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A volta da inflação e dos juros mais altos

Segundo especialistas, os grandes fatores que foram positivos para manter a inflação e os juros baixos nas últimas duas décadas não devem permanecer

 (vinnstock/Getty Images)
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Sérgio Vale

Publicado em 28 de janeiro de 2021 às, 18h45.

Os Estados Unidos devem entrar nos próximos dois anos em um forte processo de estímulo econômico monetário, mas especialmente fiscal, como havia dito em minha última coluna. A ideia é considerar o pagamento de juros da dívida sobre o PIB, que está em baixos 2%, como parâmetro a se observar para aumentar o gasto público. Isso tudo na condição de que a política monetária permanecerá longamente estimulativa.

Por trás disso há também a ideia da estagnação secular, que propõe que a taxa de juros neutra será permanentemente baixa durante muito tempo, na concepção do pai da ideia, Lawrence Summers. A razão é que o mundo caminharia para manter uma forte diferença entre poupança e investimento, afastando o risco de inflação e consequentemente de precisar subir a taxa de juros.

Mas o passado recente não necessariamente se manterá, o que aliás é mais do que comum em economia. Diversas teses definitivas foram morrendo no meio do caminho atropeladas pela dura realidade. A tese da taxa de juros eternamente baixa me parece que pode ser uma delas.

Já havia dúvidas sobre essa ideia e o lançamento do novo livro de Charles Goodhart e Manoj Pradhan, The Great Demographic Reversal, traz mais argumentos para isso. Segundo os autores, os grandes fatores que foram positivos para manter a inflação e os juros baixos nas últimas duas décadas não devem permanecer. A globalização e a demografia foram elementos em conjunto que ajudaram a injetar uma quantidade inédita de mão de obra na economia mundial e, obviamente, o motor disso foi a China.

Para os próximos anos esse cenário deve mudar. A demografia significará uma maior quantidade de pessoas idosas as quais demandarão cuidados especiais, como enfermeiros, o que deve manter a pressão sobre a força de trabalho. Eles não citam, mas aqui também vale lembrar da doença dos custos, de William Baumol, que coloca a saúde como um dos elementos importantes a manter pressão constante de aumento de preços pela baixa produtividade dos serviços. Se cada vez mais os serviços de saúde, pouco produtivos, crescerão, é justo imaginar que poderá haver pressão de preços. Os autores consideram também as doenças limitantes, como Alzheimer, cada vez mais crescentes, longe de cura e demandante de cuidados especiais por longo período de tempo.

Lendo o livro de Angus Deaton, Deaths of Despair, isso fica claro não apenas para a população mais idosa, mas para a população mais jovem que morre cada vez mais jovem por falta de cuidados adequados de saúde nos EUA. De qualquer maneira, a pressão sobre o setor de saúde nas próximas décadas será claramente crescente e demandante de mão de obra de obra qualificada.

Além disso, a quantidade de trabalhadores que a China colocou no mercado na velocidade que ela fez não ocorrerá de novo. A Índia e a África, que poderiam ser futuros fornecedores de trabalhadores mais baratos, sofrem de instabilidade macroeconômica e política que trazem dificuldade de vê-los se tornarem os fornecedores maciços de bens como a China tem sido.

Nesse mundo com menos mão de obra entrando no mercado e uma demografia que demandará muitos trabalhadores da área de saúde, será inevitável a pressão de aumento de custos salariais e de inflação. Consequentemente, será um mundo de juros mais elevados.

A dúvida sobre esse cenário permanece sobre a velocidade de perda de trabalhadores para a tecnologia. Eles colocam mais peso na demografia e na globalização do que nesta última, mas não são muito convincentes ao explicar o efeito menor da tecnologia em relação a estas duas. Para eles é evidente que a reversão da demografia e da globalização será mais impactante no mercado de trabalho do que a tecnologia e, naturalmente, levará a maior pressão salarial e inflação.

Para isso um ponto essencial é saber o que será dos sindicatos. O enfraquecimento deles teve papel importante nas últimas décadas para explicar o crescimento real estagnado dos salários nos países desenvolvidos, como diversos estudos têm corroborado. Mas não parece claro que essa nova economia teria o papel de refundar os sindicatos ou fazer com que os trabalhadores ganhem poder de barganha com as empresas. Talvez eles coloquem um peso muito maior no setor de saúde do que seja razoável.

Mesmo assim, a ideia global do livro para em pé, mesmo com dúvidas nos pormenores. Basicamente, a sugestão de que a globalização e a demografia mudarão de trajetória já são em si pontos importantes para justificar uma dúvida nesse cenário de estagnação secular de Summers.

Um ponto adicional na questão da globalização tem a ver com a geopolítica. A China cada vez mais terá o papel não apenas de fornecer menos mão de obra barata, mas ajudar a dividir o mundo em dois polos econômicos antagônicos. E por trás disso há a busca chinesa por influência, que passa por colocar a Ásia como sua zona de atração, tirando poder americano da região. Para isso, os chineses têm conduzido o mesmo tipo de estratégia que a Alemanha fez entre 1900 e 1945, quando ela usou o comércio internacional para influenciar politicamente os países próximos, praticando bullying para torna-los politicamente submissos. A sugestão de Robert Atkinson, na última edição da The International Economy, é criar uma OTAN do comércio em que países fora da alçada chinesa formariam um bloco de apoio para impedir essas práticas.

Está claro que dois grandes blocos mundiais estão em formação e a consequência é uma estrutura de custos mais alta para as empresas em um mundo em que as cadeias globais de valor talvez terão que ser repensadas, com internalização ou divisão de produção entre os dois blocos cada vez mais. Não é mais uma questão econômica apenas, mas sim essencialmente geopolítica. Isso tudo justifica um mundo mais instável, menos globalizado, com diferenças demográficas interpaíses também maiores, corroborando as ideias de Goodhart e Pradhan de que poderemos ter um mundo mais arriscado, com mais inflação e mais juros.

*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados.