma, mas com uma visão diferente de Cochrane, Alan Blinder, em “A Monetary and Fiscal History of the United States, 1961-2021”, também mostra como ajustes na política fiscal se tornaram importantes ao longo dos últimos anos não apenas para explicar a inflação, mas para ajudar a aumentar o próprio crescimento econômico. Não que isso não fosse importante antes, mas ajustes nos gastos passaram a ser visto nos anos 90 como positivos para gerar expectativas positivas por um caso concreto. A aposta de Bill Clinton no início de seu governo de fazer uma contração fiscal acabou por se mostrar positiva e serviu como sinalização de que ajustes fiscais são importantes para trazer estabilidade na economia. No caso americano, isso fica mais evidente por ter acontecido depois da farra fiscal dos anos Reagan, que explodiram tanto o déficit público quanto a dívida.

O caso brasileiro atual é similar. Depois de anos de desajuste fiscal, o sentido deveria ser de controle como Clinton fez no início de seu mandato. Mas os sinais até agora dão a entender que o governo não compreendeu a importância da política fiscal. Ela pode e deve ser usada em momentos de crise e quando há espaço para isso, o que não é nosso caso hoje.

A consequência parece muito clara em termos de maior pressão em cima do Banco Central, que poderá levar mais tempo para diminuir a taxa de juros e atrasará a recuperação da economia. Há tempo ainda de uma mudança de pensamento, mas ele está cada vez mais curto.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

Veja também

O governo Lula mal começou e os primeiros sinais na área fiscal são preocupantes. A PEC da Transição poderia ser facilmente chamada de PEC dos Jabutis, tamanha quantidade de brechas que foram deixadas na lei. Somando tudo o gasto adicional ano que vem deverá ficar na casa dos R$ 210 bilhões, comparado com os R$ 80 bilhões que se estimava razoável de início.

Parece não haver percepção do real risco fiscal para os próximos anos e ainda vale a crença petista de que mais gasto gera crescimento e está tudo resolvido. Mas a conta fiscal para o ano que vem, caso não haja nenhuma adequação de receita, será de um déficit primário de cerca de 1,5% do PIB depois de um superávit primário este ano de quase 1% do PIB. Caso o governo não mantenha as desonerações de combustíveis e de IPI o déficit esperado poderia cair para 0,9% do PIB. De qualquer maneira é uma virada de resultado primário de quase dois pontos percentuais com dívida bruta do governo geral em proporção do PIB voltando para cima de 80% do PIB em 2023.

Não é apenas os números que tendem a piorar, mas a institucionalidade quebrada da regra do teto pede um regime fiscal crível, que pela legislação terá que ser apresentada até agosto do ano que vem. Não fosse a quebra deste ano, feita para tentar reeleger Bolsonaro, e a quebra programada para o ano que vem, o gasto público federal chegaria a 17,2% do PIB ao invés dos 19% que deverá chegar. Esse resultado ajudaria a reverter a trajetória da dívida e a levaria a cair ainda mais nos próximos anos, podendo chegar rapidamente a 70% do PIB.

Mas não é isso que vai acontecer. A próxima regra fiscal caminha para ter um peso grande sobre a dívida pública ao invés de uma regra de teto flexível. O mundo caminha rapidamente para ter regras de teto, pois a crise da pandemia abriu uma forte expansão fiscal que ajudou a aumentar a inflação nos últimos anos. Diversos estudos têm indicado que o elevado aumento do gasto público ajudou a explicar a alta da inflação do ano passado para cá em diversos países do mundo. Com a inflação elevada e os juros tendo que subir, chegou o momento de o fiscal colaborar revertendo parte da expansão que foi feita nos últimos anos. Por isso, alguns países, como os europeus, estão começando a trabalhar começando a sugerir regras fiscais que passem por algum controle do gasto.

No caso brasileiro, há o risco de uma regra frouxa, com várias brechas, como já se viu na PEC da Transição. Ao mesmo tempo, o peso na dívida ao invés do gasto poderá fazer com que ajustes tenham que ser feitos na arrecadação para acomodar o aumento de gastos que poderá vir nos próximos anos. A reforma tributária provavelmente servirá como base de aumento de tributação na renda para servir de contrapeso ao aumento de gastos esperado. Em que pese a necessidade de se revisar o imposto de renda, a ideia não deveria ser de aumentar a arrecadação para acomodar mais gastos.

Cada vez fica mais claro que política fiscal que mostra uma trajetória ruim de dívida pública piora o cenário econômico rapidamente. John Cochrane conta em “Fiscal Histories”, artigo recente no Journal of Economic Perspectives, narrativas sobre momentos em que os EUA pioraram a trajetória fiscal e como isso impactou negativamente na inflação e nos juros. De certa forma, mas com uma visão diferente de Cochrane, Alan Blinder, em “A Monetary and Fiscal History of the United States, 1961-2021”, também mostra como ajustes na política fiscal se tornaram importantes ao longo dos últimos anos não apenas para explicar a inflação, mas para ajudar a aumentar o próprio crescimento econômico. Não que isso não fosse importante antes, mas ajustes nos gastos passaram a ser visto nos anos 90 como positivos para gerar expectativas positivas por um caso concreto. A aposta de Bill Clinton no início de seu governo de fazer uma contração fiscal acabou por se mostrar positiva e serviu como sinalização de que ajustes fiscais são importantes para trazer estabilidade na economia. No caso americano, isso fica mais evidente por ter acontecido depois da farra fiscal dos anos Reagan, que explodiram tanto o déficit público quanto a dívida.

O caso brasileiro atual é similar. Depois de anos de desajuste fiscal, o sentido deveria ser de controle como Clinton fez no início de seu mandato. Mas os sinais até agora dão a entender que o governo não compreendeu a importância da política fiscal. Ela pode e deve ser usada em momentos de crise e quando há espaço para isso, o que não é nosso caso hoje.

A consequência parece muito clara em termos de maior pressão em cima do Banco Central, que poderá levar mais tempo para diminuir a taxa de juros e atrasará a recuperação da economia. Há tempo ainda de uma mudança de pensamento, mas ele está cada vez mais curto.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados

Acompanhe tudo sobre:Ajuste fiscalGoverno LulaPEC do Teto

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se