Exame.com
Continua após a publicidade

A necessidade da reforma da Previdência

A aprovação da regra do teto abre espaço para a necessária aprovação da reforma da previdência. Sem essa reforma, até 2020 o governo teria que cortar 15% do gasto público em termos reais para acomodar os gastos com previdência. Mais ainda, o gasto da previdência em proporção do gasto público total chegará a 97% em […]

PREVIDÊNCIA: Líderes já discutem aprovar apenas o aumento da idade mínima para a aposentadoria, considerado um dos pilares da proposta / Antonio Cruz/Agência Brasil (Antonio Cruz/Agência Brasil)
PREVIDÊNCIA: Líderes já discutem aprovar apenas o aumento da idade mínima para a aposentadoria, considerado um dos pilares da proposta / Antonio Cruz/Agência Brasil (Antonio Cruz/Agência Brasil)
S
Sérgio Vale

Publicado em 14 de dezembro de 2016 às, 09h30.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h55.

A aprovação da regra do teto abre espaço para a necessária aprovação da reforma da previdência. Sem essa reforma, até 2020 o governo teria que cortar 15% do gasto público em termos reais para acomodar os gastos com previdência. Mais ainda, o gasto da previdência em proporção do gasto público total chegará a 97% em 2030 caso não haja nenhuma mudança na seguridade social.

Mas não é apenas a regra do teto que impõe a mudança na previdência. Ela é apenas um acelerador da necessidade de se perceber a importância da mesma. O fato relevante é que há uma questão estrutural que a inviabiliza ao longo dos próximos anos. É importante, nesse sentido, ter claro que não é uma questão conjuntural que afeta a previdência. Há um argumento circulando que diz que o déficit da previdência é causado apenas pela queda da receita real por conta da crise. Saindo da crise haveria uma volta aos déficits anteriores, que entre 2004 e 2014, antes do início da recessão, ficou na média de 66 bilhões de reais por ano. Entretanto, esse argumento não se sustenta por duas razões.

Primeiro, o crescimento da economia dificilmente será o que se viu ao longo desse período de dez anos, que foi de 3,7% ao ano. Nos próximos anos, o crescimento deve ficar próximo de 2% de média e, tudo bem encaminhado, consegue-se chegar a 3% na próxima década. Segundo, elemento importante para o crescimento da receita nesse período foi a forte formalização do mercado de trabalho, que não deve acontecer de novo. Sem esses elementos, difícil imaginar que a receita da previdência conseguirá manter a expansão média real de 8,3% anual que teve ao longo desses anos. No mesmo período, o gasto real com previdência cresceu em torno de 7%. Estimamos que a receita com previdência deva conseguir manter uma expansão média real em torno de 4% nos melhores momentos, o que significa dizer que a conta não fecha se for mantida a expansão do gasto cerca de 3 pontos percentuais acima da receita.

Segundo, o envelhecimento da população é evidente. Em 2016, 8,2% da população está acima dos 65 anos de idade, mas em 2030 esse número será de 13,4% e em 2060 será de 26,8%. Sem reforma, haverá um crescimento do gasto com previdência que se acelerará ao longo dos próximos anos.

Como em toda reforma que se discute longo prazo, o foco não é saber se o déficit daqui dois ou três anos será um pouco menor, mas saber se ao longo de um período mais longo a previdência é sustentável ou não. No nosso caso, ela claramente não o é.

O governo terá que ser muito claro na explicação para a sociedade e para o Congresso dessa realidade e de outras que são exploradas indevidamente. Por exemplo, a questão da taxa de reposição, ou seja, o valor da aposentadoria em relação aos últimos salários na ativa. Muito se falou dos 49 anos para se trabalhar e ganhar os 100% de taxa de reposição. Entretanto, 100% de taxa de reposição deveria ser a exceção e não a regra, a não ser, claro para quem já recebe o salário mínimo, em que a taxa de reposição de 100%.

A média da taxa de reposição da OCDE é de 60,8% e há países como Alemanha e Estados Unidos em que ficam próximo de 40%. Essa taxa média no Brasil, hoje, é de 86%, já uma das maiores do mundo. Com a reforma, cairia para 76%, ainda assim uma taxa bastante elevada na comparação internacional. Muito provavelmente o governo, sabendo da dificuldade na discussão de reforma dessa magnitude, colocou 76% já imaginando que terá que subir esse número para algo próximo de 80%. Ou seja, mesmo com a reforma a previdência brasileira ainda será benevolente à população idosa em proporção maior que em países com forte estado de bem-estar social, como a Suécia, que tem taxa de reposição de 58%.

Se o governo seguir a estratégia de convencimento usada na regra do teto deveria ser ainda mais fácil aprovar a reforma da previdência, pois os números nesse caso são muito mais graves para a própria estrutura atual do déficit público.

Dada a piora na crise política e a proximidade da eleição em 2018, seria natural que o Congresso acelerasse o processo para ficar o mais distante possível do próximo ciclo político. Esse parece ser o caminho traçado na Câmara nesse momento.

Evidentemente, o desenrolar da crise política pode paralisar toda essa discussão se as delações da Odebrecht levarem o Executivo e o Legislativo a um impasse de governabilidade. No começo deste ano havia clareza, pelo menos aqui na MB, que o desfecho seria a queda de Dilma, a posse de Temer e uma consolidação da pinguela para 2018. Entretanto, pois mais que esse seja o cenário básico ainda, o grau de incerteza nesse momento não é pequeno e sobram dúvidas sobre a capacidade do atual governo chegar ao final. O que resta de positivo é que as políticas macroeconômicas estão finalmente seguindo no caminho correto e isso evita que haja crise da magnitude da recessão que tem sido vista até este ano.

O ano de 2017 não será fácil, mas mais do que nunca valerá todo o esforço para aprovar a reforma das reformas, a mais difícil, mas também a mais importante em muitos anos.

SERGIO VALE
SERGIO VALE