Eu sou você amanhã… De novo
Havia nos anos 80 uma propaganda de vodca que dizia em uma frase memorável: eu sou você amanhã. A propaganda era brasileira, mas cabia como uma luva ao que aconteceu na relação entre Argentina e Brasil ao longo das últimas décadas. Desde os anos 80, pelo menos, a Argentina insiste em misteriosamente se antecipar em […]
Da Redação
Publicado em 24 de maio de 2016 às 13h09.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.
Havia nos anos 80 uma propaganda de vodca que dizia em uma frase memorável: eu sou você amanhã. A propaganda era brasileira, mas cabia como uma luva ao que aconteceu na relação entre Argentina e Brasil ao longo das últimas décadas. Desde os anos 80, pelo menos, a Argentina insiste em misteriosamente se antecipar em movimentos de política econômica no Brasil. O Plano Austral em 1985 precedeu o Plano Cruzado, da mesma forma que a democratização voltou ao país com a eleição de Raul Alfonsín em 1983, anos antes da malfadada eleição collorida. A liberalização tão necessária aos países latino-americanos também se deu alguns meses antes da invasão de Collor, quando Carlos Menem tomou posse, em julho de 1989. Anos depois, até o desastre dos Kirchner foi imitado por nós quando o Lula do segundo mandato e a Dilma em sua integralidade afundaram o país com políticas populistas. Novamente, Maurício Macri surgiu com políticas responsáveis meses antes de resgatarmos a normalidade nas últimas semanas aqui na terra do samba.
O que difere talvez os dois países é a intensidade da imitação. Talvez até pelo temperamento mais passional, as políticas argentinas costumavam ser radicais na sua intenção. Nota-se isso especialmente na abertura dos tempos de Menem e na destruição kirchnerista. Nossa abertura nem foi tão radical, com vendas parciais de empresas estatais e mais preocupação com políticas sociais no governo FHC, nem nossa destruição foi tão gritante, posto que a presidente Dilma foi devidamente retirada antes de completar o estrago. Basta dizer que nossas estatísticas ao menos permaneceram confiáveis ao longo do tempo, mesmo com as pedaladas devidamente registradas pelo Banco Central no final do ano passado.
É interessante notar também que os argentinos parecem ter uma relação mais visceral de ódio com seus ex-mandatários. Carlos Menem entrou em desgraça completa apesar de, em diversos aspectos, ter modernizado a economia. Lembra-se, corretamente, diga-se de passagem, os casos recorrentes de corrupção em seu governo. Mas os efeitos positivos do choque de produtividade que a liberalização trouxe ainda é pouco estudado. No Brasil, estudo de alguns anos atrás de Fernando Veloso, Fábio Giambiagi e André Vilela mostrou como o PAEG de Roberto Campos e Otávio Gouvêa de Bulhões nos anos 60 foi absolutamente relevante para o milagre econômico dos anos 70 que, para muitos ainda, decorreu de políticas correntes na época como o PND ou da situação externa favorável. Essa situação não parece diferente do que se deu na Argentina. Por mais que tenha havido um aumento significativo de capacidade ociosa depois da crise de 2001, é difícil explicar o crescimento continuado durante tantos anos até 2008, mesmo com os desmandos do casal presidencial de então, sem apelar para as reformas de Menem. Confrontado com essa hipótese, um colega economista argentino considerou isso provável, mas descartou tal possibilidade de análise pelo ódio que se criou sobre a figura de Menem. Um caso curioso em que a cegueira contamina a pesquisa.
Aqui a cegueira não chegou a tanto e reconhece-se que boa parte do crescimento brasileiro na década passada veio da sequência longa de boas reformas que começou nos anos 90 e que especialmente continuaram com o governo Lula. Antes que algum ideólogo de plantão jogue um maço de charutos cubanos na minha cara, vale frisar a importância de um governo de esquerda seguindo políticas liberais como foi o Lula em 2003. Isso foi essencial, durante o curto tempo de duração dessa lua de mel liberal em tons avermelhados, para que o crescimento se mantivesse em boas bases até a saída de Antônio Palocci do governo.
De qualquer maneira, o que parece ficar claro desses experimentos de impacto de ajustes na economia é como, infelizmente, períodos de reforma foram condenados ao inferno. O PAEG, o governo FHC e o governo Menem, em que pese as enormes diferenças entre eles, a mais gritante sendo que a primeira se deu em uma ditadura, foram relegados a períodos negros em seus países. Evidentemente, reformas acabam por significar ajuste, com perdedores em geral em diversas áreas e o capitalismo de estado sofrendo um revés em suas bases, o que justifica um ódio visceral das corporações de todos os tempos.
Mas, infelizmente, esses períodos dolorosos de ajuste são os únicos caminhos para o real crescimento de produtividade de qualquer país. É esse momento necessário de dor que se espera do governo Temer. É um momento único em um governo curto para se tentar fortalecer o crescimento de longo prazo. E o bom disso tudo é que, dado os erros grosseiros do governo anterior, a chance de uma recuperação rápida mesmo com ajustes politicamente dolorosos é razoável.
Havia nos anos 80 uma propaganda de vodca que dizia em uma frase memorável: eu sou você amanhã. A propaganda era brasileira, mas cabia como uma luva ao que aconteceu na relação entre Argentina e Brasil ao longo das últimas décadas. Desde os anos 80, pelo menos, a Argentina insiste em misteriosamente se antecipar em movimentos de política econômica no Brasil. O Plano Austral em 1985 precedeu o Plano Cruzado, da mesma forma que a democratização voltou ao país com a eleição de Raul Alfonsín em 1983, anos antes da malfadada eleição collorida. A liberalização tão necessária aos países latino-americanos também se deu alguns meses antes da invasão de Collor, quando Carlos Menem tomou posse, em julho de 1989. Anos depois, até o desastre dos Kirchner foi imitado por nós quando o Lula do segundo mandato e a Dilma em sua integralidade afundaram o país com políticas populistas. Novamente, Maurício Macri surgiu com políticas responsáveis meses antes de resgatarmos a normalidade nas últimas semanas aqui na terra do samba.
O que difere talvez os dois países é a intensidade da imitação. Talvez até pelo temperamento mais passional, as políticas argentinas costumavam ser radicais na sua intenção. Nota-se isso especialmente na abertura dos tempos de Menem e na destruição kirchnerista. Nossa abertura nem foi tão radical, com vendas parciais de empresas estatais e mais preocupação com políticas sociais no governo FHC, nem nossa destruição foi tão gritante, posto que a presidente Dilma foi devidamente retirada antes de completar o estrago. Basta dizer que nossas estatísticas ao menos permaneceram confiáveis ao longo do tempo, mesmo com as pedaladas devidamente registradas pelo Banco Central no final do ano passado.
É interessante notar também que os argentinos parecem ter uma relação mais visceral de ódio com seus ex-mandatários. Carlos Menem entrou em desgraça completa apesar de, em diversos aspectos, ter modernizado a economia. Lembra-se, corretamente, diga-se de passagem, os casos recorrentes de corrupção em seu governo. Mas os efeitos positivos do choque de produtividade que a liberalização trouxe ainda é pouco estudado. No Brasil, estudo de alguns anos atrás de Fernando Veloso, Fábio Giambiagi e André Vilela mostrou como o PAEG de Roberto Campos e Otávio Gouvêa de Bulhões nos anos 60 foi absolutamente relevante para o milagre econômico dos anos 70 que, para muitos ainda, decorreu de políticas correntes na época como o PND ou da situação externa favorável. Essa situação não parece diferente do que se deu na Argentina. Por mais que tenha havido um aumento significativo de capacidade ociosa depois da crise de 2001, é difícil explicar o crescimento continuado durante tantos anos até 2008, mesmo com os desmandos do casal presidencial de então, sem apelar para as reformas de Menem. Confrontado com essa hipótese, um colega economista argentino considerou isso provável, mas descartou tal possibilidade de análise pelo ódio que se criou sobre a figura de Menem. Um caso curioso em que a cegueira contamina a pesquisa.
Aqui a cegueira não chegou a tanto e reconhece-se que boa parte do crescimento brasileiro na década passada veio da sequência longa de boas reformas que começou nos anos 90 e que especialmente continuaram com o governo Lula. Antes que algum ideólogo de plantão jogue um maço de charutos cubanos na minha cara, vale frisar a importância de um governo de esquerda seguindo políticas liberais como foi o Lula em 2003. Isso foi essencial, durante o curto tempo de duração dessa lua de mel liberal em tons avermelhados, para que o crescimento se mantivesse em boas bases até a saída de Antônio Palocci do governo.
De qualquer maneira, o que parece ficar claro desses experimentos de impacto de ajustes na economia é como, infelizmente, períodos de reforma foram condenados ao inferno. O PAEG, o governo FHC e o governo Menem, em que pese as enormes diferenças entre eles, a mais gritante sendo que a primeira se deu em uma ditadura, foram relegados a períodos negros em seus países. Evidentemente, reformas acabam por significar ajuste, com perdedores em geral em diversas áreas e o capitalismo de estado sofrendo um revés em suas bases, o que justifica um ódio visceral das corporações de todos os tempos.
Mas, infelizmente, esses períodos dolorosos de ajuste são os únicos caminhos para o real crescimento de produtividade de qualquer país. É esse momento necessário de dor que se espera do governo Temer. É um momento único em um governo curto para se tentar fortalecer o crescimento de longo prazo. E o bom disso tudo é que, dado os erros grosseiros do governo anterior, a chance de uma recuperação rápida mesmo com ajustes politicamente dolorosos é razoável.