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Desafios crescentes no mercado de trabalho brasileiro

No curto prazo, estamos às voltas com uma nova elevação de patamar da taxa de desemprego depois da alta de 2015 e 2016

(Marcello Casal/Agência Brasil)
DR

Da Redação

Publicado em 19 de julho de 2021 às 17h03.

Última atualização em 19 de julho de 2021 às 17h04.

Por Sergio Vale

Entre os vários resquícios da pandemia, talvez o mais dramático e de difícil solução se dá em relação ao mercado de trabalho. São dois aspectos relevantes nesse caso, um mais de curto e outro mais de longo prazo.

No curto prazo, estamos às voltas com uma nova elevação de patamar da taxa de desemprego depois da alta de 2015 e 2016. A lenta recuperação da economia desde então não levou a taxa de desemprego para um dígito. Às portas da pandemia ano passado, a taxa de desemprego ainda se encontrava em 11,5%. Mais ainda, utilizando modelos similares ao do Banco Central para capturar a NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment), identificamos resultados muito ruins. A NAIRU é um indicador que mostra justamente o que o nome diz, ou seja, qual a taxa de desemprego de equilíbrio em que a inflação não aceleraria a partir dela. No caso brasileiro, a taxa de desemprego real está 3,5 pontos percentuais acima da taxa da NAIRU. Na verdade, desde a crise de 2015 que o desemprego tem ficado acima dela. Vale lembrar que mesmo nesse período a taxa de inflação ficou relativamente elevada, com média anual de 4,5% de 2015 para cá.

Essa taxa de desemprego estruturalmente elevada é de difícil solução quando se considera que tivemos duas crises profundas em tão pouco espaço de tempo. Quando dizemos que a taxa de desemprego está 3,5 pontos percentuais acima da NAIRU significa dizer que a própria taxa de desemprego neutra está muito elevada, em torno de 11%. Trazer a taxa estrutural para baixo depende de crescimento maior e contínuo nos próximos anos, mas especialmente com elevação da produtividade para que a taxa de desemprego possa cair sem gerar pressão inflacionária. Como se vê, não é tarefa simples, pois a produtividade brasileira tem crescido muito pouco nas últimas décadas, sem sinais de recuperação à frente. Uma queda mais forte da taxa de desemprego para baixo da estrutural poderia fazer com que a inflação acelerasse e o Banco Central tivesse que subir juros com mais intensidade, especialmente sabendo que a meta de inflação para os próximos anos está em queda e deverá chegar a 3% em 2014.

Por mais que a nova Lei de Independência do Banco Central coloque o emprego como ponto de atenção, dificilmente o Banco Central atual, que já está sob mandato pela nova lei, trocará mais inflação por mais emprego. Ou seja, é muito provável que a taxa de desemprego continue elevada nos próximos anos, em parte pela própria necessidade do BC em controlar a inflação.

Mas talvez o mais difícil será lidar com as questões de longo prazo. E essas têm a ver com as aceleradas mudanças tecnológicas dos últimos anos. Nesse sentido, três livros recentes colocam algumas luzes sobre o assunto. Em um tom mais otimista, o novo livro de Philippe Aghion, Celine Antonin e Simon Bunel, The Power of Creative Destruction, considera que, na verdade, precisaríamos aprofundar o avanço tecnológico, o que geraria mais emprego qualificado, mas também não qualificado. A ideia é que o aumento de produtividade ao aumentar a inovação seria de tal ordem que geraria demanda relevante por emprego. Alguns setores e regiões em que isso aconteceu mostram que de fato isso é verdade.

Entretanto, o fato é que são poucos os setores e regiões que conseguem usar a destruição criativa em grau elevado, como o Vale do Silício californiano. O resto da economia tende ser negativamente impactada por não ter o melhor do que se poderia ter do aumento de produtividade.

Os autores sabem disso e um capítulo na parte final do livro coloca o Estado como ponto central para mitigar os pontos de atrito que surgirão para a população que será afetada pela tecnologia. Nesse caso, salta aos olhos alguns modelos de referência, como o “flexicurity” dinamarquês, que mescla proteção social longa no desemprego, com busca ativa por recolocação através de qualificação mais intensa de quem ficou desempregado. Os resultados mostram que o modelo dinamarquês tem permitido uma taxa de desemprego menor, mas também a taxa de desemprego de longo prazo menor, cerca de metade da taxa média europeia. Ou seja, a população desempregada consegue voltar ao emprego com as opções dadas pelo governo.

Esse estado de social democracia que os países nórdicos tem sido exemplo para alguns poderá ser a norma no futuro, especialmente para os Estados Unidos, como acha Lane Kenworth em seu recente livro Social Democratic Capitalism. A solução terá que passar pelo Estado de qualquer maneira.

Em outro livro, mas em tom mais pessimista, está Daron Acemoglu. Redesigning AI: Work, Democracy, and Justice in the Age of Automation coloca a automação como sinal de alerta para boa parte do emprego menos qualificado nos próximos anos. Sem regulação do Estado que direcione os caminhos da inteligência artificial e automação fatalmente as perdas de emprego vão acelerar. Da mesma forma, a solução passa pelo Estado, mas no caso de Acemoglu o papel dele é mais de regulador do que de provedor, em que pese isso ser necessário também em sua visão.

As soluções de proteção e regulação que parecem factíveis para os países desenvolvidos, ficam distantes quando caímos na realidade brasileira. O Estado brasileiro tem um nível de proteção social elevado para a população mais idosa e muito menos para quem é jovem, não à toa quem sofre as maiores taxas de desemprego. Como nos lembra Ricado Paes de Barros e Laura Machado em artigo para o livro do Insper , Legado de Uma Pandemia, “a renda per capita dos idosos no Brasil é 30% maior que a das pessoas em idade para trabalhar (18 a 59 anos) e mais que o dobro da renda per capita das crianças, adolescentes e jovens (até 17 anos).” Esse desequilíbrio de gasto público entre gerações coloca dificuldades para que se tenha uma solução mais de curto e médio prazo que caiba dentro do orçamento. O Estado brasileiro não foi reformado o suficiente para ser útil para quem precisa como será necessário nas próximas décadas.

A tragédia da pandemia terá vários legados e, dentre eles, o mercado de trabalho em meio a um Estado inchado e com acelerado avanço tecnológico talvez será um dos maiores desafios que teremos que enfrentar, sem, infelizmente, soluções fáceis.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.

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Por Sergio Vale

Entre os vários resquícios da pandemia, talvez o mais dramático e de difícil solução se dá em relação ao mercado de trabalho. São dois aspectos relevantes nesse caso, um mais de curto e outro mais de longo prazo.

No curto prazo, estamos às voltas com uma nova elevação de patamar da taxa de desemprego depois da alta de 2015 e 2016. A lenta recuperação da economia desde então não levou a taxa de desemprego para um dígito. Às portas da pandemia ano passado, a taxa de desemprego ainda se encontrava em 11,5%. Mais ainda, utilizando modelos similares ao do Banco Central para capturar a NAIRU (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment), identificamos resultados muito ruins. A NAIRU é um indicador que mostra justamente o que o nome diz, ou seja, qual a taxa de desemprego de equilíbrio em que a inflação não aceleraria a partir dela. No caso brasileiro, a taxa de desemprego real está 3,5 pontos percentuais acima da taxa da NAIRU. Na verdade, desde a crise de 2015 que o desemprego tem ficado acima dela. Vale lembrar que mesmo nesse período a taxa de inflação ficou relativamente elevada, com média anual de 4,5% de 2015 para cá.

Essa taxa de desemprego estruturalmente elevada é de difícil solução quando se considera que tivemos duas crises profundas em tão pouco espaço de tempo. Quando dizemos que a taxa de desemprego está 3,5 pontos percentuais acima da NAIRU significa dizer que a própria taxa de desemprego neutra está muito elevada, em torno de 11%. Trazer a taxa estrutural para baixo depende de crescimento maior e contínuo nos próximos anos, mas especialmente com elevação da produtividade para que a taxa de desemprego possa cair sem gerar pressão inflacionária. Como se vê, não é tarefa simples, pois a produtividade brasileira tem crescido muito pouco nas últimas décadas, sem sinais de recuperação à frente. Uma queda mais forte da taxa de desemprego para baixo da estrutural poderia fazer com que a inflação acelerasse e o Banco Central tivesse que subir juros com mais intensidade, especialmente sabendo que a meta de inflação para os próximos anos está em queda e deverá chegar a 3% em 2014.

Por mais que a nova Lei de Independência do Banco Central coloque o emprego como ponto de atenção, dificilmente o Banco Central atual, que já está sob mandato pela nova lei, trocará mais inflação por mais emprego. Ou seja, é muito provável que a taxa de desemprego continue elevada nos próximos anos, em parte pela própria necessidade do BC em controlar a inflação.

Mas talvez o mais difícil será lidar com as questões de longo prazo. E essas têm a ver com as aceleradas mudanças tecnológicas dos últimos anos. Nesse sentido, três livros recentes colocam algumas luzes sobre o assunto. Em um tom mais otimista, o novo livro de Philippe Aghion, Celine Antonin e Simon Bunel, The Power of Creative Destruction, considera que, na verdade, precisaríamos aprofundar o avanço tecnológico, o que geraria mais emprego qualificado, mas também não qualificado. A ideia é que o aumento de produtividade ao aumentar a inovação seria de tal ordem que geraria demanda relevante por emprego. Alguns setores e regiões em que isso aconteceu mostram que de fato isso é verdade.

Entretanto, o fato é que são poucos os setores e regiões que conseguem usar a destruição criativa em grau elevado, como o Vale do Silício californiano. O resto da economia tende ser negativamente impactada por não ter o melhor do que se poderia ter do aumento de produtividade.

Os autores sabem disso e um capítulo na parte final do livro coloca o Estado como ponto central para mitigar os pontos de atrito que surgirão para a população que será afetada pela tecnologia. Nesse caso, salta aos olhos alguns modelos de referência, como o “flexicurity” dinamarquês, que mescla proteção social longa no desemprego, com busca ativa por recolocação através de qualificação mais intensa de quem ficou desempregado. Os resultados mostram que o modelo dinamarquês tem permitido uma taxa de desemprego menor, mas também a taxa de desemprego de longo prazo menor, cerca de metade da taxa média europeia. Ou seja, a população desempregada consegue voltar ao emprego com as opções dadas pelo governo.

Esse estado de social democracia que os países nórdicos tem sido exemplo para alguns poderá ser a norma no futuro, especialmente para os Estados Unidos, como acha Lane Kenworth em seu recente livro Social Democratic Capitalism. A solução terá que passar pelo Estado de qualquer maneira.

Em outro livro, mas em tom mais pessimista, está Daron Acemoglu. Redesigning AI: Work, Democracy, and Justice in the Age of Automation coloca a automação como sinal de alerta para boa parte do emprego menos qualificado nos próximos anos. Sem regulação do Estado que direcione os caminhos da inteligência artificial e automação fatalmente as perdas de emprego vão acelerar. Da mesma forma, a solução passa pelo Estado, mas no caso de Acemoglu o papel dele é mais de regulador do que de provedor, em que pese isso ser necessário também em sua visão.

As soluções de proteção e regulação que parecem factíveis para os países desenvolvidos, ficam distantes quando caímos na realidade brasileira. O Estado brasileiro tem um nível de proteção social elevado para a população mais idosa e muito menos para quem é jovem, não à toa quem sofre as maiores taxas de desemprego. Como nos lembra Ricado Paes de Barros e Laura Machado em artigo para o livro do Insper , Legado de Uma Pandemia, “a renda per capita dos idosos no Brasil é 30% maior que a das pessoas em idade para trabalhar (18 a 59 anos) e mais que o dobro da renda per capita das crianças, adolescentes e jovens (até 17 anos).” Esse desequilíbrio de gasto público entre gerações coloca dificuldades para que se tenha uma solução mais de curto e médio prazo que caiba dentro do orçamento. O Estado brasileiro não foi reformado o suficiente para ser útil para quem precisa como será necessário nas próximas décadas.

A tragédia da pandemia terá vários legados e, dentre eles, o mercado de trabalho em meio a um Estado inchado e com acelerado avanço tecnológico talvez será um dos maiores desafios que teremos que enfrentar, sem, infelizmente, soluções fáceis.

Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.

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