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Brasil vai bem no curto prazo, mas e no longo?

Os dados de final de ano mostraram uma economia que cresce, mas não em ritmo acelerado

GUEDES: em Davos, o Ministro da Economia disse que a expectativa é que o PIB cresça até 4% em 2022. / REUTERS/Pilar Olivares (Pilar Olivares/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 22 de janeiro de 2020 às 13h35.

Última atualização em 22 de janeiro de 2020 às 14h04.

Desde 2017, o país flertou com previsões de expansão de 2,5% ou mais em cada ano, para terminarmos na frustração de pouco mais de 1%. Depois de três anos de frustrações, 2020 finalmente poderá entregar um crescimento mais parecido com as expectativas de início de período. Neste primeiro artigo do ano, vale comentar se as projeções de início de ano poderão se realizar de fato e o que esperar para os próximos anos.

Do lado externo, os riscos diminuíram desde o final do ano passado. A economia americana não deve crescer muito este ano, com riscos vindos desde a perda de fôlego de empresas importante como a Boeing, até o excesso de alavancagem em parte do sistema financeiro, situação que nos remete à quebra do LTCM em 1998. Mas se ocorrer algo semelhante a isto, menos mal, pois não deveria trazer risco sistêmico para o mercado. A dificuldade eventual de mais players de mercado, sinalizada pelas crescentes operações de repo pelo Federal Reserve, pode indicar que há mais empresas que podem estar excessivamente alavancadas e isso poderia ser um risco maior.

Além disso, o ano eleitoral por lá não será fácil. Se a economia seguir bem, será difícil Donald Trump perder. Mas cinco anos a mais de um presidente tão errático como esse (este último ano mais quatro de outra presidência), poderia trazer danos irreparáveis para o soft power americano, além de um populismo econômico exacerbado, já visto na guerra comercial entre China e EUA e na reforma tributária sem previsão de cortes de gastos.

Sinal preocupante do modo Trump de governar é o que se viu com o Irã. Por um capricho de querer desfazer o acordo nuclear assinado anteriormente por Obama, o atual presidente americano levará os iranianos a querer reativar o programa nuclear, com consequências negativas para as relações com Israel e Arábia Saudita. Trump poderá ser responsável por azedar ainda mais o caldo indigesto do Oriente Médio. No curto prazo, os impactos no preço de petróleo tendem a não ser tão fortes sendo as consequências de longo prazo mais relevantes.

Não se pode esquecer do inexequível acordo comercial entre China e EUA, em que ambos se beneficiam no curto prazo apenas por uma trégua, nada mais do que isso. A expectativa de dobrar ou triplicar as exportações de bens para a China certamente não acontecerá e o acordo será revisto em algum momento, estrategicamente depois das eleições. Por que a China assinou? Sua necessidade de importar proteína animal se sobrepõe às irrealidades envolvidas no plano. São problemas que se acumulam para um eventual segundo mandato de Trump e nos faz relembrar que a guerra comercial e tecnológica entre os dois países está muito longe de acabar.

O Brexit finalmente saiu e não será suave. Os problemas se acumularão pela saída de parte do sistema financeiro de Londres, encarecimento de bens e serviços pela saída do acordo comercial e riscos de ruptura de Escócia e Irlanda do Norte. Certamente o crescimento inglês será menor nos próximos anos, dando voz à parte perdedora que não queria a saída do Reino Unido da União Europeia.

Na nossa vizinhança, nenhuma expectativa de bons ventos. México e Argentina seguirão enfraquecidos e os demais países às voltas com dificuldades internas, como o Chile, não deverão nos ajudar.

Todas essas questões são relevantes, mas salvo uma crise mais profunda nos EUA, não parecem ser suficientes para afetar as expectativas de crescimento aqui dentro. Estas poderão se beneficiar dos condicionantes domésticos, mas vale a ressalva de cautela com o excesso de otimismo.

Os dados de final de ano na atividade mostraram uma economia que cresce, mas não em ritmo acelerado. Dezembro poderá ainda trazer números ruins para a indústria, com estimativas de nova queda forte na produção. Esse certo balde de água fria no final do ano passado não impedirá a recuperação, mas a coloca mais na casa dos 2% do que 3% ou mais como tem sido aventado.

O lado bom disso é que o Banco Central terá espaço para nova queda de juros, para 4,25%, sem riscos para a inflação, que se mantém comportada para 2020. A inflação das carnes no final do ano passado já está revertendo e o IPCA esperado não deverá sair dos 3,6%, abaixo da meta de 4%.

A consolidação de reformas adicionais, especialmente na área fiscal através da PEC Emergencial, e algumas poucas microeconômicas, como a Lei de Saneamento e de Falências, devem trazer alento ao longo do ano. Ao mesmo tempo, esse será o ano em que as concessões em infraestrutura finalmente voltarão a acontecer.

Mas se há condições para crescermos 2% e talvez mais em 2021, ainda há severos entraves para que esse crescimento se sustente no longo prazo. A educação é o elemento faltante nessa equação e me parece fator mais importante para que a produtividade não consiga crescer adequadamente nos próximos anos.

O Brasil, como potência regional, mas sem muita força militar, depende muito também de seu soft power em um mundo cada vez mais dependente da imagem no consumo de bens e serviços. O consumidor e os fundos estão cada vez mais atentos aos países e empresas que buscam equilíbrio ambiental. A sinalização do fundo Blackrock de que privilegiará empresas que tenham esse tipo de comprometimento é sintomático do que vem pela frente. Ao ir contra essa tendência, o Brasil perde a oportunidade de ser líder natural na questão ambiental e pode se transformar, na verdade, em pária.

Não menos preocupante é o desgaste de imagem de pequenos grandes traumas que vão sendo criados. Quem imaginaria que o Brasil teria um Secretário da Cultura que teria Goebbels como inspiração de discurso?

Não há aqui riscos à democracia, mas pode ser que a melhora que se vê na economia pode sancionar cada vez mais esse tipo de acontecimento como normal. Quais os limites de autoritarismo que a população aceitará em troca de se beneficiar de uma retomada da economia? Qual será o novo normal para uma sociedade que se espantava com certas falas da Ministra Damares, mas que a coloca agora como entre as mais populares do ministério? São limites de tolerância que a sociedade brasileira apenas começa a lidar e, se não comprometem nossa democracia, certamente abrem portas perigosas dos limites do que um dia não aceitamos como normal. Esse teste será o mais importante em 2022.

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Desde 2017, o país flertou com previsões de expansão de 2,5% ou mais em cada ano, para terminarmos na frustração de pouco mais de 1%. Depois de três anos de frustrações, 2020 finalmente poderá entregar um crescimento mais parecido com as expectativas de início de período. Neste primeiro artigo do ano, vale comentar se as projeções de início de ano poderão se realizar de fato e o que esperar para os próximos anos.

Do lado externo, os riscos diminuíram desde o final do ano passado. A economia americana não deve crescer muito este ano, com riscos vindos desde a perda de fôlego de empresas importante como a Boeing, até o excesso de alavancagem em parte do sistema financeiro, situação que nos remete à quebra do LTCM em 1998. Mas se ocorrer algo semelhante a isto, menos mal, pois não deveria trazer risco sistêmico para o mercado. A dificuldade eventual de mais players de mercado, sinalizada pelas crescentes operações de repo pelo Federal Reserve, pode indicar que há mais empresas que podem estar excessivamente alavancadas e isso poderia ser um risco maior.

Além disso, o ano eleitoral por lá não será fácil. Se a economia seguir bem, será difícil Donald Trump perder. Mas cinco anos a mais de um presidente tão errático como esse (este último ano mais quatro de outra presidência), poderia trazer danos irreparáveis para o soft power americano, além de um populismo econômico exacerbado, já visto na guerra comercial entre China e EUA e na reforma tributária sem previsão de cortes de gastos.

Sinal preocupante do modo Trump de governar é o que se viu com o Irã. Por um capricho de querer desfazer o acordo nuclear assinado anteriormente por Obama, o atual presidente americano levará os iranianos a querer reativar o programa nuclear, com consequências negativas para as relações com Israel e Arábia Saudita. Trump poderá ser responsável por azedar ainda mais o caldo indigesto do Oriente Médio. No curto prazo, os impactos no preço de petróleo tendem a não ser tão fortes sendo as consequências de longo prazo mais relevantes.

Não se pode esquecer do inexequível acordo comercial entre China e EUA, em que ambos se beneficiam no curto prazo apenas por uma trégua, nada mais do que isso. A expectativa de dobrar ou triplicar as exportações de bens para a China certamente não acontecerá e o acordo será revisto em algum momento, estrategicamente depois das eleições. Por que a China assinou? Sua necessidade de importar proteína animal se sobrepõe às irrealidades envolvidas no plano. São problemas que se acumulam para um eventual segundo mandato de Trump e nos faz relembrar que a guerra comercial e tecnológica entre os dois países está muito longe de acabar.

O Brexit finalmente saiu e não será suave. Os problemas se acumularão pela saída de parte do sistema financeiro de Londres, encarecimento de bens e serviços pela saída do acordo comercial e riscos de ruptura de Escócia e Irlanda do Norte. Certamente o crescimento inglês será menor nos próximos anos, dando voz à parte perdedora que não queria a saída do Reino Unido da União Europeia.

Na nossa vizinhança, nenhuma expectativa de bons ventos. México e Argentina seguirão enfraquecidos e os demais países às voltas com dificuldades internas, como o Chile, não deverão nos ajudar.

Todas essas questões são relevantes, mas salvo uma crise mais profunda nos EUA, não parecem ser suficientes para afetar as expectativas de crescimento aqui dentro. Estas poderão se beneficiar dos condicionantes domésticos, mas vale a ressalva de cautela com o excesso de otimismo.

Os dados de final de ano na atividade mostraram uma economia que cresce, mas não em ritmo acelerado. Dezembro poderá ainda trazer números ruins para a indústria, com estimativas de nova queda forte na produção. Esse certo balde de água fria no final do ano passado não impedirá a recuperação, mas a coloca mais na casa dos 2% do que 3% ou mais como tem sido aventado.

O lado bom disso é que o Banco Central terá espaço para nova queda de juros, para 4,25%, sem riscos para a inflação, que se mantém comportada para 2020. A inflação das carnes no final do ano passado já está revertendo e o IPCA esperado não deverá sair dos 3,6%, abaixo da meta de 4%.

A consolidação de reformas adicionais, especialmente na área fiscal através da PEC Emergencial, e algumas poucas microeconômicas, como a Lei de Saneamento e de Falências, devem trazer alento ao longo do ano. Ao mesmo tempo, esse será o ano em que as concessões em infraestrutura finalmente voltarão a acontecer.

Mas se há condições para crescermos 2% e talvez mais em 2021, ainda há severos entraves para que esse crescimento se sustente no longo prazo. A educação é o elemento faltante nessa equação e me parece fator mais importante para que a produtividade não consiga crescer adequadamente nos próximos anos.

O Brasil, como potência regional, mas sem muita força militar, depende muito também de seu soft power em um mundo cada vez mais dependente da imagem no consumo de bens e serviços. O consumidor e os fundos estão cada vez mais atentos aos países e empresas que buscam equilíbrio ambiental. A sinalização do fundo Blackrock de que privilegiará empresas que tenham esse tipo de comprometimento é sintomático do que vem pela frente. Ao ir contra essa tendência, o Brasil perde a oportunidade de ser líder natural na questão ambiental e pode se transformar, na verdade, em pária.

Não menos preocupante é o desgaste de imagem de pequenos grandes traumas que vão sendo criados. Quem imaginaria que o Brasil teria um Secretário da Cultura que teria Goebbels como inspiração de discurso?

Não há aqui riscos à democracia, mas pode ser que a melhora que se vê na economia pode sancionar cada vez mais esse tipo de acontecimento como normal. Quais os limites de autoritarismo que a população aceitará em troca de se beneficiar de uma retomada da economia? Qual será o novo normal para uma sociedade que se espantava com certas falas da Ministra Damares, mas que a coloca agora como entre as mais populares do ministério? São limites de tolerância que a sociedade brasileira apenas começa a lidar e, se não comprometem nossa democracia, certamente abrem portas perigosas dos limites do que um dia não aceitamos como normal. Esse teste será o mais importante em 2022.

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