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Bolsonaro tem condições de melhorar o soft power brasileiro?

"O surpreendente resultado da eleição no último domingo mostrou um Brasil mais conservador do que se imaginava"

Bolsonaro na saída do hotel em NY. (Leandro Fonseca/Exame)
DR

Da Redação

Publicado em 4 de outubro de 2022 às 14h40.

O surpreendente resultado da eleição no último domingo mostrou um Brasil mais conservador do que se imaginava. O Bolsonarismo se consolida em um grau acima do que era a centro direita anos atrás nas mãos do PSDB. Além da pauta econômica, entrou com força nos últimos anos a pauta de valores e nacionalista, característica da extrema direita que vemos mundo afora, com o exemplo mais recente de Georgia Meloni vencendo na Itália.

Essa direita mais explícita fará com que Lula tenha que ir mais ao centro e negociar muito mais do que ele imaginava. Isso vale especialmente para o PT, que vinha insistindo nas pautas antigas e que nunca funcionaram e que terá que ceder ainda mais do que Lula. Este sempre foi mais ao centro do que seu partido e talvez o resultado da eleição faça com que o PT, mais do que Lula, tenha que ceder bastante em pautas que, de toda maneira, estavam equivocadas.

Isso vale para a economia. Mas para outras pautas mais à direita, como porte de armas, meio ambiente e direitos humanos a disputa entre Executivo e Legislativo deverá ser mais aguerrida. O Congresso descobriu o caminho de certa independência não apenas na agenda econômica, mas também na pauta de costumes. Com um Congresso mais forte à direita, muitas medidas podem ser aprovadas e eventualmente derrubadas se houver veto pelo presidente. Isso tudo, claro, considerando que Lula mantenha a dianteira e vença as eleições.

Pensando em um equilíbrio de forças maior, dado que o Congresso está majoritariamente à direita, faria ainda mais sentido um Executivo nas mãos de Lula. A necessidade de negociação que se perdeu nos últimos anos com a ausência do Executivo em decisões importantes faria bem ao país. Digo isso partindo do fato do Congresso estar à direita e seguir com um presidente à direita pode talvez mais prejudicar do que ajudar o país.

Isso porque há pautas modernizantes hoje em que o presidente decididamente ignora e vai contra a maré. A questão ambiental é muito clara e cada vez mais que o país se afastar dessa pauta nos próximos anos mais nos arriscamos a perder investimentos relevantes. Em um mundo ESG, a descarbonização é tema essencial e o agravamento da perda da floresta amazônica vai contra essa ideia. Sem falar de que a imagem do país se perde com isso. Em artigo meu e de Moises Marques que acabou de ser publicado no Journal of Political Power mostramos como a questão ambiental mal conduzida pode afetar negativamente o soft power de um país. Em um comparativo com outros países que construí em relação ao ESG e que discuti aqui em artigo do ano passado, mostro como o Brasil está na terceira pior posição entre os países nesse critério e demandaria um esforço grande de mudança de percepção nas três categorias dentro do ESG.

Além disso, o Brasil tem sistematicamente ficado fora dos diversos foros internacionais e têm dificuldade de negociação tanto com China quanto com os países desenvolvidos. O retorno da diplomacia em um mundo geopoliticamente adverso será essencial e nesse ponto o governo Bolsonaro tem falhado muito.

Nos próximos anos, isso será mais testado com a crescente tentativa de anexação de Taiwan por parte da China, que fará com que sejamos colocados em um ponto delicado. De um lado, os EUA continuam sendo relevantes para nós e nos cobrarão uma posição. De outro, a China é nosso maior parceiro comercial. A probabilidade é que a economia fale mais alto e continuemos a exportar ainda mais commodities para os chineses nesse caso por causa do estranhamento crescente entre EUA e China. Mas uma aproximação diplomática com os chineses seria necessária com a crescente competição de exportação agro que teremos nos próximos anos. Com a mudança climática diversas zonas de produção antes inexistentes aparecerão especialmente na Rússia. A África também tem apresentado padrões elevados de crescimento e busca de aumento de produtividade agrícola que tornará o continente um competidor do Brasil e, além do mais, mais próximo da China. Estreitar os laços diplomáticos com a China será essencial nos próximos anos.

Valer dizer que nessas duas questões, ambiental e diplomática, o agronegócio é o que mais pode perder no longo prazo e deveria demandar mudanças eloquentes por parte de Bolsonaro caso ele seja reeleito. O atual governo tem diminuído nossa imagem externa e mais quatro anos nesse mesmo ritmo, sem mudança, vai começar a trazer consequências econômicas muito mais severas.

Precisamos ter em mente que nos dias de hoje não basta pensar estritamente nas pautas econômicas. Elas não são mais suficientes para ditar a capacidade de desenvolvimento de um país. E, nesse sentido, os quatro anos de Bolsonaro não parecem ter sido de aprendizado nesses quesitos.

*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.

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O surpreendente resultado da eleição no último domingo mostrou um Brasil mais conservador do que se imaginava. O Bolsonarismo se consolida em um grau acima do que era a centro direita anos atrás nas mãos do PSDB. Além da pauta econômica, entrou com força nos últimos anos a pauta de valores e nacionalista, característica da extrema direita que vemos mundo afora, com o exemplo mais recente de Georgia Meloni vencendo na Itália.

Essa direita mais explícita fará com que Lula tenha que ir mais ao centro e negociar muito mais do que ele imaginava. Isso vale especialmente para o PT, que vinha insistindo nas pautas antigas e que nunca funcionaram e que terá que ceder ainda mais do que Lula. Este sempre foi mais ao centro do que seu partido e talvez o resultado da eleição faça com que o PT, mais do que Lula, tenha que ceder bastante em pautas que, de toda maneira, estavam equivocadas.

Isso vale para a economia. Mas para outras pautas mais à direita, como porte de armas, meio ambiente e direitos humanos a disputa entre Executivo e Legislativo deverá ser mais aguerrida. O Congresso descobriu o caminho de certa independência não apenas na agenda econômica, mas também na pauta de costumes. Com um Congresso mais forte à direita, muitas medidas podem ser aprovadas e eventualmente derrubadas se houver veto pelo presidente. Isso tudo, claro, considerando que Lula mantenha a dianteira e vença as eleições.

Pensando em um equilíbrio de forças maior, dado que o Congresso está majoritariamente à direita, faria ainda mais sentido um Executivo nas mãos de Lula. A necessidade de negociação que se perdeu nos últimos anos com a ausência do Executivo em decisões importantes faria bem ao país. Digo isso partindo do fato do Congresso estar à direita e seguir com um presidente à direita pode talvez mais prejudicar do que ajudar o país.

Isso porque há pautas modernizantes hoje em que o presidente decididamente ignora e vai contra a maré. A questão ambiental é muito clara e cada vez mais que o país se afastar dessa pauta nos próximos anos mais nos arriscamos a perder investimentos relevantes. Em um mundo ESG, a descarbonização é tema essencial e o agravamento da perda da floresta amazônica vai contra essa ideia. Sem falar de que a imagem do país se perde com isso. Em artigo meu e de Moises Marques que acabou de ser publicado no Journal of Political Power mostramos como a questão ambiental mal conduzida pode afetar negativamente o soft power de um país. Em um comparativo com outros países que construí em relação ao ESG e que discuti aqui em artigo do ano passado, mostro como o Brasil está na terceira pior posição entre os países nesse critério e demandaria um esforço grande de mudança de percepção nas três categorias dentro do ESG.

Além disso, o Brasil tem sistematicamente ficado fora dos diversos foros internacionais e têm dificuldade de negociação tanto com China quanto com os países desenvolvidos. O retorno da diplomacia em um mundo geopoliticamente adverso será essencial e nesse ponto o governo Bolsonaro tem falhado muito.

Nos próximos anos, isso será mais testado com a crescente tentativa de anexação de Taiwan por parte da China, que fará com que sejamos colocados em um ponto delicado. De um lado, os EUA continuam sendo relevantes para nós e nos cobrarão uma posição. De outro, a China é nosso maior parceiro comercial. A probabilidade é que a economia fale mais alto e continuemos a exportar ainda mais commodities para os chineses nesse caso por causa do estranhamento crescente entre EUA e China. Mas uma aproximação diplomática com os chineses seria necessária com a crescente competição de exportação agro que teremos nos próximos anos. Com a mudança climática diversas zonas de produção antes inexistentes aparecerão especialmente na Rússia. A África também tem apresentado padrões elevados de crescimento e busca de aumento de produtividade agrícola que tornará o continente um competidor do Brasil e, além do mais, mais próximo da China. Estreitar os laços diplomáticos com a China será essencial nos próximos anos.

Valer dizer que nessas duas questões, ambiental e diplomática, o agronegócio é o que mais pode perder no longo prazo e deveria demandar mudanças eloquentes por parte de Bolsonaro caso ele seja reeleito. O atual governo tem diminuído nossa imagem externa e mais quatro anos nesse mesmo ritmo, sem mudança, vai começar a trazer consequências econômicas muito mais severas.

Precisamos ter em mente que nos dias de hoje não basta pensar estritamente nas pautas econômicas. Elas não são mais suficientes para ditar a capacidade de desenvolvimento de um país. E, nesse sentido, os quatro anos de Bolsonaro não parecem ter sido de aprendizado nesses quesitos.

*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.

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