FMI versus neoliberalismo: uma falsa controvérsia
Nos últimos anos, o FMI começou a fazer algumas revisões em sua visão de política econômica. Um resumo dessa nova abordagem pode ser visto em artigo recente de economistas da instituição publicado na Revista Finance & Development, que surtiu comentários críticos de Samuel Pessôa e Ricardo Hausmann, por exemplo. O ponto principal é que as […]
Da Redação
Publicado em 7 de junho de 2016 às 12h03.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h39.
Nos últimos anos, o FMI começou a fazer algumas revisões em sua visão de política econômica. Um resumo dessa nova abordagem pode ser visto em artigo recente de economistas da instituição publicado na Revista Finance & Development, que surtiu comentários críticos de Samuel Pessôa e Ricardo Hausmann, por exemplo. O ponto principal é que as políticas ditas neoliberais podem ter sido vendidas inadequadamente como solução geral para as economias. Os autores se concentram basicamente em dois pontos: será necessário um ajuste fiscal severo em momentos de crise? Controles de capital são sempre perniciosos?
A questão a ser respondida, entretanto, é se isso pode ser considerado o cerne das políticas neoliberais preconizados por John Williamson no Consenso de Washington. A resposta, felizmente, é não.
Os “dez mandamentos” que Williamson propôs eram: disciplina fiscal (inclusive com políticas contracíclicas quando necessário); reordenamento das prioridades de gasto público (com foco em educação, saúde e infraestrutura); reforma tributária; liberalização das taxas de juros (depois reformulada pelo autor de forma mais ampla como liberalização financeira); taxa de câmbio competitiva; liberalização comercial; liberalização na entrada de investimento estrangeiro direto (e não sobre controle de capital de curto prazo, que nem foi tema da discussão); privatização; desregulação (aqui o foco era diminuir barreiras de entrada e saída e não abolir regulamentação de preços em mercados não-competitivos); e direitos de propriedade (focado na diminuição do setor informal da economia). Williamson, como bom pesquisador que é, ampliou em artigo de 2004 o arcabouço acima para maior foco na educação, microcrédito e, pasmem os pensadores de esquerda, reforma agrária.
Difícil ser contra esse conjunto de medidas. Entretanto, não há nada aqui que tenha sido integralmente praticado pelas economias nas últimas décadas. Esse conjunto de prescrições de política econômica era parcialmente implementado, com dificuldades em geral na disciplina fiscal, vide a Argentina nos anos 90 e o Brasil mais recentemente. O Chile foi o que mais se aproximou dessas políticas e erroneamente considera-se uma questão, o controle de capitais dos anos 90, como elemento central para quem argumenta que o país não seguiu as recomendações acima. Mas, novamente, esse item justamente não era nem base de discussão dos temas do consenso.
O que ajudou o Chile a conseguir manter um bom padrão, e tem sido assim em mais dois países da América Latina, Peru e Colômbia, é a persistência das boas políticas. As diretrizes de Williamson podem ser vistas como um arcabouço institucional geral para a macro e a microeconomia. Como toda instituição, leva-se tempo para que elas funcionem, e a vantagem desses três países foi esperar pelos benefícios das boas práticas em economia. A mesma coisa vale para países do leste europeu, especialmente a Polônia, que se beneficiaram de reformas liberais que foram feitas após a queda do muro de Berlim.
A discussão a ser feita, assim, é identificar quais países mais se aproximaram das políticas acima e também quais ousaram esperar os frutos de longo prazo dessa política. Novamente, talvez o Chile tenha sido o único caso que se aproxima disso e, não à toa, colhe os bons frutos pelas opções corretas de política econômica.
O problema na avaliação do FMI é considerar elementos que não são estritamente do que se pode considerar neoliberal. Muito en passant os autores discutem a boa qualidade institucional como base para que o controle de capital e o ajuste fiscal funcionem. Mas o arcabouço neoliberal pede justamente que esses arcabouços estejam ativos antes de se pensar em qualquer instrumentalização da política econômica, como um ajuste fiscal menor ou um controle de capital mais rígido. Elementos, aliás, que o Chile aplicou com sucesso porque justamente as bases neoliberais estavam consolidadas. E, em todo caso, essas medidas eram entendidas como temporárias, nunca como políticas permanentes como foi o caso brasileiro em todo o governo Dilma, por exemplo. Mais ainda, aqui se optou pela tentativa de destruição de várias dessas instituições, notadamente a fiscal.
A necessidade, assim, é de resgatar os fundamentos. Eles continuam mais do que nunca válidos, com ajustes naturais em qualquer concepção geral de política econômica. Esquecer essa base e focar nos detalhes que nem fazem parte do pacote inicial é um desserviço ao que se precisa fazer em qualquer economia, especialmente no Brasil de hoje. Valeria o FMI pensar em como incentivar os países a melhorar suas instituições econômicas, focar em políticas macro e micro de longo prazo e avançar para além do rame-rame sem fim das discussões sobre políticas fiscal e monetária de curto prazo.
Nos últimos anos, o FMI começou a fazer algumas revisões em sua visão de política econômica. Um resumo dessa nova abordagem pode ser visto em artigo recente de economistas da instituição publicado na Revista Finance & Development, que surtiu comentários críticos de Samuel Pessôa e Ricardo Hausmann, por exemplo. O ponto principal é que as políticas ditas neoliberais podem ter sido vendidas inadequadamente como solução geral para as economias. Os autores se concentram basicamente em dois pontos: será necessário um ajuste fiscal severo em momentos de crise? Controles de capital são sempre perniciosos?
A questão a ser respondida, entretanto, é se isso pode ser considerado o cerne das políticas neoliberais preconizados por John Williamson no Consenso de Washington. A resposta, felizmente, é não.
Os “dez mandamentos” que Williamson propôs eram: disciplina fiscal (inclusive com políticas contracíclicas quando necessário); reordenamento das prioridades de gasto público (com foco em educação, saúde e infraestrutura); reforma tributária; liberalização das taxas de juros (depois reformulada pelo autor de forma mais ampla como liberalização financeira); taxa de câmbio competitiva; liberalização comercial; liberalização na entrada de investimento estrangeiro direto (e não sobre controle de capital de curto prazo, que nem foi tema da discussão); privatização; desregulação (aqui o foco era diminuir barreiras de entrada e saída e não abolir regulamentação de preços em mercados não-competitivos); e direitos de propriedade (focado na diminuição do setor informal da economia). Williamson, como bom pesquisador que é, ampliou em artigo de 2004 o arcabouço acima para maior foco na educação, microcrédito e, pasmem os pensadores de esquerda, reforma agrária.
Difícil ser contra esse conjunto de medidas. Entretanto, não há nada aqui que tenha sido integralmente praticado pelas economias nas últimas décadas. Esse conjunto de prescrições de política econômica era parcialmente implementado, com dificuldades em geral na disciplina fiscal, vide a Argentina nos anos 90 e o Brasil mais recentemente. O Chile foi o que mais se aproximou dessas políticas e erroneamente considera-se uma questão, o controle de capitais dos anos 90, como elemento central para quem argumenta que o país não seguiu as recomendações acima. Mas, novamente, esse item justamente não era nem base de discussão dos temas do consenso.
O que ajudou o Chile a conseguir manter um bom padrão, e tem sido assim em mais dois países da América Latina, Peru e Colômbia, é a persistência das boas políticas. As diretrizes de Williamson podem ser vistas como um arcabouço institucional geral para a macro e a microeconomia. Como toda instituição, leva-se tempo para que elas funcionem, e a vantagem desses três países foi esperar pelos benefícios das boas práticas em economia. A mesma coisa vale para países do leste europeu, especialmente a Polônia, que se beneficiaram de reformas liberais que foram feitas após a queda do muro de Berlim.
A discussão a ser feita, assim, é identificar quais países mais se aproximaram das políticas acima e também quais ousaram esperar os frutos de longo prazo dessa política. Novamente, talvez o Chile tenha sido o único caso que se aproxima disso e, não à toa, colhe os bons frutos pelas opções corretas de política econômica.
O problema na avaliação do FMI é considerar elementos que não são estritamente do que se pode considerar neoliberal. Muito en passant os autores discutem a boa qualidade institucional como base para que o controle de capital e o ajuste fiscal funcionem. Mas o arcabouço neoliberal pede justamente que esses arcabouços estejam ativos antes de se pensar em qualquer instrumentalização da política econômica, como um ajuste fiscal menor ou um controle de capital mais rígido. Elementos, aliás, que o Chile aplicou com sucesso porque justamente as bases neoliberais estavam consolidadas. E, em todo caso, essas medidas eram entendidas como temporárias, nunca como políticas permanentes como foi o caso brasileiro em todo o governo Dilma, por exemplo. Mais ainda, aqui se optou pela tentativa de destruição de várias dessas instituições, notadamente a fiscal.
A necessidade, assim, é de resgatar os fundamentos. Eles continuam mais do que nunca válidos, com ajustes naturais em qualquer concepção geral de política econômica. Esquecer essa base e focar nos detalhes que nem fazem parte do pacote inicial é um desserviço ao que se precisa fazer em qualquer economia, especialmente no Brasil de hoje. Valeria o FMI pensar em como incentivar os países a melhorar suas instituições econômicas, focar em políticas macro e micro de longo prazo e avançar para além do rame-rame sem fim das discussões sobre políticas fiscal e monetária de curto prazo.