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Economia em recuperação, mas ainda sob riscos

Os dados mais recentes de atividade parecem ter sinalizado para alguns que a economia segue muito fraca. De fato, os indicadores de serviços e comércio vieram muito ruins no primeiro mês do ano, piores ainda do que estavam vindo nos meses anteriores. Há alguma razão para preocupação quando se lembra que os serviços têm um […]

TEMER: crescer 3% ao ano será o possível, mas ainda assim factível e menos turbulento do que nos últimos anos / Adriano Machado/ Reuters
TEMER: crescer 3% ao ano será o possível, mas ainda assim factível e menos turbulento do que nos últimos anos / Adriano Machado/ Reuters
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Sérgio Vale

Publicado em 4 de abril de 2017 às, 19h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h55.

Os dados mais recentes de atividade parecem ter sinalizado para alguns que a economia segue muito fraca. De fato, os indicadores de serviços e comércio vieram muito ruins no primeiro mês do ano, piores ainda do que estavam vindo nos meses anteriores. Há alguma razão para preocupação quando se lembra que os serviços têm um peso crescente dentro do PIB em contraponto ao desmantelamento da indústria de transformação ao longo das últimas décadas.

Mas não parece haver tanta razão para alarme. Continua sendo verdade que apesar de alguns números ainda ruins em algumas comparações, a tendência de quase todos eles têm sido de melhora a cada mês. No comércio, a queda do varejo ampliado foi de 4,8% em janeiro, metade do que havia caído apenas três meses antes e bem menos do que as quedas observadas em todos os meses de 2016. Obviamente, é nova queda em cima de quedas já importantes, mas a tendência claramente sinaliza números positivos à frente.

De onde viriam esses números? A renda real segue crescendo desde dezembro e deve chegar a números próximos a 3% no final do ano. O emprego formal começou a dar os primeiros sinais de melhora em fevereiro com saldo líquido de mais de 35.000. Há aqui uma percepção importante por parte da população que pode ser captada pelo que chamamos de índice de miséria, que é a soma da taxa de inflação e da taxa de desemprego. Especialmente pela queda da primeira, esse indicador cairá de forma significativa ao longo do ano, aumentando a percepção de poder de compra por parte da população. Há um início de retomada da confiança por parte daqueles que estão empregados e diminuíram as compras durante a crise. Sem tanto receio de perder o emprego podem voltar a aumentar o consumo.

Um setor que sofreu muito durante a crise parece dar os primeiros sinais de melhora. As vendas de automóveis e comerciais leves já entraram em terreno positivo em março, com expansão de 5,5% na comparação com o mesmo mês do ano passado. A tendência é que esses números positivos permaneçam ao longo do ano, advindo da percepção de que o pior da crise passou e que há espaço para tomada de créditos longos, especialmente no cenário de queda de juros.

A percepção de alguma melhora doméstica começa a aparecer também na indústria. Depois de janeiro em alta, fevereiro provavelmente apontará crescimento, tendência essa que também deve permanecer ao longo do ano. Cada vez menos por conta de exportação e mais pela melhora do componente doméstico da demanda industrial.

Por trás desse impacto o agronegócio é o carro-chefe do crescimento neste primeiro semestre, com impacto positivo na cadeia auxiliando no crescimento da renda nas cidades em que o setor tem mais relevância. A crise decorrida da Operação Carne Fraca não deve afetar de forma incontornável o setor. As exportações já foram liberadas e o consumidor doméstico já começa a entender que não havia papelão embutido nas carnes consumidas.

Essa recuperação seguirá lenta enquanto duas condições não estiverem consolidadas. Primeiro, a aprovação da reforma da previdência. Como já discutido em artigo anterior, sem essa reforma, a economia volta à recessão este ano e entrega a riscos desnecessários empresas que já tiveram muita dificuldade de passar por três anos de crise. Segundo, a eleição do ano que vem será de alto risco pelos efeitos da Operação Lava Jato e sensação de candidatos à lá 1989. A possibilidade de vitória de alguém que jogue tudo a perder deixará 2018 mais turbulento.

Uma derrota da previdência só fortaleceria o discurso extremista. Essa recuperação, assim, ainda é tênue, ou seja, há riscos de cenários alternativos de crise ocorrerem. As recentes derrotas, baixas votações e dificuldades de negociação do governo colocam a reforma da previdência em alerta.

Mas, passando essas dificuldades, o cenário de recuperação consolidada fica mais claro e um ciclo de crescimento mais estável a partir de 2019 será mais certo. Dadas as dificuldades de crescimento da produtividade, entretanto, crescer 3% ao ano será o possível, mas ainda assim factível e menos turbulento do que nos últimos anos. Em outras palavras, melhor crescer 3% todo ano do que forçar a economia para 7% para vermos ela desmoronar nos anos seguintes.

SERGIO VALE
SERGIO VALE