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Bolsonaro está à altura dos desafios na economia?

Serão anos difíceis na economia, com avanços em pontos importantes já iniciados pelo governo Temer, mas entraves em pontos essenciais, como a previdência

BOLSONARO VOTA NESTE DOMINGO: ambiguidade latente entre a economia e a política em seu governo / REUTERS/ Pilar Olivares
DR

Da Redação

Publicado em 28 de outubro de 2018 às 20h35.

Última atualização em 28 de outubro de 2018 às 20h44.

De eleições tensas e tão arduamente disputadas podemos ter bons resultados nos próximos anos? A grande questão que fica depois da batalha eleitoral de 2018 é mais difícil de responder do que em outros anos, especialmente pela ambiguidade latente entre a economia e a política em um governo Bolsonaro.

De um lado, a política econômica parece que será uma sequência parcial do governo Temer, o que é positivo. O ultraliberalismo de Paulo Guedes ficou pelo caminho com a curva de aprendizagem do novo governo sinalizando o que é possível e o que não é. Há pontos positivos e mais claros como a vontade de acelerar as concessões e privatizações, manter a reforma trabalhista, fazer a reforma tributária, menos polêmica do que a da previdência, e seguir com reformas microeconômicas já em andamento no Congresso, como o Cadastro Positivo, a nova Lei de Falências e, espera-se, a nova Lei das Agências Reguladoras. Do lado negativo, espera-se que a privatização da Eletrobrás volte à mesa de discussão e que possível pontos regressivos da reforma tributária sejam melhor formulados.

Espera-se também algum avanço na abertura comercial. Em que pese estarmos fora das Cadeias Globais de Valor, acordos comerciais bilaterais em um mundo que parece caminhar para tal tipo de solução, poderá ser um bom ponto de partida. Seria interessante focar na União Europeia, com discussões mais avançadas, do que tentar com os EUA, que em fase protecionista exigirá mais do que podemos entregar agora. Acelerar o processo de entrada na OCDE seria igualmente importante e, talvez, a aproximação de Bolsonaro com Trump pode ajudar nesse sentido já que o presidente americano tem barrado nossas pretensões.

Essa agenda econômica relativamente mais fácil de fazer depende de vontade do governo e, desse ponto de vista, parece que a sequências será positiva. Não se pode negar o impacto positivo que isso pode gerar no crescimento nos próximos anos, assim como a série de reformas dos anos 90 e início dos 2000 ajudaram a manter o bom desemprenho do país ao longo do primeiro mandato do governo Lula.

O exemplo lulista aqui é importante em outra esfera de preocupação, a da reforma da previdência. Ao tomar posse em 2003, Lula fez uma reforma da previdência possível à época, com a criação de um fundo complementar de previdência para os novos entrantes no setor público. E mesmo uma reforma tão menos complicada, pois afetava apenas os novos entrantes, já foi difícil de ser feita. Há de se lembrar também a derrota do governo FHC em tentativa de reforma da previdência nos anos 90.

Esse tipo de reforma não é simples de fazer e demanda esforço e crença por parte do Executivo. Há enormes dúvidas se Bolsonaro conseguirá convencer a sociedade da importância da reforma e, pelo jeito, se convencer também de sua necessidade.

As sinalizações são de se tentar uma reforma agressiva, o que nos faz lembrar de que quanto mais forte for a reforma, maior a necessidade de uma bancada política sólida para aprová-la. Mas o governo a tem?

Hoje, acho difícil que o governo consiga aprovar o que será necessário na previdência. Não é uma reforma pequena, como foi a de 2003, que precisamos agora. Ao perder tempo com algo muito extenso pode haver riscos de não se conseguir nada e o país afundar na sequência. A situação é agravada quando nos lembramos que esse tipo de reforma costuma acontecer em momentos de crise ou de necessidade por haver algum condicionante externo que o justifique, como as crises asiáticas nos anos 90 que pressionavam pelas reformas. Dessa vez, estamos sem crise e com a economia em franca recuperação. Como convencer o Congresso e a sociedade de aprovar tal reforma em tempos róseos é uma incógnita.

Aqui entram os dilemas políticos do presidente. Durante tanto tempo atacando a classe política terá agora que depender desse Congresso que tanto atiçou para aprovar as reformas. Haverá um preço a se pagar e pode ser que a lição dada pelo Legislativo seja de derrota em temas relevantes, especialmente no caso da previdência, em que se depende de um Congresso frontalmente contra a sociedade para se conseguir a aprovação.

Pela inexperiência e fragmentação do Congresso pode ser que Bolsonaro seja o tipo de presidente que consiga aprovação de projetos de lei e medidas provisórias, dependentes apenas de maiorias simples, mas tendo enorme dificuldade para as reformas constitucionais, dependentes de 308 votos na Câmara. Nosso problema é que precisamos agora da reforma constitucional da previdência, sem a qual todo o resto desmorona.

No meio disso tudo, vem tempos negros lá de fora. Há sinais incipientes de uma recessão querendo aparecer lá fora, com a Europa em franca desaceleração e a Itália sendo ameaça mais grave por conta de sua crise fiscal. Os EUA ainda vão bem, mas com todas sementes da sua tragédia futura já plantadas: anos de forte crescimento com início de pressão inflacionária, aumento de juros, bolha no mercado acionário e imobiliário dando sinais de perder força e uma guerra comercial que só tem aumentado o custo das empresas americanas. Essa combinação fica pior quando lembramos que as condições de saída de uma crise não estão postas: o déficit público e a dívida pública americana estão muito elevados e não haveria espaço para muito mais quantitative easing. Pode ser uma recessão mais longa em que estamos entrando, em que pese não ser tão forte como a de 2008. De qualquer maneira, Bolsonaro não terá os ventos favoráveis que Lula teve ao longo de seu primeiro mandato.

Como se vê, serão anos difíceis na economia, com avanços em pontos importantes já iniciados pelo governo Temer, mas entraves em pontos essenciais, como a previdência. Talvez o lado positivo é que a conta de não fazer o dever de casa virá rapidamente e a clareza da necessidade da reforma postergada também. Mas terá Bolsonaro condições para enfrentar tudo isso? A ver.

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De eleições tensas e tão arduamente disputadas podemos ter bons resultados nos próximos anos? A grande questão que fica depois da batalha eleitoral de 2018 é mais difícil de responder do que em outros anos, especialmente pela ambiguidade latente entre a economia e a política em um governo Bolsonaro.

De um lado, a política econômica parece que será uma sequência parcial do governo Temer, o que é positivo. O ultraliberalismo de Paulo Guedes ficou pelo caminho com a curva de aprendizagem do novo governo sinalizando o que é possível e o que não é. Há pontos positivos e mais claros como a vontade de acelerar as concessões e privatizações, manter a reforma trabalhista, fazer a reforma tributária, menos polêmica do que a da previdência, e seguir com reformas microeconômicas já em andamento no Congresso, como o Cadastro Positivo, a nova Lei de Falências e, espera-se, a nova Lei das Agências Reguladoras. Do lado negativo, espera-se que a privatização da Eletrobrás volte à mesa de discussão e que possível pontos regressivos da reforma tributária sejam melhor formulados.

Espera-se também algum avanço na abertura comercial. Em que pese estarmos fora das Cadeias Globais de Valor, acordos comerciais bilaterais em um mundo que parece caminhar para tal tipo de solução, poderá ser um bom ponto de partida. Seria interessante focar na União Europeia, com discussões mais avançadas, do que tentar com os EUA, que em fase protecionista exigirá mais do que podemos entregar agora. Acelerar o processo de entrada na OCDE seria igualmente importante e, talvez, a aproximação de Bolsonaro com Trump pode ajudar nesse sentido já que o presidente americano tem barrado nossas pretensões.

Essa agenda econômica relativamente mais fácil de fazer depende de vontade do governo e, desse ponto de vista, parece que a sequências será positiva. Não se pode negar o impacto positivo que isso pode gerar no crescimento nos próximos anos, assim como a série de reformas dos anos 90 e início dos 2000 ajudaram a manter o bom desemprenho do país ao longo do primeiro mandato do governo Lula.

O exemplo lulista aqui é importante em outra esfera de preocupação, a da reforma da previdência. Ao tomar posse em 2003, Lula fez uma reforma da previdência possível à época, com a criação de um fundo complementar de previdência para os novos entrantes no setor público. E mesmo uma reforma tão menos complicada, pois afetava apenas os novos entrantes, já foi difícil de ser feita. Há de se lembrar também a derrota do governo FHC em tentativa de reforma da previdência nos anos 90.

Esse tipo de reforma não é simples de fazer e demanda esforço e crença por parte do Executivo. Há enormes dúvidas se Bolsonaro conseguirá convencer a sociedade da importância da reforma e, pelo jeito, se convencer também de sua necessidade.

As sinalizações são de se tentar uma reforma agressiva, o que nos faz lembrar de que quanto mais forte for a reforma, maior a necessidade de uma bancada política sólida para aprová-la. Mas o governo a tem?

Hoje, acho difícil que o governo consiga aprovar o que será necessário na previdência. Não é uma reforma pequena, como foi a de 2003, que precisamos agora. Ao perder tempo com algo muito extenso pode haver riscos de não se conseguir nada e o país afundar na sequência. A situação é agravada quando nos lembramos que esse tipo de reforma costuma acontecer em momentos de crise ou de necessidade por haver algum condicionante externo que o justifique, como as crises asiáticas nos anos 90 que pressionavam pelas reformas. Dessa vez, estamos sem crise e com a economia em franca recuperação. Como convencer o Congresso e a sociedade de aprovar tal reforma em tempos róseos é uma incógnita.

Aqui entram os dilemas políticos do presidente. Durante tanto tempo atacando a classe política terá agora que depender desse Congresso que tanto atiçou para aprovar as reformas. Haverá um preço a se pagar e pode ser que a lição dada pelo Legislativo seja de derrota em temas relevantes, especialmente no caso da previdência, em que se depende de um Congresso frontalmente contra a sociedade para se conseguir a aprovação.

Pela inexperiência e fragmentação do Congresso pode ser que Bolsonaro seja o tipo de presidente que consiga aprovação de projetos de lei e medidas provisórias, dependentes apenas de maiorias simples, mas tendo enorme dificuldade para as reformas constitucionais, dependentes de 308 votos na Câmara. Nosso problema é que precisamos agora da reforma constitucional da previdência, sem a qual todo o resto desmorona.

No meio disso tudo, vem tempos negros lá de fora. Há sinais incipientes de uma recessão querendo aparecer lá fora, com a Europa em franca desaceleração e a Itália sendo ameaça mais grave por conta de sua crise fiscal. Os EUA ainda vão bem, mas com todas sementes da sua tragédia futura já plantadas: anos de forte crescimento com início de pressão inflacionária, aumento de juros, bolha no mercado acionário e imobiliário dando sinais de perder força e uma guerra comercial que só tem aumentado o custo das empresas americanas. Essa combinação fica pior quando lembramos que as condições de saída de uma crise não estão postas: o déficit público e a dívida pública americana estão muito elevados e não haveria espaço para muito mais quantitative easing. Pode ser uma recessão mais longa em que estamos entrando, em que pese não ser tão forte como a de 2008. De qualquer maneira, Bolsonaro não terá os ventos favoráveis que Lula teve ao longo de seu primeiro mandato.

Como se vê, serão anos difíceis na economia, com avanços em pontos importantes já iniciados pelo governo Temer, mas entraves em pontos essenciais, como a previdência. Talvez o lado positivo é que a conta de não fazer o dever de casa virá rapidamente e a clareza da necessidade da reforma postergada também. Mas terá Bolsonaro condições para enfrentar tudo isso? A ver.

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