Europa ainda trará muitos problemas
Com a provável vitória de Hillary Clinton nos EUA, o mundo volta à normalidade de se preocupar com a Europa. O ponto fora da curva que tem sido a eleição americana, apesar de ainda não terminada, tende a perder fôlego em impactar preços de ativos mundo afora. Reforça a alta de juros pelo Fed no […]
Publicado em 4 de outubro de 2016 às, 12h44.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h23.
Com a provável vitória de Hillary Clinton nos EUA, o mundo volta à normalidade de se preocupar com a Europa. O ponto fora da curva que tem sido a eleição americana, apesar de ainda não terminada, tende a perder fôlego em impactar preços de ativos mundo afora. Reforça a alta de juros pelo Fed no final do ano, mas nada inesperado a essa altura.
No caso europeu, as dificuldades têm se amontoado nos últimos meses com as divergências entre os políticos também alcançando as ruas. O Brexit mostrou a insatisfação da população comum com a política de imigração e de parte da elite britânica com a ingerência da União Europeia em questões tributárias. Ao longo deste semestre novas dificuldades foram aparecendo, especialmente com os bancos começando a dar sinais de aperto.
Com a tendência de prolongamento de taxas de juros muito baixas ou negativas, o retorno no sistema bancário vai continuar em queda, com represamento cada vez maior de crédito e o afastamento da população de ativos como títulos do governo. Casos como o Deutsche Bank na Alemanha e o Monte dei Paschi de Siene na Itália são apenas o estopim de bancos altamente descapitalizados e com um horizonte de perdas adicionais com os juros em território negativo.
Ao mesmo tempo, as decisões políticas, por mais que às vezes possam parecer positivas, podem ainda trazer dificuldades. Por exemplo, a Hungria entregou um paradoxo na decisão por referendo sobre as cotas de migração. A votação neste fim de semana não obteve os 50% necessários de comparecimento às urnas, mas dos 43% que foram, inacreditáveis 99% foram contra as cotas de migração impostas pela União Europeia. A aceitação das cotas poderá colocar a Hungria em choque maior com a Europa, podendo levar mais à frente a outro referendo, dessa vez parecido com o que foi o Brexit. No caso deste último, a aparente normalidade em que se supõe que nada aconteceu pode fortalecer partidos extremistas que optam pela saída da União. A Áustria terá nova eleição em dezembro, com grande chance de vitória da extrema direita, que havia ficado em apertado segundo lugar na eleição anulada de julho.
Talvez o caso mais emblemático, com potencial de estrago maior, seja o referendo italiano. Em palestra sexta-feira última na Fundação Fernando Henrique Cardoso, a Ministra das Reformas Constitucionais da Itália, Maria Elena Boschi, apresentou a ousada reforma já aprovada no parlamento italiano, mas que depende agora da população para confirmação. Não é pouca coisa. Sugere-se o corte de 1/3 dos parlamentares e o rebaixamento do Senado para uma casa de decisões regionais, mas não mais de decisões legislativas, com cerca de 95% das votações sendo decididas apenas na Câmara em votações que não passariam de 90 dias entre o envio e a decisão final em voto. Seria uma forma inédita para os italianos de acelerar o processo de reformas, especialmente a trabalhista, que consegue ser tão ineficaz quanto a brasileira. Caso essa votação seja aprovada na Itália em dezembro, não será o fim dos seus problemas, mas o início de mudanças que em tese poderiam aumentar a produtividade no país e trazer mais crescimento. O voto contrário joga o país novamente em um limbo decisório, com risco de crescimento da extrema direita capitalizada pelo Movimento Cinco Estrelas de Beppe Grillo.
Na Alemanha, a primeira ministra, Angela Merkel, tem perdido seguidamente as eleições regionais, sinalizando que o fim de seu mandato está próximo. E 2017 ainda tem eleições na França, sem candidatos evidentes à frente e com riscos da extrema direita de Marine Le Pen levar a presidência.
Vale lembrar que a Europa hoje é um condomínio em que os moradores não se entendem e rejeitam o síndico e cada vez mais seus próprios vizinhos. Nesse condomínio, qualquer crise política em algum país respinga de forma maior nos outros países. Em situação de calmaria, o impacto seria menor, mas em situação de risco, qualquer desvio traz incertezas, como tem sido a votação na Hungria e serão na Itália e Áustria, sem falar o impacto maior de todos que foi o Brexit.
Essa paralisia decisória tem forçado políticas de curto prazo para estimular crescimento. Juros baixos e quantitative easing com os bancos em crise não funcionam e quem pede política fiscal com o elevado nível de endividamento pede vários tiros no pé. Quem acha que aumentar o gasto público agora poderia tirar a Europa da lama esquece que política fiscal tem que ser feita hoje em dia olhando todo o passivo atuarial do Estado, que no caso europeu beira o impagável com o rápido envelhecimento da população.
O bom da Europa é que com tanto Estado há espaço para uma destruição criativa à la Shumpeter capitaneada pelo setor privado. Uma onda de Margaret Thatchers espalhadas pela Europa faria muito bem ao continente. Mas essa é a direita econômica que não se encontra hoje. O que se tem é uma direita política que, na verdade, é extremamente reacionária e isolacionista, longe do que Thatcher buscou na economia.
Sem muita solução à frente, o caminho provavelmente será desmantelar para reconstruir. A crise terá que se aprofundar para se saber o que os europeus realmente desejam. Por isso, ainda veremos muitas dificuldades vindas do velho continente.